A desigual mobilidade entre Cabo Verde e Portugal

Um grande número de cabo-verdianos continua impedido de sair do arquipélago para visitar Portugal, devido à recusa de vistos por parte do Centro Comum de Vistos, dependente da Embaixada de Portugal na cidade da Praia.

Depois de reunir todos os documentos exigidos para obter um visto de férias em Portugal, a mãe do jovem estudante apresentou-se no Centro Comum de Vistos (CCV) na ilha de S. Vicente, esperançosa de que, em breve, poderia finalmente abraçar o filho que não vê há quase dois anos. Estava tudo dentro da pasta: o atestado de responsabilidade pela sua estada com assinatura reconhecida, liquidação do último IRS, os três últimos recibos do ordenado, cópia do cartão de cidadão, atestado de residência e comprovativo de morada. Nada ficava por saber sobre a pessoa disposta a recebê-la em sua casa. De tudo isso se inteiraram os funcionários do CCV que a atenderam. E fizeram-lhe uma única pergunta: qual a relação com a pessoa que a ia receber em Portugal. Pergunta essa, à qual respondeu. Depois, esperou paciente e ansiosamente pela resposta, com a alegria antecipada de poder finalmente abraçar o filho.

Desilusão. A resposta chegou negativa. Com a fundamentação semelhante à dos outros casos recusados: não estava explicado “o objectivo da viagem e as condições de estadia”.

A mesma justificação para a recusa do visto ao rapper cabo-verdiano “Trakinuz”, no ano passado, para realizar uma digressão pela Europa.

E à mulher de um português residente em Cabo Verde, que decidiu fazer greve de fome até conseguir que concedessem um visto à esposa para passar o Natal em Portugal.

As dificuldades de obtenção de visto alargam-se aos estudantes inscritos em universidades em Portugal que, por vezes, só conseguem sair de Cabo Verde muitos meses após o início das aulas; aos atletas que ficam retidos na cidade da Praia por não lhes ser concedido visto atempadamente, como denunciou Felismina Mendes, presidente da Associação Cabo-Verdiana de Setúbal; aos empresários que protestaram no ano passado contra a “recusa continuada da emissão de vistos”, chegando a propor acordos com parceiros fora de Portugal.

Em 2020, não é admissível a desigualdade da mobilidade dos cidadãos dos dois países, atendendo a que, desde o início do ano passado, os portugueses que queiram visitar Cabo Verde não precisam de visto.

Como coexistem estas situações com as aparentes manifestações de bom relacionamento entre os dois países, sobretudo entre os seus Presidentes?

Durante as últimas comemorações do Dia de Portugal, na cidade da Praia, o chefe de Estado cabo-verdiano questionou publicamente: “Se Cabo Verde aboliu os vistos para os cidadãos da União Europeia, porque não um acordo entre Portugal e Cabo Verde?”

Apesar de o ministro português dos Negócios Estrangeiros ter admitido flexibilizar as regras de atribuição de vistos a cidadãos cabo-verdianos, já há dois anos, parece ainda continuar distante a possibilidade da isenção de vistos de curta duração para os cabo-verdianos nos países da União Europeia, como se pode deduzir da entrevista à agência Lusa, em Abril do ano passado, da embaixadora da União Europeia (UE) em Cabo Verde. Sofia Moreira de Sousa notou não estarem reunidas “as condições para as isenções de vistos”, afirmando mesmo que o assunto “não está sobre a mesa”.

Os obstáculos que impedem a saída de Cabo Verde de uma mãe para visitar um filho ou de uma mulher para acompanhar o marido de férias contrariam um dos princípios elementares da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que pressupõe a facilidade de circulação entre os seus cidadãos, sem a necessidade de vistos.

Sob pena de se conformar a uma situação de hipocrisia política, Portugal tem o dever de agir para encontrar soluções.

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