A jurisprudência pudenda
O Supremo Tribunal Administrativo de Portugal está consagrado na Wikipédia e, por arrastamento, na Constituição da República Portuguesa, como “órgão de cúpula” (não confundir com órgão de cópula) “da hierarquia dos tribunais administrativos e fiscais, aos quais compete o julgamento de litígios emergentes das relações administrativas e fiscais”. Nesse sentido, coube-lhe recentemente esclarecer as portuguesas e os portugueses, em acórdão oficial, de que aos 50 anos a vida sexual “já não tem a mesma importância que assume em idades mais novas”.
O tribunal foi fundado em Junho de 1870 e não se conforma com o que desde então se anda a passar por aí, velhos e velhas de sorriso na cara e outras anormalidades do Direito. Estamos no século XXI? Tirem-lhe um desses “X” — signo universal do porno — e ficamos em século mais apresentável: no século XI, a temática do sexo das mulheres discutia-se à beira da fogueira, para ver se elas ainda queriam aquecer.
Ao longo dos anos — ou melhor, na última semana —, o Supremo Tribunal Administrativo foi alvo de ferozes ataques, comentários descontextualizados sobre a idade dos seus membros (maioria de homens com mais de 55 anos) e indecentes trocadalhos sexuais. Por sinal, até ao fim desta página vão aparecer ainda mais, é aflitivo. Por exemplo, se tínhamos o Supremo Tribunal de Justiça, teremos agora o Supremo Tribunal do Júbilo? E porque não submetermos a execução fiscal das contas do agregado familiar ao escrutínio do Tribunal do Clítoris? Coisas deste tipo, inventadas à pressa, e que não levam Portugal a nada de bom. Qual é o prazer, isso dará algum gozo (salvo seja) a alguém?
Porque o que aconteceu é normal, é muito normal.
Como diz o catedrático português prof. dr. Alexandre Melo, em acórdão sem apelo exarado algures na Terra:
— Todas as coisas têm uma explicação. E é quase sempre a mesma.
O que esperava uma empregada doméstica que está há duas décadas, desde os 50 anos, e com dois filhos criados? Ser ressarcida pela destruição da sua vida sexual, urinária e intestinal? Ser indemnizada por sofrer dores permanentes por culpa de uma operação mal realizada — corte do nervo pudendo — na Maternidade Alfredo da Costa? Sim, o Tribunal Administrativo Fiscal do Círculo de Lisboa decidiu que a doente queixosa merecia 172 mil euros, mas o Tribunal Superior achou melhor dar-lhe uma talhada de menos 60 mil euros porque, em resumo, a senhora já estava arrumada para essa coisa humana que é explicação para quase tudo. A senhora não, a empregada doméstica.
Que segredos se encontram debaixo das togas dos juízes supremativistas administrativos? E quantas das mulheres desses especialistas em código processual sexual se lamentarão em casa, agora:
— Pronto, as minhas amigas já sabem do teu problema. Saiu tudo no teu acórdão.
Jurisprudência lançada, no Orçamento Rectificativo de 2015 (não falta assim tanto), o Governo terá uma nova linha de receitas para salvar as contas de Portugal:
Mulher contribuinte com mais de 50 anos não pode ter mais filhos, em princípio. Assim, se perder tempo com inutilidades na cama, já não se lhe aplica o quociente de menos 0,3 % no IRS por cada membro do agregado dependente (filhos menores e idosos a cargo). Aliás, estava a pensar fazer isso com crianças e idosos em casa?
Além do mais, investir na prática de sexo (apesar de importância residual entre os cinquentões, às vezes acontece), custa ao país muita energia. Energia calórica, gastos de oxigénio e, nalguns casos dignos da atenção do legislador, com o uso de látex e plásticos (preservativos e objectos marotos), que terão de ficar sujeitos à taxa máxima da Fiscalidade Verde.
Também se pondera, agora que se restringiram os cortes às pensões mais altas, equilibrar o orçamento com um imposto provisório aos pensionistas beneficiários das tesões mais altas, herdeiros de quando isto era uma rebaldaria.
A propósito, o Tribunal Constitucional deverá apreciar a legalidade de um corte definitivo do 13.º orgasmo, porque há mulheres que abusam do Tesouro, apesar da idade. E pronto, não há maneira de falar de sexo sem falar de sexo, é um aborrecimento e uma porcaria.
Felizmente, temos o Supremo Tribunal Administrativo para nos chamar à razão. Que os seus últimos e doutos acórdãos não caiam em sacos rotos.