A rapaziada do grupo “Magistrados Unidos VIP”
Os magistrados competentes e briosos — que são a esmagadora maioria — não devem conformar-se com este tipo de conduta, recusando-se a caucionar com o seu silêncio tais comportamentos.
Entre os vários comentários publicados pela comunicação social constam os seguintes:
“Que corropio na cadeia de Évora. Estarão todos de rabo preso”? “Estava habituado aos mais requintados restaurantes de Paris”. "Dizem que quem lá vai são os entalados do regime. Se assim é, ainda a procissão vai no adro”. “O que ele queria era destruir a papelada comprometedora e avisar pessoas para tarem sogaditas”, etc.
Como classificar a conduta destes magistrados?
Segundo o advogado, João Araújo, trata-se de “uma garotada que invadiu os tribunais e que se entretém com estas parvoíces, em vez de estar a despachar processos”. Outras opiniões vão desde a censura, no âmbito ético-deontológico, até à censura disciplinar. Penso, no entanto, que os comentários do denominado “grupo VIP” revelam falta de outros valores éticos, exigidos a quem tem por função aplicar a justiça. Enquanto detentores duma parte da soberania, os magistrados têm o dever funcional — e não meramente de consciência — de procurar a realização concreta de todos e cada um dos direitos dos cidadãos. E para exercerem a plenitude da sua condição devem preencher certos requisitos, cuja carência os inutiliza e destrói. Têm eles que ser, simultaneamente, homens e mulheres de equilíbrio, de formação permanente, capazes de acompanhar, objetiva e serenamente, as transformações da sociedade. Estes e outros casos põem a nu a formação, ministrada no Centro de Estudos Judiciários (CEJ), onde se devia incutir, logo no início da carreira, o sentido da independência, da imparcialidade e da isenção. O CEJ não se deve limitar a dar uma indispensável competência técnica e um imprescindível apetrechamento funcional aos jovens magistrados, mas também abrir perspetivas formativas que lhes propiciem a criação de um estado de espírito verdadeiramente judiciário, onde o sentido de responsabilidade intelectual se veja indissoluvelmente associado à capacidadde de isenção e imparcialidade. Do mesmo modo, o processo formativo dos futuros magistrados não deve substimar ou ignorar os aspetos éticos muito importantes, ou seja, a coragem moral, a firmeza de ânimo, a retidão de caráter, a lucidez crítica e espírito de imparcialidade e isenção.
Que imagem de isenção dão os referidos magistrados aos portugueses quando proferem tais comentários? Esses comentários não serão suscetiveis de provocar nos portugueses um juizo de prévia condenação?
A praxis das magistraturas não pode ser instrumento de arremesso politico e muito menos de aproveitamento de um ato de soberania, que é uma sentança ou despacho jurisdicional, para fazer comentários despropositados ou de cariz politico, indo para além da aplicação do direito aos factos provados e da respetiva fundamentação juridica.
São este tipo de conduta que tem criado a má imagem das magistraturas em todas as sondagens de opinião, colocando-os no fim da tabela. Perante a imagem negativa junto da opinião pública, os magistrados competentes e briosos — que são a esmagadora maioria — não devem conformar-se com este tipo de conduta, recusando-se a caucionar com o seu silêncio tais comportamentos.
Da dignidade dos magistrados depende a dignidade do direito e da justiça, de modo que o direito e a justiça valerão o que valerem os magistrados como homens e mulheres, já que são eles e elas o rosto, o perfil, o contorno significante, a imagem humana que a justiça deve apresentar aos portugueses, incutindo nos cidadãos o respeito que a classe já teve no passado. Respeita para seres respeitado.
Juiz desembargador jubilado