João Semedo: “Com António Costa, a política do PS é um jogo de sombras”

Ex-líder do BE acredita que qualquer aproximação ao PS é um “erro crasso”. E não responde a uma hipotética mudança de bancada parlamentar porque “ninguém” o imagina deputado socialista.

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João Semedo Daniel Rocha

Como chegou à decisão de abandonar a coordenação do BE? Estava cansado da discussão interna?

Não estava nem estou cansado, estou cheio de energia. Aliás, nunca me poderia cansar da discussão. Essa é uma das características que mais aprecio no Bloco. Recusamos o pensamento único, a diversidade é o nosso oxigénio. O modelo de direcção mudou, deixou de haver coordenadores individuais, hoje há uma equipa que assegura a direcção diária da actividade política do Bloco. Essa equipa chama-se comissão permanente, como em tantos outros partidos. Não havendo uma coordenação individual não fazia qualquer sentido a minha continuação.

Porque é que lhe pareceu a melhor opção num momento de impasse do partido?

No final da convenção dirigi um apelo a todos para uma reflexão sobre os resultados, que permitisse uma direcção forte e apoiada por todos. O apelo foi ouvido, esta solução resulta do esforço para aproximar posições. Discutimos outras soluções, mas esta foi considerada a melhor.

Porquê?

Porque ela inclui elementos de todas moções apresentadas. É essa a sua riqueza e a sua força. Não houve um só voto contra na Mesa Nacional. Era difícil imaginar uma solução que recolhesse mais apoios.

Acredita mesmo que a sua saída reforça o Bloco?

Não se pode dizer que, continuando como deputado e como membro da Mesa Nacional, tenha saído. Mas julgo que esta solução, uma comissão permanente e uma porta-voz, portanto uma coordenação mais colegial, é a melhor solução que o Bloco podia ter encontrado para assegurar a unidade da sua direcção e do partido, condição indispensável para disputarmos com força as próximas eleições e batalhas políticas.

Não é um sinal de fraqueza o partido abandonar a liderança paritária quando fez disso a sua bandeira nos últimos dois anos?

Quem passou dois anos a zurzir a coordenação paritária não pode agora criticar-nos por a termos substituído por outro modelo, não é? Responder às críticas e estar aberto à evolução são virtudes e não defeitos. Quem acompanhou a nossa convenção percebeu certamente que a coordenação a dois tinha apoios, mas também muitas vozes contra. Ouvimos essas vozes, não ficámos indiferentes, mudámos, mas mantivemos a bandeira da paridade. Acho que fizemos bem. Se não tivesse havido liderança paritária, duvido que hoje tivéssemos capacidade para ter paridade total na Mesa Nacional e na comissão política, uma situação única em todos os partidos portugueses. 

É verdade que defendeu a sua saída e a da Catarina Martins da coordenação, assim como de Pedro Filipe Soares da liderança da bancada parlamentar?

Essa foi uma das várias propostas que discutimos, julgo mesmo ter sido a primeira que fizemos às outras moções. Mantinha a coordenação a dois, paritária, mas com outros nomes que não chegámos a discutir. Tinha uma particularidade: A Catarina Martins seria proposta para líder da bancada.

Quem é que não aceitou esse modelo?

Essa proposta não recolheu os apoios necessários, se bem me lembro só convenceu os seus proponentes, eu e os meus camaradas da moção U. E por isso foi rapidamente abandonada. Mas a recusa desta proposta foi muito importante. Ficámos a perceber que não era uma questão de nomes, mas sim de um modelo de coordenação a dois, que a maioria queria abandonar. Rompemos com esse modelo e procurámos outra solução.

 

Acredita mesmo no funcionamento de um modelo de seis coordenadores e uma porta-voz?

Sim, até porque não há seis coordenadores, nem seis líderes, nem seis porta-vozes. Existe o que há em todos partidos, independentemente do nome, uma equipa executiva que dirige o partido, uma comissão permanente, que inclui a Catarina Martins como sua porta-voz. Ele mereceu o apoio de todas as moções que, aliás, participam na comissão permanente e na comissão política. A sua aprovação traduz um compromisso firme de todos com a fórmula encontrada, o empenhamento de todos no reforço da unidade sem prejuízo da diversidade que caracteriza o Bloco.

Pedro Filipe Soares devia ter posto o lugar de líder parlamentar à disposição?

Esse problema nunca se colocou nesses termos. Mas seja como for, a situação está completamente ultrapassada. A Mesa Nacional eleita nesta convenção aprovou a continuação de Pedro Filipe Soares à frente da nossa bancada parlamentar. E, para fechar este tema, direi aquilo que sempre pensei sobre isto e que está muito para além da questão que colocou relativamente à liderança parlamentar. Na minha opinião, o Pedro Filipe Soares, mais do que saber se devia ou não ter-se demitido da liderança parlamentar. Repito, na minha opinião, o Pedro nunca devia era ter animado a apresentação de uma moção pelo seu grupo, pela divisão inútil que provocou na convenção, quando havia todas as condições para trabalharmos numa moção conjunta, como aliás foi proposto. Toda a energia gasta a pôr de pé a moção E teria sido bem melhor empregue a trabalhar pela clarificação política, pelo debate das ideias e pela unidade do Bloco. Mas isso são águas passadas, a disputa da convenção acabou e o que interessa agora é o compromisso assumido para o futuro.

Dá a sensação de que ficou tudo na mesma ou que só piorou.

Bom, na mesma é que não parece que tenha ficado, as mudanças são bem evidentes. Onde, ontem, havia dois coordenadores, há agora uma porta-voz e uma comissão permanente. É difícil sustentar que nada mudou. Não é o momento de precipitar avaliações e juízos de valor mas, sim, de andar para a frente e começar a trabalhar.

Catarina Martins já anunciou ser cabeça de lista às legislativas. Essa solução não devia ter sido previamente discutida com os outros cinco membros da comissão permanente?

Não conheço os pormenores dessa situação. Mas tendo a Catarina Martins encabeçado comigo a moção política vencedora e sendo ela a porta-voz nacional, não vejo o que mais haveria para discutir. Além disso, é minha convicção pessoal que não lhe falta talento nem combatividade para realizar esse desafio.

Ainda acredita no futuro do partido sem alianças políticas palpáveis com o PS, Livre ou outros?

O futuro do Bloco não está na dependência das alianças que venha ou não a fazer. Está na clareza e na força das suas propostas para melhorar a vida das pessoas, para eliminar a austeridade, para fazer crescer a economia e o emprego. Está na capacidade de dialogar e mobilizar para o voto e para a luta aqueles que foram atirados para o desemprego e para a miséria, que deixaram de acreditar que podemos mudar e que vale a pena lutar e votar para uma alternativa de esquerda. O futuro do Bloco está nas suas raízes, a partir das mudanças que fizemos aprovar: as leis contra os offshores, os tempos de espera no SNS, a corrupção e o segredo fiscal e bancário, a interrupção voluntária da gravidez, o casamento de pessoas do mesmo sexo ou a urgência de uma reforma fiscal que introduza justiça social. Sem o Bloco alguns destes temas nunca teriam sido falados e várias destas mudanças ainda estariam por fazer. A democracia e a sociedade ficaram melhores com a nossa intervenção. Os portugueses reconhecem no Bloco esse papel, um papel insubstituível. 

Mas não têm conseguido desafiar o eleitorado do PS.

O Bloco disputa os votos ao PS, ninguém é proprietário dos votos e muito menos dos eleitores. Disputamos a sua hegemonia junto de importantes segmentos sociais. Desafiamos o PS para posições e políticas de esquerda. Mas não existimos para fazer passar por esquerda o que não é de esquerda. Não disfarçamos, não branqueamos. No passado do PS, o que encontramos de socialista, de anti-capitalista?

Haverá uma mudança no PS com António Costa?

Com António Costa, a política do PS é um jogo de sombras. Diz rejeitar a austeridade mas não quer colocar em causa a política europeia que a suporta. António Costa quer fazer a quadratura do círculo. Que fará António Costa com os salários, as pensões, a austeridade, os impostos, o Tratado Orçamental? Lembro-me de um período em que se criticava António José Seguro por anunciar todos os dias uma medida. Com António Costa é o contrário, todos os dias esconde uma medida. Como se pode apoiar o que se desconhece? É preciso acabar com o rotativismo, com a alternância sem alternativa, este sistema faliu. É preciso uma ruptura democrática e de esquerda, para vencer a austeridade e defender a democracia, contra o autoritarismo e a corrupção. Estamos empenhados na construção de um polo político forte à esquerda do PS, que se afirme como uma alternativa política e de governo. Um polo político que inclua todos os que estão contra a austeridade e procuram uma saída alternativa.

Mas enquanto todos vaticinam a desagregação do Bloco, os seus dissidentes organizam-se para as legislativas. Esse pólo à esquerda do PS está em construção com o Livre, a Manifesto…

O Bloco não está em desagregação, ao contrário do que alguns gostariam. Acabámos agora de fazer a mais participada convenção de sempre da história do Bloco. Toda a esquerda hoje tem problemas e o Bloco não é excepção. A austeridade esmagou os movimentos sociais, dificultou a resposta social e política. Mas basta um breve olhar para o que se passa no Parlamento, ver o que o Bloco e a sua deputada Mariana Mortágua têm feito na comissão de inquérito ao BES ou como o Bloco acabou com a tentativa vergonhosa de PS e PSD fazerem regressar as subvenções dos deputados, para vermos como não há outra esquerda como o Bloco. Como já disse, a nossa estratégia é exactamente a formação de um pólo político à esquerda do PS, do qual seremos parte, evidentemente. Uma união das esquerdas que afirme uma alternativa ganhadora ao bloco central, aos partidos da alternância e à direita. Não há alternativa de esquerda sem o BE. A plataforma que Livre, Manifesto e renovadores comunistas estão a organizar não é nada disso. Pelo contrário, defendem e projectam um acordo de governo com o PS.

Como é que avalia a saída recente de mais 16 militantes afectos à corrente fundadora Manifesto?

As pessoas que agora saíram estão ligadas à associação Manifesto que decidiu em Julho afastar-se. Outros até já tinham saído em 2013. Foi o caso de Daniel Oliveira, por exemplo. Mas por mais datas que escolham para formalizar a sua saída não há qualquer elemento político novo nestas demissões, o seu significado é exactamente o mesmo. Na maior parte dos casos, traduzem uma dinâmica de aproximação ao PS na perspectiva de um acordo político de governo com António Costa. Como ficou claro, a estratégia do Bloco não é essa. Julgo ser um erro crasso esta aproximação ao PS, com consequências muito prejudiciais para a esquerda. Já agora, não quero deixar de lembrar que o BE nunca teve tantos militantes inscritos como os que tem agora, tendo mais de 1000 novos inscritos entre as duas últimas convenções.

O que é que responde a quem o imagina, no futuro, no Livre ou mesmo na bancada do PS?

Não respondo porque ninguém me imagina assim.

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