Lisboa com ordens para fazer acordos sobre penas com arguidos
Procuradora-geral distrital quer que magistrados do Ministério Público vejam receptividade dos juízes a "apelo" de Figueiredo Dias
Já vimos qualquer coisa parecida nas séries americanas, mas não foi aí que a procuradora-geral distrital de Lisboa, Francisca van Dunem, se inspirou. A coordenadora do círculo judicial de Ponta Delgada perguntou-lhe se era válido entrar em acordo com um arguido: ele confessaria os factos em julgamento em troca de um limite de pena. E ela respondeu-lhe que sim, emitindo uma orientação para os outros magistrados do Ministério Público (MP).
A procuradora dos Açores inspirara-se numa monografia de Jorge Figueiredo Dias, Acordos sobre a Sentença em Processo Penal. Tinha um colectivo de juízes receptivo à ideia de aplicar as sugestões do penalista no caso de um arguido com "medo de confessar os factos perante a audiência".
Na orientação que emitiu na sexta-feira, Francisca van Dunem recupera a proposta de Figueiredo Dias: a confissão é "pressuposto essencial do acordo"; o tribunal conserva o poder de aferir a credibilidade dessa confissão; "do acordo não pode constar a pena em concreto", só os seus limites; caso não se chegue a um acordo, não pode qualquer elemento obtido na negociação ser usado no julgamento; e de modo algum pode acordar-se uma renúncia prévia ao direito de recurso.
"Como o próprio autor reconhece, trata-se de uma questão sensível, contrariando quadros culturais instalados, sobretudo quando defendida sem qualquer intervenção do legislador", escreve a procuradora distrital. "Tendo em conta que a lei portuguesa, embora não preveja estes acordos, não os proíbe, o autor "apela" a que se comece a sua aplicação na via judiciária nacional e só depois, com base nos ensinamentos dessa experiência, se equacione a sua regulamentação", como se fez na Alemanha. E Van Dunem julga que o MP "deve responder afirmativamente" a este "apelo".
A magistrada justifica esta posição: "A vantagem será visível nos casos em que o arguido não teria intenção de confessar os factos, mas decide fazê-lo perante a possibilidade de obter uma "atenuação negociada" da pena. Face à confissão do arguido, pode prescindir-se da restante prova, nos termos legais, acelerando claramente a obtenção de uma decisão final do processo."
"Inovação e audácia"
Claro que pessoas que tinham confessado na fase de inquérito podem pretender um acordo apenas para terem uma sanção menor. No entender de Van Dunem, isto deve ser assumido como próprio do sistema. "Não faria sentido e violaria o princípio da igualdade e da justiça "prejudicar" aqueles que confessaram em fases anteriores ao processo", argumenta.A procuradora distrital aponta ainda outra vantagem: havendo um consenso (que envolve o juiz, o MP, o arguido e até o assistente, se existir), não há risco de "aumento sistémico" de litígios.
Este mecanismo, lembra, encaixa na própria história do Distrito Judicial de Lisboa, onde têm sido incentivados os "institutos penais de consenso". A coerência, agora, "impõe o envolvimento activo na concretização desta proposta".
Van Dunem vê na sugestão de Figueiredo Dias "inovação e audácia". Admite que, "numa fase inicial, os efeitos não venham a ser muito abrangentes", até por antecipar "naturais resistências". A postura dos juízes de Ponta Delgada dá-lhe confiança. Pede então aos magistrados do MP que "afiram, a nível local, a receptividade" dos magistrados judiciais. E que mandem notícias para "facilitar a partilha de boas práticas".