Falemos do MPLA
Mas comecemos por falar de Angola e de Portugal. Todos sabemos que há milhares de portugueses em Angola e angolanos em Portugal, muitos deles unidos por laços familiares, profissionais e de amizade. Os dois países partilham a língua, uma história profunda e às vezes trágica, interesses e projetos comuns. Inevitavelmente, os dois estados devem relacionar-se tão estreitamente quanto possível. Não é só a vida corriqueira da política. É necessário e até desejável.
Essa relação estreita não deve servir para encobrir ou justificar nada do que de errado se faça, de qualquer dos lados. Estive contra o Governo do meu país na ridícula polémica das cartas de condução angolanas. E não concebo outra posição que não seja contra o Governo de Angola em casos como os do 15+2 jovens que estiveram presos por lerem literatura supostamente subversiva. Os direitos humanos são universais e indivisíveis, e não são aceitáveis acusações de ingerência quando defendemos os direitos humanos daqueles que nos estão mais próximos e conhecemos melhor.
A grande questão, porém, é que Angola e MPLA não são a mesma coisa. E por isso não é possível ter compreensão pela presença no congresso do MPLA, com declarações elogiosas e abonatórias, de todos os maiores partidos portugueses (com a honrosa exceção do Bloco de Esquerda).
Um congresso partidário não é uma ocasião de estado, nem sequer quando partido e estado se confundem. A presença num congresso partidário deve dar-se quando se partilham valores e princípios, atitude e maneira de fazer. Ou seja, quando há afinidade ideológica e/ou metodológica com o partido em causa. É no mínimo bizarro que nos estejam a dizer isso os partidos portugueses que acorreram ao congresso do MPLA — mas é. Foi isso que pretenderam dizer Hélder Amaral do CDS quando falou dos “pontos comuns” com o MPLA ou Carlos César do PS quando disse que os dois partidos trilharam um “caminho conjunto” em ambos os países.
Por incrível que pareça, todos aqueles partidos, do comunista ao democrata-cristão, do que defende o socialismo democrático ao que favorece as políticas de austeridade estão a tentar convencer-nos de uma coisa impossível: que todos eles têm afinidade ideológica com o MPLA. Isso só poderia querer dizer que o MPLA não tem ideologia — o que é capaz de ser bem verdade.
Ou teremos então de passar a uma segunda hipótese: estes partidos portugueses estão a dizer-nos que se revêem nos métodos do MPLA. Como entre esses métodos estão a opacidade no poder, a confusão entre o público e o privado, o desrespeito pela separação de poderes, o branqueamento da corrupção — esta hipótese não é nada menos do que assustadora.
Resta então a explicação que uma grande parte dos portugueses, sem surpresa, dá como provável. A de que os partidos foram ao congresso do MPLA tratar dos seus próprios interesses. Não é preciso justificarem-se com os angolanos e os portugueses, a história e o destino, os estados e a língua. Ao escolherem a presença no congresso do MPLA, e justificá-la com elogios que excedem a diplomacia e a circunstância, os partidos portugueses descredibilizaram-se perante os portugueses — e suspeito que perante muitos angolanos também. O MPLA, e não Portugal nem Angola, foi o lado que escolheram.