Atentado sangrento em Lahore foi desafio dos taliban ao Governo de Sharif
Islamabad lança operação das forças paramilitares no Punjab em resposta ao ataque suicida de domingo que fez 72 mortos e mais de 300 feridos. Papa pede protecção das minorias no país.
Pouco antes de um bombista se ter feito explodir num parque de Lahore, com a intenção de matar cristãos que ali festejavam a Páscoa, uma multidão forçava a sua entrada no centro de Islamabad para exigir a elevação a mártir de um extremista executado pelo assassínio de um governador liberal. Não há indícios de que os dois acontecimentos estejam ligados, mas ambos ilustram a fragilidade dos progressos reivindicados pelo Governo de Nawaz Sharif na luta contra os extremistas islâmicos, após anos de inacção, muitas vezes cooperante, das autoridades paquistanesas face aos grupos armados.
“A nossa determinação como nação e como governo está a tornar-se mais forte e o inimigo cobarde tenta agora atingir alvos fáceis”, assegurou o primeiro-ministro paquistanês, Nawaz Sharif, depois de visitar os lotados hospitais de Lahore – o último balanço aponta para 72 mortos, entre eles 29 crianças, e mais de 300 feridos, dezenas deles menores, muitos em estado grave.
O atentado foi reivindicado pelo Jamaat-ul-Ahrar, grupo dissidente do movimento taliban do Paquistão (TTP), que há um ano atacou nesta mesma altura duas igrejas da cidade, capital do Punjab, a mais populosa e rica província do país, que é também o feudo político de Sharif. “Os cristãos eram o nosso alvo”, disse um porta-voz do grupo, que em 2014 jurou fidelidade aos jihadistas do Estado Islâmico, regressando meses depois à esfera dos taliban, recorda a Reuters.
Muitas das famílias que enchiam o parque Gulshan-e-Iqbal, um dos maiores da cidade, eram cristãs – o tempo estava ameno e o local foi o escolhido por muitos para passar o dia depois das cerimónias de Páscoa –, mas a polícia assegura que a maioria das vítimas são muçulmanas. Ainda assim, na mesma homilia em que condenou o “atentado execrável” da véspera, o Papa Francisco pediu a Islamabad que garanta a segurança “das minorias religiosas mais vulneráveis”, a começar pelos cristãos e hindus (pouco mais de 3% dos 200 milhões de paquistaneses).
Para além do sectarismo deliberado, o que sobressai é a violência da acção – a bomba continha pregos e foi detonada junto a um parque de diversões lotado de crianças –, o que denuncia a intenção do grupo de se afirmar como o mais agressivo dentro do movimento taliban e de, ao mesmo tempo, desafiar directamente Sharif. “Queremos enviar a mensagem ao primeiro-ministro de que entrámos em Lahore”, disse o porta-voz da organização, lançando a ameaça uma cidade que é o grande bastião político do país e que até agora tinha sido poupada à violência que desde 2001 dilacera o país.
Nas semanas que antecederam o ataque, responsáveis políticos e militares asseguraram que o país estava prestes a derrotar os taliban, em resultado da guerra declarada aos radicais no rescaldo da morte de 154 pessoas numa escola gerida pelo Exército em Peshawar, em Dezembro de 2014. No último ano, centenas de militantes foram mortos ou presos, o número de atentados diminuiu e vários movimentos radicais foram ilegalizados. Mas apesar da perda de território, os taliban mantêm intacta a capacidade para lançar ataques de grande mediatismo – no início do ano mais 21 estudantes foram mortos numa universidade na região de Peshawar.
Nesta segunda-feira, as forças de segurança anunciaram detenções e a descoberta de um arsenal de armas e munições em Lahore. E Sharif presidiu a uma reunião do governo em que foi decidido atribuir poderes especiais aos paramilitares para replicarem no Punjab as operações antiterroristas em curso há mais de dois anos em Carachi, bastião dos fundamentalistas no Sul.
Mas sobre o Exército, que detém o real poder no país, continuam a recair suspeitas de que, ao mesmo tempo que combate os taliban, apoia os extremistas que usam o país como base para acções na Caxemira indiana e no Afeganistão e que, por sua vez, partilham recursos e com os extremistas paquistaneses. Muitos analistas duvidam também da real vontade das autoridades para confrontar os fundamentalistas que, a coberto da violência, ganham força às correntes mais moderadas do islão, fomentando a discriminação crescente das minorias.
Uma demonstração de poder que ficou bem visível quando, em Fevereiro, um milhão de pessoas assistiu ao funeral de Mumtaz Qadri, o guarda-costas que em 2011 matou o então governador do Punjab, um político liberal que tinha criticado as infames leis da blasfémia e a condenação à morte de Asia Bibi, uma cristã acusada por vizinhas de insultar o profeta Maomé.
Domingo, depois de uma cerimónia de homenagem a Qadri que reuniu 25 mil pessoas, milhares conseguiram furar os cordões policiais e ocupar a avenida que conduz ao Parlamento e aos edifícios do Governo. Prometem só sair dali quando o assassino for declarado mártir e Asia Bibi, ainda à espera de um recurso, seja executada.