As ruínas da nossa velhice
Toda a gente pensava na Europa: os que tinham emigrado, os que tencionavam emigrar e os que supunham que Portugal seria tarde ou cedo como a Europa — com a liberdade e a riqueza que a Europa nos dispensaria. A propaganda do regime não passava da propaganda de um passado morto. A pequena classe média do tempo queria a paz da Inglaterra, os salários da Alemanha, o sistema social dos suecos e a política da França. Impostos não tencionava pagar.
Para a minha geração, que vai agora morrendo, o “25 de Abril” chegou a tempo. Andávamos pelos 30 anos, com uma profissão e uma longa vida à nossa frente. Íamos finalmente mudar Portugal. Fazer um novo cinema, um novo teatro, uma nova literatura, uma universidade exemplar e um Estado democrático. Íamos varrer a miséria atávica do país, que manifestamente nos seguiria. Em vez disso, logo do princípio, apareceu o dr. Cunhal e o PREC, com que, no fundo, ninguém contava. Não vale a pena insistir nesse delírio sem sentido, que não durou muito: em Novembro de 1975, as coisas voltaram a uma relativa normalidade. Mas ficou o sentimento da fragilidade das coisas, que só se consolidaram em 1989-1990. Nessa altura, a grande esperança da “revolução” já desaparecera.
Cada um tratou, e não mal, da sua vidinha. Da sua carreira e da sua bolsa. Os partidos tomaram conta da política, com uma irreprimível irresponsabilidade e uma corrupção congénita, contra as quais o cidadão comum era impotente. Cada um meteu-se na sua casca e tentou ignorar o que sucedia fora dela. De qualquer maneira, a aventura deixara algum dinheiro e um módico de liberdade: o que aos 50 anos bastava. Por sorte, na sua imperfeição, a nossa época fora como a “Regeneração” e o “fontismo”, uma época “civilizada”, sem guerras civis, sem “ditaduras”, com menos miséria. Infelizmente, a nossa “sorte” incluía também uma certa esterilidade pessoal e a amargura de uma colectiva desilusão. E à nossa volta sucessivos governos criavam as ruínas da nossa velhice.