Fadas e formigas
O Governo teve uma semana desastrosa. Tudo começou com a desinquietação do resultado das eleições na Grécia. Depois foi a escolha de um parceiro nacionalista, ainda por cima para a pasta da defesa. Seguiu-se a homenagem às vítimas do nazismo, busca de identidade resistente e bofetada em Merkel e outros. O juramento à escolha, religioso ou não. Pelo meio, as declarações confirmando propósitos antigos. Depois, a realidade: recusar a privatização dos portos do Pireu e de Salónica, criar uma subvenção de energia grátis para quem a ela não tem acesso por falta de recursos, aumentar o salário mínimo e, supremo acinte, voltar a admitir 160 pessoas de limpeza para o MNE lá do sítio. Tudo ao contrário das prescrições da troika. Menino reguila, perdido perante a professora e a turma, avançando na escalada das travessuras. Os gregos deveriam ter juízo, mas resolveram acreditar em contos para crianças, Passos Coelho dixit.
Em vez de meros cumprimentos de Estado, seguidos de votos de confiança na Grécia, ou prudentemente se calar, o nosso Primeiro resolveu insultar os vencedores. Marques Guedes, prenhe de imaginação, foi em busca da formiga e da cigarra, ou seja a Esopo, via Lafontaine. Como já Ferreira Fernandes lembrou, “assim devera eu ser / e não esta cigarra / que se põe a cantar / e me deita a perder”. O nosso preclaro governo recomenda aos Gregos que se ponham “de patinhas no chão / formiguinha ao trabalho / e ao tostão”. Só que não leu as estrofes finais do poema de Alexandre O’Neill : “assim devera eu ser / se não fora não querer”. Pois é, parece que os Gregos têm outros planos. Para a nossa Pátria, o ditado do governo é diferente: o povo gastou / o povo tem que pagar / o governo salvador apertou / mas agora relaxou / para voltar a ganhar! As eleições de Outubro, entenda-se. Passos recusa a conferência dos devedores, pensa que se safa sozinho, ou à boleia. No fundo, antevendo a saída a prazo, quer manter a rigidez do porte, mesmo quando ela for de cadáver político.
Angola. Há dez anos que não estava em Angola, com vagar. Grandes diferenças: O recenseamento da população que permitiu elaborar um excelente plano de saúde para os mais de 24 milhões de habitantes. A mortalidade infantil que regrediu pouco, mas alguma coisa, de 250 para 180 por mil, elevando a esperança média de vida para acima dos 50 anos. O reconhecimento de atrasos e insuficiências, sem rebuço nem desculpas de segurança de Estado. Grandes investimentos em Saúde por todo o território; reconstrução acelerada de hospitais, centros e postos; 3 mil médicos, 3 mil estudantes de medicina no País e mais 3 mil no estrangeiro. para disporem de 15 mil médicos em 2025. Valores igualmente ambiciosos para enfermeiros e outros profissionais. Sete escolas médicas, cinco das quais provinciais, novas, estas infelizmente sem participação portuguesa. O princípio de uma cultura científica baseada na evidência. Redução das evacuações e suas listas de espera. O apreço subliminar pelo que é português, desde os medicamentos, ao apoio tecnológico e organizativo, desde a clínica à saúde pública, mais do que seria de esperar.
De súbito, a crise impacta a meio da corrida. Más notícias também para as exportações portuguesas. Cortes orçamentais na proporção da baixa do preço do petróleo, revisão dos investimentos para sustentar o já alcançado. Uma vontade de abrir estrangulamentos, como o do preço médio de medicamentos oito vezes acima dos países vizinhos, e a ineficácia dos canais logísticos apenas baseados no mercado. Os grandes flagelos permanecem latentes, a malária, a subnutrição e a higiene pública, as doenças de origem hídrica, o Ébola contido fora das fronteiras. A par dos novos problemas, como os acidentes de estrada, causadores de quase três mil mortos. De modo muito diferente do passado que testemunhei, agora sabe-se como actuar. Age-se, não se reage apenas.
Permanecem as enormes diferenças sociais, mas uma classe média afirma-se. Visível na quantidade de lojas de artigos domésticos, do têxtil do lar e até da decoração, bem como na disseminação das agências bancárias. Será natural que lojas fechem, que menos carros se vendam e até que seja atenuada a circulação viária, com a esperada subida do preço da gasolina e de impostos. Angola procura o seu lugar.
Miguel Galvão Teles. Tudo parece ter sido dito, sobretudo por quem com ele mais privava. Amigo de há mais de cinquenta anos, com intermitências de afastamento, o seu sorriso mordaz e afável baila-me na memória. A sua forma de tratar os mais novos pelo diminutivo do nome de família (fui sempre o “Campinhos”) abria de imediato as portas da amizade. Do seu muito saber guardo a prodigiosa criatividade de soluções, a sua habilidade negocial baseada em profundo conhecimento e a tortura permanente de oscilar entre o académico e o advogado de negócios de estado. Quanto ao futebol, a memória das fintas estonteantes de um génio aprisionado nos livros de direito. Grande Miguel!
Professor catedrático reformado
O fim das Troikas
Tsipras, antes de comparecer em Bruxelas para renegociar a finalização do programa de ajustamento, tem que travar a fuga de capitais. Apesar da recuperação, a Grécia viveu uma semana de susto. Corrida aos bancos, investidores em fuga, acções em queda, juros das obrigações a subirem. Nos dois últimos meses, os bancos perderam 8,5% do total dos fundos, atingindo níveis abaixo do verificado em 2012, quando se especulou sobre a saída do euro. O principal índice grego, as 25 maiores empresas, caiu 12,1% e o índice geral recuou 9,2%. Os bancos chegaram a perder um quarto do seu valor, em apenas um dia. Receios do imposto sobre depósitos e de restrições à mobilidade de capitais explicam a fuga. O Programa Salónico começou por reintegrar e contratar funcionários públicos, repor cortes nos salários e pensões, aumentar o subsídio de desemprego e o salário mínimo nacional. Porém, os bancos necessitam de liquidez e a dívida atingiu 176% do PIB. O programa da troika não resultou, a sua extensão será rejeitada. A Grécia precisa de um novo plano que ela possa cumprir. Um policy mix, que calibre o ritmo e a consolidação orçamental, que reduza o peso da dívida, garantindo as funções do Estado, o crescimento e o emprego, com competitividade, solidariedade e confiança. O plano - um New Deal para a Grécia - será o teste das medidas anticrise agora adoptadas. A falta de liquidez dos bancos tem que ser suprida pela compra da dívida pública nos mercados secundários (programa OMT) ou pelo plano Draghi (quantitative easing), como o investimento apoiado pelo Fundo Juncker e amparado pela releitura do Pacto de Estabilidade e Crescimento. A solução não será unilateral, mas subscrita pela Comissão e pelo BCE, com supervisão do Parlamento Europeu. Há também uma oportunidade para a Europa. João Ferreira da Cruz, economista