Manuel Carmo Gomes: 10 mil casos podem “ser um tecto falso” por incapacidade de testagem e “não um planalto”
Especialista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa volta a defender fecho de escolas e pede medidas mais robustas.
Apresentou um cenário de 14 mil novos casos e de 150 mortes por dia na segunda quinzena de Janeiro. Depois de quatro dias com novas incidências na ordem dos 10 mil casos, Manuel Carmo Gomes teme que se tenha atingido o máximo de capacidade de testagem e que esta estabilidade seja sinal de um “tecto falso” com muitos mais casos por despistar. O epidemiologista admite medidas de confinamento mais duras e insiste no fecho de algumas escolas.
Na reunião do Infarmed, da passada quarta-feira, entre o Governo e peritos da área da saúde, Manuel Carmo Gomes traçou um cenário que assentava nos 14 mil casos e nas 150 mortes por dia na segunda quinzena de Janeiro. Este sábado, Portugal voltou a atingir um novo máximo de óbitos (166) e de novas infecções: 10.947. “São valores que parece que se estão a confirmar. Tivemos nos últimos três dias valores na ordem dos 10 mil casos”, esclarece.
Quando questionado sobre se podemos estar a enfrentar um cenário de planalto, o professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa apresenta um cenário mais pessimista. “Pode ser mais um tecto falso do que um planalto”, atira, justificando a ideia pelas dificuldades do sistema de rastreamento em acompanhar a evolução dos novos casos.
“É uma situação mais perigosa. A testagem que é feita está num nível tão alto que pode ser impossível fazer um upgrade. Não em termos de testes, mas de recursos humanos. Isto torna difícil acompanhar os novos contágios que estão a acontecer”, revela. “Quando a doença está a crescer a um nível tão alto, há um limite para os rastreios. Há uma altura em que o vírus nos passa à frente, e estamos muito preocupados que possa ter chegado a essa altura.”
Taxa de novos casos desacelerou e de internamentos não. Porquê?
Para o especialista, há outros indicadores que podem confirmar as previsões mais negativas. A taxa de internamentos, por exemplo, “não abrandou”. Pelo contrário, a taxa de aumento de casos desacelerou. “A nosso ver, porque não estamos a testar o suficiente. Estamos na zona dos 47 mil testes em média por dia e a positividade tende a aumentar. Para conseguirmos os 12 mil casos positivos, necessitamos de ter 55 mil testes e, neste momento, nem aos 50 mil chegamos. A questão é saber se vamos ter a capacidade de testagem para acompanhar a evolução da infecção, e eu receio que não.”
Outro dos indicadores apontados por Carmo Gomes é o do número de casos assintomáticos. Quando a situação está mais controlada, o número de pessoas assintomáticas é mais alto do que pessoas sintomáticas. “Quando há mais sintomáticos é muito mau sinal. Significa que estamos a apanhar os que têm sintomas e que não estamos a apanhar os assintomáticos, que são muito mais do que aqueles que têm sintomas”, adianta.
Especialista defende fecho de escolas e pede medidas mais robustas
Tendo em conta os sinais apresentados, Manuel Carmo Gamos diz que o confinamento, “com tantas excepções”, não tem o nível de “precaução necessário”. Se o nível de movimentações que se verificaram na sexta-feira se mantiver, “é um mau sinal”. “O confinamento tal como foi concebido pode não ser suficiente. Receio que no final deste mês, quando nos voltarmos a encontrar no Infarmed, tenhamos que repensar nisto tudo e criar um confinamento mais apertado”, explica ao PÚBLICO.
O especialista insiste ainda numa medida já apresentada anteriormente: as escolas acima dos 12 anos deveriam manter os alunos em casa. “Não vejo, por exemplo, o motivo para que alunos de determinados cursos universitários, como de Letras, não tenham aulas em casa. Eu sou professor e prefiro o ensino presencial, claro está. Mas isto é uma situação excepcional e são necessárias medidas extraordinárias. Há filas de ambulâncias à porta dos hospitais porque não há lugar onde deixar os doentes”, realça.
Desta forma, “mesmo gostando de estar enganado”, Manuel Carmo Gomes acredita que no final do mês, na nova reunião do Infarmed, se tomarão novas medidas e lamenta a “perda de tempo”.