Reestruturação na Grécia: perdemos ou ganhamos?
Foi o triunfo de uma esperança que venceu a batalha contra o medo. E está a tentar vencer uma guerra política.
Com efeito, a coligação que agora governa a Grécia imprimiu tanta rapidez ao cumprimento das suas promessas essenciais quanta a que o nosso Governo usou para violar as suas. Acima de tudo, foi o triunfo de uma esperança que venceu a batalha contra o medo. E está a tentar vencer uma guerra política.
Sem demoras, começaram a surgir opiniões que dão conta das alegadas consequências catastróficas que adviriam para o nosso país de uma reestruturação da dívida grega. Tais opiniões baseiam-se em várias distorções ou erros:
1. Os cenários que estão na base dessas opiniões assentam num incumprimento total por parte da Grécia, coisa que nunca foi proposta pelo Syriza e é totalmente implausível. Qualquer que venha a ser a solução encontrada, não é de crer que esta vá além do que já foi proposto pelo novo Governo.
2. Foi também insinuada a ideia de que eventuais perdas do BCE se repercutiriam nos orçamentos nacionais através da distribuição dos prejuízos pelo sistema de bancos centrais, incluindo o nosso. Essa ideia parte de uma incompreensão sobre as características de um Banco Central. Enquanto autoridade monetária, o BCE pode simplesmente apagar as perdas do seu balanço. O que seria, na verdade, a única solução politicamente viável.
3. Alguns autores vão mais longe e dão Portugal como credor dos empréstimos feitos à Grécia no âmbito da troika. Isto é um erro. Esses empréstimos foram feitos pelo Fundo Europeu de Estabilização Financeira e são, de facto, garantidos pelos Estados-membros. No entanto, Portugal, Grécia e Irlanda, enquanto devedores do FEEF, ficaram e continuam isentos da prestação dessas garantias.
4. Portugal comprometeu-se, sim, com cerca de 1.100 milhões de euros de um primeiro programa de assistência multilateral. No cenário de um corte de 50% no montante da dívida grega, como propõe o Syriza, Portugal incorreria numa perda singular e irrepetível de 550 milhões, que afetaria o défice do ano em que a reestruturação ocorresse.
5. Mas os cenários sobre os custos de uma reestruturação grega têm de incluir o outro lado da equação, ou seja, os ganhos resultantes da aplicação das mesmas condições a Portugal, que qualquer Governo decente prontamente exigirá. Uma reestruturação da dívida portuguesa nos mesmos termos (corte de 50%) provocaria uma redução do serviço da dívida da ordem dos 4 mil milhões todos os anos, durante a vigência dos empréstimos. Ou seja, durante esses anos ganharíamos em cada ano cerca de oito vezes o montante que perderíamos no ano da reestruturação, ganho esse que se refletiria numa redução correspondente do défice em todos esses anos.
Daqui decorre que, quanto melhores forem as condições conseguidas por Atenas, melhores poderão ser as condições conseguidas por um Governo português que partilhe a determinação assumida pelo Governo do Syriza. Uma reestruturação da dívida seria decisiva para parar a austeridade e dar ao nosso país (e a outros) margem de manobra para implementar políticas de crescimento e criação de emprego.
Daí que a proposta do Syriza de realização de uma Conferência Europeia sobre a Dívida seja a melhor forma de traçar um novo compromisso que permita à União Europeia sair deste pesadelo. Em vez de se continuar a agitar fantasmas sem fundamento político e técnico, em vez de se ficar a olhar passivamente para o desfecho deste processo, é urgente declarar desde já o apoio a essa Conferência, que tem merecido elogios provenientes dos sectores políticos e sociais mais insuspeitos.
Quer do ponto de vista do alívio do serviço da dívida, quer do ponto de vista da política económica europeia, essa é a solução que permite sair da espiral da austeridade. É o que a Grécia precisa, mas é também o que nós precisamos. Só assim se poderá abrir um caminho para melhorar as condições de vida das pessoas e dar capacidade à economia para crescer.
Dirigentes do Bloco de Esquerda