2013
Vamos deixar que ganhem a batalha?
Cento e vinte mil portugueses emigraram. Tanto quanto nos piores anos da vaga migratória dos anos 60 e 70, quando se fugia à guerra em África e à pobreza em Portugal. Os nossos natais voltaram a parecer-se com o que sempre foram até há 30 anos: emigrantes que voltam por uns dias, lágrimas e dor, a sensação de que este país não chega para todos... Qualquer retórica sobre a recuperação económica ressoa cinicamente aos ouvidos de quem continua desempregado, de quem viu subsídio cortado, de quem vê os filhos partirem. Mas é verdade que:
1. O Governo não caiu, mas sabe bem que não tem sustentação social mínima. Em julho, Vítor Gaspar, o mago das Finanças, disse-o quando abandonou o barco: “Há uma erosão significativa no apoio da opinião pública às políticas necessárias ao ajustamento orçamental e financeiro.” A mesma direita que pede a reforma da Constituição – pior: que pede a suspensão de todo o Estado constitucional, o qual deveria, em sua opinião, ser sujeito a esse insustentável princípio da “sustentabilidade”– agarra-se como uma lapa à única regra que nela lhe interessa: os quatro anos de mandato do Parlamento, durante os quais Passos e Portas julgam poder fazer o que lhes apetecer, mesmo que incumprindo uma a uma, todas, as promessas eleitorais, violando deliberadamente a Constituição, em nome de uma receita ideológica ultraliberal que substitui toda e qualquer análise minimamente científica da realidade pelo princípio da maldade do subsídio e do contrato efetivo. A direita dos nossos dias comporta-se exatamente como ela própria se habituou a dizer que o estalinismo se comportava: impõe a mudança da realidade sem sequer a ver. Nela, uma ideologia paupérrima substitui qualquer nível mínimo de formação.
2. Perante a evidência da ausência de apoio social, a direita tanto rejeita a legitimidade das ruas, dos milhões de portugueses que se têm vindo a manifestar e a lutar nos seus postos de trabalho, como foge de qualquer eleição que implique a queda do Governo. Exatamente como em qualquer processo de mudança de regime que se impõe pela força, não se deixa ratificar antes de ser irreversível.
3. O Governo não caiu – mas vai caindo. Relvas, o inaguentável fazedor de reis, caiu ainda antes de o Governo, de facto, chegar a cair, em julho: demitiu-se o mago das Finanças versão 2011, que Passos dizia ser a garantia da credibilidade internacional, o autor da versão original de todas esta políticas, e Portas, o pobre mago da política, de quem, manipulando e desiludindo ex-combatentes, pensionistas e mundo rural, entre submarinos e financiamentos do BES, dependem os números para fazer maiorias parlamentares de direita. Sem estes dois, qualquer solução seria sempre um simulacro. Mas foi o que tivemos: pela primeira vez na nossa história, um primeiro-ministro e um Presidente não aceitaram a demissão “irrevogável” do líder do partido sem o qual não há maioria. Gaspar, o original, foi substituído por Maria Luís dos Swaps, a sucedânea. Caem poucos ministros, mas a catrefada de secretários de Estado a rolarem escada abaixo não é pequena.
4. Não foi interrompido – pelo contrário – o projeto de desmantelamento do Estado de bem-estar social e de mudança de regime político-social no conjunto da Europa. O capital, o mundo dos patrões, os seus partidos (liberais, democratas-cristãos, populistas e ultradireita, mas também os que se dizem sociais-democratas/socialistas) e os seus porta-vozes intelectuais continuam todos empenhados em não relaxar a pressão numa ofensiva à escala global contra os direitos do trabalho que não tem paralelo na história política desde que as direitas (quase) todas se fascizaram nos anos 30 e avançaram com um projeto de mudança de regime que conduziria em muito pouco tempo à maior mortandade da história: a II Guerra Mundial. Toda esta gente clama pelo fim de 70 anos de políticas sociais, como os fascistas clamavam pelo fim de 150 anos de regime liberal, então cada vez mais pressionado para se democratizar pelas esquerdas operárias.
Vamos deixar que ganhem a batalha?