"O Estado é um Rolls-Royce, o país um Mini"

Rogério Gomes, membro da comissão política do PSD, defende como urgente a reforma do Estado, que só deve ser levada a cabo com a participação dos socialistas

O presidente do Instituto do Território e dirigente do PSD diz que o tema da dimensão e das funções do Estado é permanente nas reuniões da direcção "laranja". Considera chegado o momento de os partidos se entenderem para um acordo de regime e mudanças para uma geração.

É membro da comissão política nacional do PSD. A refundação do memorando já tinha sido abordada nessas reuniões?

Sou membro, mas não a represento. Se a refundação já fora abordada, nesses termos creio que não, mas a reforma do Estado é abordada quase em todas as reuniões da comissão política desde que faço parte, há dois anos e meio. A dimensão das funções do Estado é um tema permanente na CPN/PSD.

Foi surpreendido pelo timing?

Nada surpreendido, acho que vem a bom tempo.

Porquê agora? Por pressão da redução da despesa ou porque o primeiro-ministro ainda não tinha tido oportunidade para estas reformas?

(silêncio)

Ou ambos?

Percebi a pergunta. É um pouco de ambos. Tem que ver com outra coisa: finalmente toda a gente começa a perceber a dimensão do desastre. É como termos na família um jogador inveterado, o Estado, que depois de jogar o que tinha, começou a jogar o que não tinha, perdeu o que não tinha e deixou-nos na pobreza.

Teve de ir aos agiotas...

Foi aos agiotas e depois, quando já nem estes lhe queriam emprestar, dizem-lhe: "Rapaz, és jogador, estamos dispostos a ajudar com condições, mas tens de mudar de vida." E nós insultamos quem nos fez esta proposta. É uma atitude de ligeireza perante coisas sérias. Mas o problema é o vício do jogo. O problema do país não é só a dívida, mas a estrutura do Estado. Temos quatro funções fundamentais: Defesa, Negócios Estrangeiros, Justiça e Administração Interna. A estas, juntamos três que queremos considerar na mesma dimensão: Educação, Saúde e Segurança Social . E o dinheiro para tudo tem de chegar. Não nos falem do que temos, mas das necessidades.

As necessidades são opções políticas, saber se é uma necessidade toda a gente ter acesso ao ensino superior ou não, ou a opção política de dizer que obrigatório é o secundário ou o básico.

Falou de educação. Para mim, mais importante é que qualquer pessoa que tenha de ser atendido por motivos de saúde o seja. É garantir que as crianças quando chegam à escola primária tenham um exame de saúde gratuito, para detectar abusos, má nutrição.

São opções políticas, não?

São opções políticas, são dogmas intocados e santificados, e depois quando começarem a faltar coisas necessárias são secundárias, porque mexem com corporativismos das administrações públicas.

Gostava que me falasse do ensino superior...

Porquê? Falemos simultaneamente do ensino superior e da saúde. Se tenho um seguro de saúde e vou ao hospital público, tendo possibilidade de usar o seguro, acha que o hospital deve estar aberto nas mesmas circunstâncias para mim ou para quem não tem qualquer sistema de saúde? Eu penso que não.

Defende o mesmo para o ensino superior?

O professor Jorge Miranda dizia, e penso que com razão, que os filhos dos trabalhadores que têm maiores dificuldades de acesso à universidade devessem ser priorizados pela universidade. Sabemos que a possibilidade de sucesso das classes média e alta é sempre superior às das classes baixas. O sistema tem obrigação de dar essa possibilidade e a quem quer trabalhar, a quem tem capacidade de tirar um curso. Mas não sei se temos dinheiro para assegurar tudo gratuito para todos. O objectivo acaba na fome.

Mesmo nas quatro áreas de soberania que enunciou, há opções políticas. Há quem defenda que na Justiça há serviços a entregar a privados...

Como também nos Negócios Estrangeiros, nos vistos, como nos Estados Unidos. O primeiro-ministro não delimitou nenhuma área. Pôs na mesa todas. Há tudo a reflectir em todas as áreas. O regime está a funcionar bem? Não! Já é a segunda vez que este regime faz isto às pessoas.

Não funciona bem porque é público?

Não, de todo. A história da Europa demonstra que é possível serviços públicos funcionarem bem, por vezes melhor do que os privados. Portugal tem serviços de altíssima qualidade. Mas tal não permite serviços públicos a funcionarem sistematicamente bem sem serem questionados sobre a sua existência e qualidade.

Qual a metodologia para a reforma do Estado de modo a cortar 830 milhões de euros no próximo ano?

O princípio fundamental foi estabelecido no dia em que a maioria e o PS se entenderam sobre a estrutura que avalia as nomeações para a administração pública e o sector empresarial do Estado. O princípio fundamental é avaliar e ninguém pode eximir-se dessa avaliação honesta e pública que é devida a tudo o que vive de dinheiros públicos.

E depois privatizam-se algumas valências?

Há muitas áreas do Estado que não podem deixar de ser postas em concorrência, com a capacidade do movimento social em assumir responsabilidades públicas.

Quais?

Dentro do sector social, muitas. Sobretudo na Segurança Social. Temos serviços de Justiça, de Segurança Social, de Educação e Saúde, a tratar dos assuntos separadamente. Podemos agarrar no apoio aos idosos e entregar às Misericórdias e IPSS a responsabilidade da coordenação.

Serem os privados a fazer sai mais barato do que ser o sector público?

Tem de se estudar, mas acredito que é possível que seja. O princípio deve ser o da concorrência, para verificar se é mais barato.

E quem deve fazer essa avaliação: a administração ou entidades independentes?

É um dos aspectos sobre os quais os partidos têm de se entender. Há muitos modelos e Portugal tem entidades idóneas para o fazer. O problema é o entendimento político para o fazer.

Porque é que o faz agora, quando começa a perder legitimidade?

Perder legitimidade? Este Governo não perdeu um grama de legitimidade! E pode esperar sentado quem tem a ilusão de que o Governo vai abdicar da legitimidade que tem e não governar pelas pressões. Esta pode não ser a fórmula ideal para se fazer isto, mas se calhar é a única. Até agora, nenhum Governo teve a coragem de pegar nisto. E é minha convicção que o PS, sozinho, nunca fará a reforma do Estado.

Mas este Governo pode fazê-la sozinho, desde que não implique uma revisão constitucional...

Na minha opinião não tem votos nem legitimidade para o fazer sozinho. Não só por causa da Constituição. Há coisas que a Constituição não inibe. O problema tem que ver com o excessivo corporativismo ideológico do PS. Mas creio que no PS há consciência da necessidade de fazer isto.

Porque não faz com o CDS?

Acho correcto primeiro estender a mão ao PS e tentar um acordo com toda a humildade. Seria errado fazê-lo sem o PS. Os dois partidos sabem que têm responsabilidade no Estado. Se for apenas o Governo a alterar as funções do Estado, assim que o PS chegar ao poder, começa imediatamente a tentar desmontar o que estiver feito. Se os três partidos se entenderem num acordo de regime, teremos mudanças para uma geração.

O que é que poderia sair de um acordo de regime deste tipo entre os dois maiores partidos?

É-me completamente indiferente a forma, o que interessa é o conteúdo. Vamos reflectir sobre as funções do Estado, o que é que compete ao Estado fazer e o que é que não lhe compete fazer sozinho. Em segundo lugar, gostaria de ver um reforço do movimento social em Portugal. E, finalmente, um reconhecimento do movimento associativo como parceiro para poupar dinheiro ao Estado.

Mas não será poupar à custa do movimento social, não sendo justa e proporcionadamente compensado do ponto de vista financeiro e de novas competências?

Trabalhei toda a minha vida no movimento social. Justo e proporcionado é uma palavra que nunca ouvi usar relativamente ao movimento social. Seria uma novidade. Temos uma capacidade de voluntariado que muitas vezes não é usada porque o Estado e as autarquias querem só para si áreas em que podíamos perfeitamente substituí-los.

Está a pensar em recorrer ao voluntariado para a reforma do Estado?

Tem ideia de que o movimento social emprega uma em cada nove pessoas no Reino Unido? Há um conjunto de funções na área do apoio social.

São realidades diferentes, não são?

Em certas áreas do Reino Unido, as necessidades sociais não são tão curtas como isso. O que há é um aproveitamento das boas vontades que substitui um profissionalismo muito caro e depois há uma estrutura profissional que enquadra essas boas vontades. Isto é a base do movimento social. Um movimento social capaz é uma estrutura profissional muito competente, cientificamente avalizada como em Portugal tende a ser já em muitas instituições, que depois agrega as boas vontades para servir interesses públicos.

Hoje há imenso desperdício?

Meu Deus! O Estado português é um Rolls-Royce e o país é um Mini. Porque não é possível um país aguentar cargas fiscais como a deste ano, isto tem de ser atalhado.

Ao fim de meio ano de trabalho do Instituto do Território, que marca real há da sua acção?

Os dois projectos mais importantes a andar são o conceito de baixa densidade demográfica, fundamental, e que já está entregue a quem de direito. A definição do conceito foi feito com base numa equipa de excelência da UTAD e que utilizou 11 critérios de base científica. A nossa proposta foi entregue para análise a quem de direito.

Quem de direito?

O primeiro-ministro. Não quero avançar mais. É um dos pontos que eu espero que venham a contribuir para um acordo de regime, porque uma das coisas que fazemos mal é querer impor a mesma cartografia para o PDM de Lisboa e de Aljustrel [por exemplo]. Como é que Aljustrel paga todos os estudos e quando é que algum dia vai precisar deles?

E o segundo?

Está a desenvolver-se. Chama-se áreas urbanas 14/20, é a concepção de uma doutrina para o investimento nas áreas urbanas para o quadro comunitário de apoio 2014-2020. Esta instituição vai fazer 28 conferências entre este mês e Fevereiro. A primeira será no LNEC a 23 de Novembro sobre reabilitação urbana.

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