Do desânimo às críticas ao PS: como foi a pior noite eleitoral do BE dos últimos 20 anos?
O partido de Catarina Martins foi ultrapassado pelo Chega e pela Iniciativa Liberal, caindo para quinta força política. Desde 2002 que representação parlamentar não era tão diminuta.
“Sim, estamos muito nervosos.” Faltam poucos segundos para que as primeiras projecções sejam divulgadas pelas televisões e um grupo de jovens bloquistas não consegue esconder a inquietação. Num pequeno círculo em seu redor, três dezenas de aderentes repetiam os mesmos tiques exibidos pelas raparigas, com pernas irrequietas e olhos colados ao ecrã. Depois de ser anunciada a previsível vitória do PS e o segundo lugar do PSD, o grupo respira fundo em uníssono. “Eish”, solta um jovem ao ver o símbolo do Chega seguir-se ao dos sociais-democratas. O derradeiro murro no estômago é desferido pela Iniciativa Liberal, que também ultrapassa o Bloco de Esquerda, no pior resultado eleitoral para o partido desde 2002.
A onda de choque ainda está a ser digerida junto às televisões e Pedro Filipe Soares já se encaminha para o palco. O número dois por Lisboa é rápido e acutilante: “Iniciámos esta crise política com base numa chantagem criada pelo PS tendo por pressuposto o Orçamento do Estado e o seu ‘chumbo’. Os desafios que existiam na saúde, trabalho ou serviços públicos mantêm-se e, face a estas projecções, serão mais exigentes.”
Depois da saída de Pedro Filipe Soares, poucas são as pessoas que querem falar com o PÚBLICO, mas a consciência de uma derrota pesada é comum a todos. Nas conversas distribuídas por pequenos grupos tenta perceber-se para que partidos migraram os votos do Bloco de Esquerda e o número de deputados para a próxima legislatura.
Com uma bandeira enrolada na mão, Inês Amaro representava o sentimento geral. Foi a primeira vez que a apoiante do Bloco assistiu à noite eleitoral presencialmente e as declarações da jovem simbolizam o ambiente vivido na sala. “O resultado não foi bom, representa uma queda muito grande. Ser ultrapassado pelo Chega foi a pior derrota da noite. Parece que as pessoas não aprendem com o que se passa no Brasil, é muito triste. Fiquei absolutamente sem palavras.”
Pior resultado dos últimos 20 anos
O silêncio sepulcral da sala é interrompido momentaneamente às 21h15: o núcleo duro do partido celebra, nas traseiras do Capitólio, a eleição de Catarina Martins. O “festejo” apenas se repetiria mais quatro vezes, com cinco deputados eleitos em todo o país. Já depois da uma da manhã acabaria por ser eleita também Joana Mortágua, em Setúbal. Desde 2002, eleição em que o partido elegeu três deputados, que o Bloco não tinha tão pouca representação no Parlamento. Em apenas três anos, os bloquistas perderam 74% dos deputados, com uma redução de 19 para cinco representantes. Ainda assim, alguns aderentes tentaram vislumbrar um ângulo positivo este domingo.
“É desapontante, claro que sim. Estava a prever a eleição de oito deputados, o Chega fica bem acima do resultado do Bloco e a Iniciativa Liberal também. Bem, começámos com dois deputados em 1999, com Francisco Louçã e Fernando Rosas. Vamos à luta à mesma e é claro que continuaremos a fazer o nosso trabalho. Temos de ver isto como um ciclo, tivemos uma derrota em 2011 e voltámos a subir. Voltará a acontecer”, analisa Ana Silva, aderente do partido há seis meses.
Catarina Martins culpa “bipolarização falsa"
Catarina Martins subiu ao púlpito visivelmente emocionada para analisar os resultados eleitorais deste domingo. Depois de 30 segundos em que foi ovacionada de pé pelos bloquistas, a coordenadora do Bloco de Esquerda resumiu a noite de eleições em três pontos: a – muito provável – maioria absoluta do Partido Socialista (PS), o fraco resultado do Bloco e o terceiro lugar do Chega.
“O Bloco assumirá todas as responsabilidades com os compromissos com que fomos às eleições. À hora em que falamos parecem-me óbvias três coisas: em primeiro lugar, o PS terá maioria absoluta; em segundo lugar, o Bloco teve um mau resultado e, por último, que há deputados racistas a mais no Parlamento”, detalhou a responsável.
O principal alvo de Catarina Martins foi o PS. A coordenadora do Bloco acusou os socialistas de terem criado uma “crise artificial” e “bipolarização falsa” que penalizou os partidos de esquerda. Questionada sobre a negociação com o PS, a bloquista diz que não ia fugir aos compromissos, mas relembrou que era quase certo que António Costa conseguiria a maioria absoluta. Sobre uma possível renovação na liderança, Catarina Martins afirmou que não são os resultados eleitorais a ditar o afastamento dos líderes no Bloco.
Pelas 23h, a noite eleitoral dos bloquistas estava encerrada. À derrota histórica juntou-se a queda do partido para o lugar de quinta força política e a ultrapassagem de André Ventura e do Chega na representação parlamentar.