"O CDS-PP está hoje no Governo de coligação com alguma reserva"

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Daniel Rocha

Filipe Anacoreta Correia É o democrata-cristão mais desalinhado com as posições da direcção de Paulo Portas. É crítico do distanciamento público que o CDS mantém em relação a medidas do Governo

No dia seguinte à afirmação de Passos Coelho de que gasta mais tempo com o CDS do que com o seu próprio partido, o democrata-cristão Filipe Anacoreta Correia diz ser normal alguma tensão na coligação, mas sublinha que as divergências do seu partido deveriam incidir em medidas concretas e não em fait-divers. Fundador do movimento Alternativa e Responsabilidade, corrente interna do CDS de oposição à direcção de Portas, Filipe Anacoreta Correia defende que um partido que tenha aspirações a ser maior "não pode estar tão dependente do seu líder".

Obteve os esclarecimentos que pretendia no último Conselho Nacional?

Houve alguns aspectos que foram clarificados e isso foi positivo. Outros, no nosso entender, ainda não foram suficientemente aprofundados e fica uma grande expectativa em relação ao futuro.

Como por exemplo?

Em relação aos aspectos que foram clarificados, entre a posição do CDS no Governo e, por outro lado, a afirmação de alguns porta-vozes que tiveram posições de distanciamento sem serem assumidas como posições do partido. Creio que nesse aspecto o Conselho Nacional foi bastante clarificador, porque essas vozes afinal não são pressões sobre Paulo Portas, mas são mesmo as posições de Paulo Portas e do partido. Verifica-se que o partido está hoje no Governo com alguma reserva.

Está a falar do porta-voz João Almeida?

Quando falo dos porta-vozes, falo de algumas pessoas que foram protagonistas de afirmações polémicas neste processo. Essa leitura de que as vozes constituiriam uma pressão sobre o partido não foi feita por mim, mas por vários analistas. Sempre me pareceu que eram vozes articuladas no seio do partido. Este Conselho Nacional confirmou este meu entendimento e tornou-se evidente para todos que no fundo há uma grande sintonia entre essas vozes e o presidente do partido.

A moção que subscreveu foi considerada uma subjugação total ao PSD. Como reage?

Não vejo assim, de maneira nenhuma. O CDS tem de resolver um problema de coerência grande. Não pode dizer que serve o país num caminho, que é estar no Governo, e ao mesmo tempo dizer que esse caminho é odioso e faz mal ao país. É desejável e compreensível que o CDS mantenha divergências no seio da coligação, mas a sensação que temos é que o CDS não tem apenas divergências pontuais que aliás poucas vezes concretiza, poucas vezes quantifica e poucas vezes especifica. O CDS parece que não sabe o que quer e isso é dramático para o país.

Mas se a moção fosse aprovada, isso não comprometia o CDS a nunca romper a coligação?

A nossa proposta de moção, que mostrámos abertura para alterar, era que o CDS renovasse o seu empenho no seio do Governo. Isso não quer dizer que o CDS perdesse qualquer liberdade, significa que reforçava o seu voto.

Se os dados da execução orçamental revelarem que há derrapagens, o CDS tem condições para romper?

Ficaria muito mal ao CDS não ser totalmente solidário com o Governo, que pressupõe estar nos bons momentos, mas também no que não correu bem. Seria ilusório pensar que o CDS sairia bem de um projecto que abraçou e que correu mal.

Portas diz que o partido não foi ouvido, o primeiro-ministro responde que gasta mais tempo a tratar da coligação do que com o PSD. O que lhe parece?

Há um ponto de divergência na coligação que é salutar e que é normal. Se o CDS aparecesse nesse diálogo a bater-se por medidas concretas, estava a fazer o seu papel. Não me parece mal alguma tensão no seio da coligação. O que me parece mal é que normalmente em Portugal esta tensão se dê em torno de fait-divers.

Por exemplo?

Se falou, se não falou, se gasta muito tempo, se não gasta. Não estamos a falar em nenhuma medida concreta em que o CDS poderia invocar a pretensão de a fazer vingar. Sabemos muito pouco sobre quais as medidas que o CDS quis fazer vingar na coligação.

O deputado João Almeida declarou não ver justificação para este aumento de impostos. Revê-se nestas críticas?

Tenho bastante estima pelo deputado João Almeida, e confesso que a minha sensação depois de ler a declaração de voto é de grande estupefacção. Um porta-voz do CDS, que afinal era efectivamente o porta-voz do CDS, não pode estar tão descomprometido com a realidade. Diz que o cenário macroeconómico em que se baseia tem riscos. Mas qual é o do CDS? O CDS não se pode limitar a apontar os riscos. É isso que separa os comentadores dos responsáveis políticos. O CDS não pode ser porta-voz dos comentadores.

Acha que o CDS devia ter feito uma coligação de Governo ou um acordo parlamentar?

No congresso de Viseu [Março de 2011], sustentámos que o CDS deveria ter um caderno de encargos para estar no Governo, com medidas concretas. Não foi assim. A avaliação depende muito do ministério. Temos alguns casos em que o contributo do CDS foi positivo e outros em que não.

Por exemplo?

Na Secretaria de Estado do Turismo, não vemos uma presença diferenciadora, mas até pode ser por falta de comunicação.

Há pensamento único no CDS?

Hoje há menos e nós contribuímos para que haja menos. Um partido que queira aspirar a ser maior não pode estar tão dependente como está do seu líder.

É um partido de um homem só?

Continua a ser determinado de mais por uma voz que depois suscita outros porta-vozes. Por um lado é compreensível do ponto de vista da comunicação da mensagem, mas por outro lado revela uma lógica bastante pobre, pouco plural e muito direccionada.

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