Ubaldo Ribeiro ganhou Prémio Camões e foi o último a saber
Distinguido escritor "com uma obra densa" das culturas portuguesa, africana e brasileira
A O escritor brasileiro João Ubaldo Ribeiro é o vencedor do Prémio Camões 2008. E é caso para se dizer que o autor foi o último a saber. Ontem, quando se realizou a conferência de imprensa num hotel de Lisboa, o ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, ainda não tinha conseguido entrar em contacto com o escritor brasileiro para lhe comunicar a decisão do júri. Bem tentaram atrasar o anúncio do prémio, mas de nada valeu. Ainda não se sabe quando o prémio - o mais importante da literatura lusófona - será entregue, mas Pinto Ribeiro disse que, em princípio, o montante deste ano será semelhante ao de 2007 - 100 mil euros.
O júri era presidido por Ruy Espinheira Filho (escritor, jornalista e professor da Universidade Federal da Bahia), e incluía Maria Lúcia Lepecki (professora na Universidade de Lisboa, que por motivos de saúde participou por via telefónica), Maria de Fátima Marinho (professora na Universidade do Porto), Marco Lucchesi (professor na Universidade do Rio de Janeiro), João Melo (poeta e jornalista angolano) e Corsino Fortes (presidente da Associação de Escritores Cabo-Verdianos).
Deliberou por maioria. Na sua decisão teve em consideração "o alto nível da obra literária de João Ubaldo Ribeiro, especialmente densa das culturas portuguesa, africanas e dos habitantes originais do Brasil", lê-se na acta.
O "opressor lusitano"
João Ubaldo Ribeiro, baiano, 67 anos, publica desde os 22. Nasceu na ilha de Itaparica, vive no Rio de Janeiro. É neto e sobrinho de portugueses de Fafe. Foi apadrinhado por Jorge Amado na sua primeira obra - Setembro Não Faz Sentido - e é membro da Academia de Letras do Brasil.
É considerado um homem de grande cultura; poliglota, estudou e formou-se nos Estados Unidos, Alemanha e França. É mestre em Ciências Políticas. Viveu um ano em Lisboa, em 1981, graças a uma bolsa concedida pela Fundação Gulbenkian.
Não há candidatos ao Prémio Camões, instituído por Portugal e pelo Brasil em 1989, que consagra toda a obra de um autor que contribua para a projecção e reconhecimento da língua portuguesa.
"O júri reúne-se e coloca na mesa nomes que são representativos, e as obras dessas pessoas são discutidas. Debatem, chegam a acordo", explicou Espinheira Filho. São geralmente três, quatro nomes que começam a ser debatidos e desses tem que se escolher um. Faz parte do regulamento que o prémio não pode deixar de ser atribuído.
"Na verdade, a comissão neste caso decidiu que centraria as suas discussões em escritores brasileiros. Poderia ter sido diferente mas foi assim. Da próxima vez pode ser diferente. Como o júri tem poderes para decidir na hora como serão os trabalhos, neste caso foi isso que se deu", revelou o presidente do júri. "Não foi fácil a decisão", continuou.
Ubaldo Ribeiro tem uma obra já vasta e alguns prémios importantes. Alguns dos seus livros foram sucessos internacionais: o presidente do júri destacou Viva o Povo Brasileiro -"o livro principal dele".
Hoje, o autor vive do que produz intelectualmente. É cronista semanal de vários jornais e está a escrever um novo romance. "É um escritor em plena actividade criativa e acredito que este prémio vai apanhá-lo num momento muito positivo."
Quando o seu livro A Casa dos Budas Ditosos (sobre a luxúria e escrito no feminino) foi publicado em Portugal, houve uma pequena polémica. Duas cadeias de hipermercados (Continente e Jumbo/Pão de Açúcar) não o quiseram vender. Estávamos em 2000, e o livro acabou por vender na época mais de 13 mil exemplares em cerca de dois meses.
Numa entrevista que deu ao PÚBLICO nessa altura, Ubaldo Ribeiro aconselhava quem não conhecesse a sua obra que começasse por Viva o Povo Brasileiro - porque, dizia ele, tem "a ver com a colonização portuguesa, com o inter-relacionamento dos nossos povos e - parodiando os livros tradicionais de História do Brasil - narra ironicamente a luta contra o chamado opressor português: "Era assim que nós aprendíamos na escola do meu tempo : 'O opressor lusitano foi vencido...'"
Ontem, quando a agência Lusa disse a José Saramago (Prémio Camões 1995) o nome do vencedor deste ano, o escritor português exclamou: "Fico muito contente e até tenho vontade de dizer 'Viva o povo brasileiro'!"