Mórmones Eles votam em Cristo, não em Mitt Romney
O republicano que hoje pode tornar-se, oficialmente, o adversário de Barack Obama nas eleições presidenciais americanas é membro e financiador da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Em Lisboa, os elders Perkins, Phillips, Rodrigues e Wilder garantem desconhecer o programa do ex-missionário que se tornou milionário. Por Margarida Santos Lopes (texto) e Nuno Ferreira Santos (fotografia)
Com uma chapa preta ao peito que o identifica como Elder Wilder, o rapaz de 20 anos, natural do Utah, contrai o sorriso até então reluzente, compõe a gravata e hesita quando inquirido sobre se votaria no republicano Mitt Romney para Presidente da América. De súbito, ganha coragem e clarifica: "Não o escolheria só por ser mórmon, porque o mais importante são os valores - além disso, não tenho seguido a campanha eleitoral, porque não vemos tv."
Não ver televisão é um dos requisitos para a missão de 24 meses dos rapazes missionários (as raparigas cumprem 18) da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (SUD). Também só podem enviar um email por semana à família, e apenas têm direito a fazer dois telefonemas por ano. Com fácil acesso à Internet pelas ruas que calcorreiam diariamente, eles até podem ser tentados a quebrar as regras, mas Wilder e os três companheiros da "área geográfica de Sacavém" garantem que "evitam o pecado". É por isso que os elders - termo que significa "ancião" ou "sábio e não é traduzido para manter o sentido bíblico - andam sempre aos pares. Outra razão é a "necessidade de ter uma testemunha" na difusão das principais Escrituras, Bíblia e Livro de Mórmon (que contém registos de profetas antigos).
Os elders também se concentram em cativar apenas adultos, encaminhando "as mulheres sem chefe de família" para as "irmãs" - que, tal como os rapazes, devem manter-se castas até ao matrimónio. Só podem namorar após a missão, e enquanto esta durar vigora o conselho: "Mantém os olhos abertos mas o coração fechado." Os elders são, no entanto, encorajados a desposarem as "irmãs", porque "estatísticas mostram que serão mais felizes". O casamento, "para a eternidade, não apenas até que a morte os separe", e famílias numerosas, com muitos filhos e não com muitas mulheres (a poligamia foi abolida em 1890), são pilares deste movimento religioso fundado nos EUA, em 1830, por Joseph Smith, que diz ter visto Deus e Jesus. Esta denominação religiosa conta, actualmente, com 14 milhões de membros em todos os continentes.
Num sábado à tarde, quando se encontraram com o PÚBLICO numa moradia alugada que serve de capela (o templo há-de ser construído) entre a Rotunda do Relógio e o Areeiro, em Lisboa, não foi apenas Wilder, olhos de um azul intenso, quem aparentou desagrado com a pergunta sobre Romney. Os elders Rodrigues, brasileiro-americano de 20 anos, Perkins, dinamarquês de 22, e Phillips, inglês de 20, todos impecáveis nos seus fatos, tentaram também desfazer a percepção de que o ex-governador do Massachusetts possa ser um porta-voz da Igreja - um ónus e não mais-valia.
Mitt em Paris
Tal como Wilder, Rodrigues, Perkins e Phillips, também Romney foi missionário. Tinha 21 anos quando o enviaram para França. Chegou a Paris, na Primavera de 1968, semanas antes da revolta de Maio. Vivia numa mansão de luxo e não terá sido fácil pregar uma doutrina num período revolucionário em que "era proibido proibir". Registou só duas conversões. Isso é irrelevante, diz Philips: "Não importa quantos trazemos, só queremos ajudar os que aceitam seguir o exemplo de Cristo. Não procuramos convencer ninguém a mudar de religião; fazemos um convite a que mudem de hábitos. Interessa-nos mostrar as bênçãos que recebemos."Phillips não se alonga sobre que bênçãos colheu. "É o meu relacionamento pessoal com Deus, mas noto diferença na minha vida." Wilder limita-se a dizer que deixou de ser "orgulhoso". Rodrigues exalta "a união e felicidade" da sua família.
Nos esforços para atraírem novos membros para a Igreja SUD, os quatro elders têm histórias de rejeição, mas não muitas, asseguram. "O pior que nos aconteceu foi levar com a porta na cara", ironiza Wilder. E o melhor? "Foi entrar na Quinta do Mocho, onde temos muitos amigos, e conseguir que um traficante deixasse de vender e consumir drogas."
Elvis, mórmon póstumo
"Se eu estivesse agora nos EUA, não saberia em quem votar", confessa o extrovertido Rodrigues. "Cristo seria o nosso candidato", sublinha Wilder, o altivo rapaz do Utah, onde os "santos" têm a sua sede, em Salt Lake City. Os restantes acenam com a cabeça.Mesmo que Romney fosse eleito para a Casa Branca e seguisse políticas contrárias à sua crença, em nada prejudicaria os "santos", vinca o antigo missionário Dinis Adriano, responsável pelas relações públicas em Portugal - que tem a quinta maior comunidade da Europa (de 30 a 39 mil), depois da Inglaterra, Alemanha e Espanha. "Ele não é representante da Igreja. Há mórmones entre republicanos e democratas."
Sobre a actual polémica envolvendo baptismos póstumos de vítimas do Holocausto - designadamente dos pais do célebre caçador de nazis Simon Wisenthal -, mas também da mãe de Obama ou de Elvis Presley, o antigo missionário Adriano é veloz no desagravo. "A Igreja já pediu desculpas publicamente. Todas as entradas na nossa base de dados foram anuladas, e quem voltar a incluir nomes que não sejam os da sua família arrisca-se a sanções. Se não se arrepender, pode ser excomungado." Adriano valida os baptismos "por procuração", em que, tal como os dos vivos, membros da Igreja são imersos em água em nome dos mortos, para "expiar os pecados e os aproximar do Pai Celestial". Ele acredita que "também numa outra vida há livre arbítrio - os defuntos podem recusar esta oferta da Igreja".
Na capela onde se juntaram, com vários aposentos decorados com quadros de cenas bíblicas mas sem qualquer imagem na Sala Sacramental ("porque acreditamos num Cristo vivo"), os elders de Sacavém preferem falar deles mais do que de Romney. Desde miúdo que Wilder quer ser nutricionista; Phillips está determinado a ser realizador de cinema; Rodrigues alimenta o sonho de seguir Neurociências na Brigham Young University (BYU), propriedade da Igreja, em Provo-Utah; Perkins pretende formar-se em Economia.
Estará Rodrigues preparado para que a ciência venha a pôr em causa a sua fé? "Acho que sim, mas não penso nisso", responde, evasivo. E Perkins, aspira a ser um CEO como Romney? "Talvez, porque os negócios sempre me interessaram", balbucia num português quase fluente. Para a SUD, não se aplica a sentença bíblica "é mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que um rico no reino dos céus". Perkins elucida: "O que nos impede de chegar ao céu é colocar o dinheiro à frente de Deus. Buscamos a prosperidade. Se vivemos agora uma vida confortável, também a teremos no céu." Phillips afiança: "Se você tem, você dá."
Não se estranhe, pois, quando Mitt Romney se mostra orgulhoso da sua fortuna calculada em 250 milhões de dólares - 2 milhões dos quais doados anualmente à SUD. O contributo financeiro, ou dízimo, é uma obrigação dos mórmones, chamados a oferecer a décima parte dos ganhos anuais, "para ajudar a edificar o reino de Deus na Terra".