Na última fábrica de cassetes só aparecem "rockeiros"Activismo contra o mp3?

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Paulo Pimenta

É a última fábrica de cassetes da Península Ibérica e se nos tempos áureos vendia sucessos como Azar na Praia, de Nel Monteiro, hoje depende de uma pequena grande minoria

Chamam-lhe "tolinho" quando diz que tem uma pequena editora de cassetes, a Degradagem. "Mas quem é que ainda ouve isso?" Ele, muitos mais iguais a ele, e não só. A dedicação é tanta que tatuou este "modo de vida" no braço e hoje entra na Edisco, na Maia, como se fosse a sua casa. Com 26 anos, Vítor Silva, ou antes Kikas, como prefere ser tratado, é um dos poucos que ainda "aparecem" para pôr as Tapematic a funcionar na única fábrica da Península Ibérica que ainda faz cassetes. Daqui, nos anos 1980 e 90, saíam 15 mil por dia; hoje serão, no máximo, 200 a 300 por mês, em geral feitas por estes "rockeiros" que Armando Cerqueira, proprietário da editora e distribuidora fundada em 1979, já conhece há anos.

Para o lucro da empresa "não tem qualquer significado". É "um acto de resistência", um hobby, mesmo que para isso tenham de ouvir, para fazer a master tape (gravação original a partir da qual se faz a duplicação), álbuns inteiros de black metal, noise, fastcore. Três máquinas já estão à porta, embaladas, prontas para partir, mas as restantes não arredam pé. Por eles, pelos "rockeiros", que também tentam "ganhar o seu". Há que respeitar o legado.

"No fundo, foi com as cassetes que a Edisco apareceu no mercado, por isso vou manter as máquinas sempre." A editora dá resposta a clientes de Lisboa, Algarve e Espanha. Às vezes, quase parece que tudo pode voltar a ser como era - o ano passado apareceu uma encomenda de cerca de três mil cassetes para a edição especial da Caderneta de Cromos da Rádio Comercial. O problema actual é arranjar a matéria-prima. Têm fita suficiente em stock, mas a cassete propriamente dita, a caixa de plástico, começa a ser difícil de arranjar. Provavelmente, só mandando vir da China, mas o lote teria de ser de cem mil. "Como é que vou conseguir vender cem mil cassetes?! Nem daqui a 50 anos!"

É com alguma pena que Armando, 74 anos, 60 ligados à música, vê este mercado desaparecer. Quando entrou na Edisco, a herdeira da Discos Rapsódia e da Casa Figueiredo, lutou para que os sócios percebessem que a cassete "era o futuro". Convenceu-os e, assim, montaram a fábrica para produzir a música que editava ("Não podíamos perder o comboio"). As primeiras máquinas faziam nove cassetes de cada vez, um processo que foi evoluindo com o tempo. A década de 1980 avançava quando o sucesso bateu, literalmente, à porta. Um jovem chamado Manuel Monteiro queria editar umas canções. Mal sabia Armando que ele seria o "maior sucesso da Edisco", com discos de ouro, hoje espalhados pelas paredes, por Azar na Praia e Retrato Sagrado. Era Nel Monteiro. "Foi uma explosão de vendas. 60, 70, 80 mil cassetes, o que hoje é totalmente impossível com um CD."

Do pimba ao Zeca

Dois estilos, a música popular e a música pimba fizeram a glória desta indústria. Ainda hoje se fazem algumas. Nos tempos áureos, o estúdio da Edisco estava ocupado de Março a Julho com tunas e ranchos folclóricos de todo o lado.

Do espólio da Edisco - cuidadosamente exposto numa vitrine - faz também parte a Telefunken, que fez as primeiras gravações de Zeca Afonso. Deslocaram o "estúdio" para Coimbra e captaram Menino de Oiro, Os Vampiros e Balada de Outono.

Bem guardados estão também os microfones que Armando diz serem os "melhores do mundo", os Neumann U67. Em tempos, um estúdio americano ofereceu seis mil euros por cada um deles, mas Armando recusa-se a vender o que quer que seja. "Este foi o início da minha vida no mundo musical. Um dia faço um museu, quem sabe."

Só em 2005 é que, na Edisco, as cassetes se começaram a vender menos. Os últimos grandes êxitos foram as edições das anedotas do humorista Fernando Rocha. É um mito que o CD tenha vindo tomar o lugar da cassete, diz Armando, até porque os consumidores são diferentes - "nas aldeias ninguém ouvia CD". Foi em Berlim que Armando viu, pela primeira vez, a rodela reflectora, ainda "o muro existia". Trouxe para Portugal alguns e, assim que pôde, foi à Tubitek, histórica loja de discos da Baixa do Porto. Vinha apresentar o "futuro", mais uma vez.

Hoje, o CD é o centro do negócio. Entre os álbuns e os DVD, encontraram outro "nicho de negócio" ao fornecê-los para exames de imagiologia dos hospitais.

A Edisco é também a editora mais antiga do país, a que tem o contrato há mais tempo com a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), mas hoje "não há dinheiro" para esse mercado. A empresa não está "em risco", assegura Armando, mas, um dia que esteja, há a segurança do "fundo de maneio", que criou quando, no final da década de 1980, os seus sócios abandonaram o barco. Tempos conturbados em que toda a família passava os sábados e os domingos a terminar as entregas. Dois dos filhos ficaram por lá, a modernizar o negócio. Ainda assim, Armando não arrisca previsões positivas. É da velha guarda. Vê o "futuro negro, muito negro". O sistema digital "não resulta", por isso nem pensa em seguir o exemplo "desastroso" das "multinacionais que entraram no campo do mp3". E as cassetes? Será que vão voltar em força? "Não. Vão durar uns tempos e depois devem desaparecer." Tudo depende dos "rockeiros": "Não sei quanto mais tempo é que eles vão conseguir movimentar o negócio."

Kikas, um dos últimos "rockeiros", não é o único a insistir num suporte que muitos pensavam já estar esquecido. O mercado indie e experimental tem apostado na cassete - Deerhunter, Dirty Projectors, Animal Collective, Of Montreal, The Mountain Goats já as lançaram - e o chillwave, que recupera os sintetizadores dos anos 1980, abraçou-a como perfeito condutor lo-fi - basta olhar para o percurso de Washed Out, Toro Y Moi, Julian Lynch, Real Estate e Ducktails, o projecto de Mondanile a solo.

Também em Portugal, a cassete nunca parou de rodar, particularmente dentro da música experimental e do metal. É uma questão de "activismo", diz Kikas, e também de algum "saudosismo" dos tempos do tape trading, quando as trocava por correio, às vezes com esperas de três meses. Prefere-a ao CD-R, formato que na entrada do novo milénio ajudou muitas bandas a começar. "A cassete é para quem tem um compromisso com a música. É mais para quem sente", até porque obriga a alguma dedicação, seja pelas limitadíssimas cópias que hoje são feitas seja pelos cada vez mais raros leitores de cassetes. "O que ainda vai safando é o pessoal que ainda os tem no carro."

Este mercado "está a crescer, mas não vai voltar como o vinil", diz Pedro Blaspher, um dos fundadores da Helldprod, editora de metal criada em 1993, que já editou 34 edições cassetes. Quando um grupo quer editar o primeiro trabalho, Pedro aconselha o formato antigo da demo tape. O CD-R "ficaria mais barato", mas "não tem significado". E o som "cru" da cassete adequa-se ao metal. Daí ser tão popular no meio.

Um ruído "sedutor" que agrada particularmente a Tiago Jerónimo, que está por trás da editora Cérebro Morto. Cada lançamento inclui uma edição em CD-R e uma especial em cassete, com uma tiragem muito limitada e uma embalagem feita à mão. O lado DIY (do it yourself) é essencial. Sente-se uma "vontade de continuar um caminho (começado nos ano 60), de complementar a música com uma embalagem de forte vertente artística e personalizada", dando "identidade e personalidade" às editoras, em resposta à "volatilidade do mp3" e "à saturação na utilização do CD-R", diz Tiago.

Mas não foi a cassete o mp3 dos anos 80 e 90, inspirando slogans como o mítico "home taping is killing music"? "Eram a nossa Internet", responde Rui Pedro Dâmaso, membro dos Frango, que editaram a cassete Pego de Lobo Luz pela Cérebro. "Fazíamos o que se faz agora com o mp3. Era uma forma de partilha."

A popularidade actual da cassete tem que ver sobretudo com a "relação emocional ao objecto" e com a forma como hoje se consome música. "Quando tens tudo gratuito, a cassete pode ser a única ligação que se tem às características fetichistas da música... de ter um objecto", afirma Branches, músico do Porto, que, em Janeiro, lançou, por opção, duas cassetes. Precisamente porque o som lo-fi e a "deterioração da fita" têm que ver com o seu trabalho.

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