Lista VIP: o dia seguinte
Não há que negar que existe um problema com a preservação e a segurança informática dos dados dos portugueses que os organismos do Estado possuem. Mas este problema não pode ser confundido com as questões que a criação da lista VIP levantou.
Em suma, pode-se hoje concluir que num dos mais relevantes organismos da administração pública foi implementado, entre Novembro de 2014 e Fevereiro de 2015, um mecanismo que segregou os contribuintes portugueses, permitindo que a consulta de uns, poucos, fosse restritiva e sancionada e que a consulta dos restantes continuasse a ser efectuada como sempre tinha acontecido. Com isto violaram-se princípios constitucionais, sendo assim, como sintetizou José Gomes Ferreira, que nascem as ditaduras.
Face a esta situação, gravíssima, que ocorreu em Portugal em pleno século XXI, que fizeram as autoridades governamentais responsáveis por esta direcção-geral e alguns opinion makers da praça? Primeiro negaram a existência da lista, depois duvidaram das informações que iam surgindo e quando, por fim, as provas começaram a ser esmagadoras tentaram, e continuam a tentar, fazer uma “fuga para a frente”, afirmando que o que é grave não é a existência da lista, mas a existência de inúmeras entidades externas, que têm acesso aos dados fiscais e aduaneiros dos portugueses e que, além disso, o princípio da igualdade também assenta no tratamento desigual daquilo que é desigual. É caso para dizer que, quem não quer chegar à verdade, tenta iludir os cidadãos, exprimindo publicamente indignação perante uma mixórdia de factos que, nuns casos, não são novos, nem desconhecidos e noutros vão em sentido contrário ao da lei. Em nenhum dos casos, porém, assumem essas temáticas a gravidade que representa para um Estado democrático, como o nosso, a criação uma lista VIP, que separa os portugueses entre contribuintes de primeira e de segunda.
Mas vamos por partes.
Primeiro há que referir que, desde que se começaram a utilizar recursos informáticos, sempre existiram a trabalhar junto das entidades fiscais e aduaneiras portuguesas empresas informáticas em regime de outsourcing, nos mesmos moldes em que se encontram a trabalhar hoje em dia. Ou seja, as entidades externas que tanto repúdio e admiração provocam hoje a certos responsáveis políticos e opinion makers, já se encontram a trabalhar na área fiscal e aduaneira há mais de vinte anos. E na altura até trabalhavam para uma entidade que se denominava DGITA (Direcção-Geral de Informática Tributária e Aduaneira), e o nome diz tudo. O STI, embora não tendo a visibilidade mediática de que goza actualmente, já tinha trazido o assunto para a esfera pública.
Segundo, há que explicitar que as restantes entidades externas que têm direito a senhas de acesso na AT só as possuem porque esta direcção-geral se encontra em completa ruptura de recursos humanos. Se estes colegas (POC), que são contratados em regime de tempo certo, não tiverem senhas de acesso à base de dados, mais vale não saírem dos centros de “desemprego”, porque nos serviços da AT não terão quaisquer tarefas para realizar. Depois, há ainda os colegas “emprestados” pelas autarquias. E estes, na maior parte dos casos, estão na área do património a realizar tarefas que, também, necessitam de senhas de acesso para serem concretizadas.
Terceiro, referir que há cidadãos que, pelos cargos que ocupam, deviam ser mais protegidos que os restantes, em termos de sigilo fiscal, é uma falácia que contraria de forma frontal os objectivos da Lei 4/83, relativa ao “Controlo Público da Riqueza dos Titulares dos Cargos Políticos”. Mais: no dia 6 de Março do corrente ano, o Parlamento aprovou na generalidade uma proposta que visa imprimir um maior alcance ao princípio da transparência inscrito nesta lei, não só reduzindo de 60 para 30 dias o prazo para os titulares de cargos políticos entregarem as suas declarações de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional, como obrigando estes titulares a fazerem a desagregação dos seus rendimentos, com a indicação das entidades pagadoras. Para maior transparência, sugere-se que estes dados fiquem acessíveis online no portal do Tribunal Constitucional.
Posto isto, não há que negar que existe um problema com a preservação e segurança informática dos dados dos portugueses que os organismos do Estado possuem. Mas este problema não pode ser confundido com as questões que a criação da lista VIP levantou. Por três motivos. Primeiro, porque a lista VIP foi criada ao arrepio da lei e viola claramente a Constituição portuguesa. Segundo, porque não há tradição de quebra de sigilo fiscal por parte dos trabalhadores da AT. Nem, que se saiba, por parte das entidades externas que têm acesso à base de dados da AT. Terceiro, porque o problema da falta de segurança das bases de dados existentes nos organismos públicos foi fomentado por sucessivos governos. Quer objectivamente, através da contratação de empresas externas para prestaram serviços nesta área — a este propósito, refira-se a Via CTT, onde estão obrigatoriamente alojados os endereços electrónicos de todas as entidades colectivas registadas em Portugal. Ora, os CTT são uma entidade privada. O que significa que, neste preciso momento, uma entidade privada tem, em potência, acesso a todas as informações fiscais e aduaneiras comunicadas pelas empresas à AT. Quer subjectivamente, através de políticas de “emagrecimento” da administração pública, que redundaram na falta de recursos humanos e materiais para levar a cabo missões nucleares para o funcionamento do país.
Que se queiram agora usar estes factos, que já eram do domínio público há muitos anos, para lançar um anátema sobre quem denunciou a existência da lista VIP na Autoridade Tributária e Aduaneira, limitando a esfera de competências dos seus trabalhadores, nomeadamente no que diz respeito ao combate à fraude e evasão fiscal, é não apenas irresponsável, do ponto de vista político, como criminoso, do ponto de vista jurídico. E, isso, os trabalhadores da AT não irão aceitar! Nem a sociedade portuguesa o irá compreender!
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos