Gregos traduziram a revolta em política

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Alexis Tsipras é o novo primeiro-ministro grego Reuters

“Uma das características do Syriza é que tem sido capaz de traduzir as exigências do povo grego em causas assumíveis por todos os povos europeus, de formalizar as queixas em propostas de âmbito europeu”, afirma o deputado socialista João Galamba. Na sua mira está a anunciada conferência internacional na qual os países do Sul da Europa, a braços com défices avultados, tentarão mudar o discurso europeu. “A conferência de credores e devedores, e os planos de recuperação das economias do sul da Europa são ideias que têm feito um caminho tímido, agora vai haver um salto”, corrobora Rui Tavares, colunista deste jornal, e dirigente do Livre.

Esta proposta do novo poder grego é, para a eurodeputada Marisa Matias do Bloco de Esquerda, uma janela aberta. Uma oportunidade única: “A grande lição a tirar é que a chantagem [sobre a Grécia] não funcionou e que pela primeira vez existe um Governo anti-austeridade.” O historiador José Pacheco Pereira, antigo dirigente do PSD, destaca que a chegada de Alexis Tsipras ao poder em Atenas representa um desbloqueio: “A ruptura está feita, não se pode voltar ao que era antes.” E destaca uma primeira consequência: “A Europa precisava que uma Nação, em termos que não fossem os da Marine Le Pen, voltasse ao brio nacional.”

Jaime Nogueira Pinto crítica uma Europa dissolvente das Nações: “A Nação é a maior garantia das liberdades e interesses das pessoas e a asfixia financeira como meio de domínio político é má. Que uma Nação resista a ela é sempre positivo. Acho muito significativo que um partido nacionalista conservador, como os Gregos Independentes, se alie ao Syriza e este aceite”.

O comunista António Filipe, vice-presidente da Assembleia da República, salienta o perigo das grandes expectativas: “Haverá uma grande pressão popular para o que foi prometido aos gregos seja cumprido, senão a frustração seria tremenda.” Pacheco Pereira prefere outro registo: “Se isto vai ou não muito longe não sei, mas a inevitabilidade tem sido o melhor argumento para o bloqueio político.”

Os problemas humanitários, agravados pela crise, são resgatados e voltam como critério político. “É um conceito que, tal como o do desenvolvimento, tem sido abandonado, e em questões básicas como acesso à saúde e à educação tem havido o maior recuo desde o pós-guerra”, relata Rui Tavares.

Ou seja, a política europeia não é feita, necessariamente e apenas, das obrigações do Tratado Orçamental. “Se houver alterações ao Tratado e esquemas de renegociação da dívida é um êxito”, admite Bagão Félix: “Nas actuais circunstâncias, os países do Sul da Europa são incapazes de cumprirem quer o Tratado quer a dívida.”

Pior para a direita
Será um processo complexo. “O Syriza e Bruxelas vão ter de negociar, terá de haver na Europa a aceitação da vontade do povo grego, claro que não vai ser fácil”, admite a eurodeputada do Bloco. “Na Europa, os governos francês e italiano reagiram sem pestanejar à esperada vitória de Tsipras, a Alemanha não vai ser assim”, adverte Nogueira Pinto.

“As forças políticas e económicas na Europa vão ter de assumir as suas responsabilidades, as pessoas apostaram claramente numa alternativa”, contrapõe António Filipe. “Um resultado como o verificado tem um efeito de desbloqueio na União Europeia (UE), vai haver um enfraquecimento da posição alemã sobre a política europeia, como já se viu com as medidas da semana passada tomadas pelo Banco Central Europeu”, antevê Pacheco Pereira.

“Mais importante do que uma mudança a curto prazo é a expectativa da mudança”, salienta o socialista João Galamba: “Não sei se será feito em seis meses, mas se as pessoas sentirem que estamos a caminhar para algo que faz sentido, é importante.” Um sentido que Rui Tavares esmiúça: “a partir de agora existe a possibilidade de ter um Governo no Conselho Europeu que denuncia a ilegalidade das medidas da troika, as ferramentas jurídicas não estão todas do lado da Alemanha.”

Isso permite a adopção em Portugal do exemplo grego? “Os sistemas políticos e partidários são diferentes, não me passa pela cabeça fazer leituras directas”, assegura Marisa Matias. “Mas o que ocorreu na Grécia pode acontecer em qualquer lado, não há razão para não fazer a ruptura com políticos que destroem o país”, ressalva.

“A lição da derrota dos políticos da austeridade na Grécia, desde a Nova Democracia ao PASOK [Partido Socialista Pan-Helénico] passando pelo partido de George Papandreou que não tem representação parlamentar, serve para todos os países europeus, também para Portugal, onde têm sido adoptadas medidas da mesma natureza pelo PSD/CDS e PS”, afirma António Filipe. “O Governo português está a averbar derrota atrás de derrota, cumpre as teses da direita alemã e descarta todas as outras explicações”, sublinha Rui Tavares,

“A esquerda portuguesa não é bem a esquerda grega, não há um “Portugueses Independentes” para fazer coligação, e se houvesse, embora os patriotas de esquerda quisessem, duvido que os “antifascistas de serviço sempre vigilantes permitissem”, destaca Jaime Nogueira Pinto.

“O desbloqueio da UE levou ao incómodo da direita portuguesa, como se o Syriza tivesse quebrado uma regra de boa educação, a esquerda vai a reboque mas não compreende o fenómeno que põe em causa a austeridade”, refere Pacheco Pereira. “Pela primeira vez não se disse que nós não somos a Grécia”, ironiza João Galamba. “O Syriza vai funcionar com algum gás e a Europa não pode fechar as portas porque criaria mais Syrizas”, pondera Bagão Félix: “Depois do estado de desgraça, a esquerda está em estado de graça, as eleições gregas têm piores efeitos para a direita.”

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