Lições inacabadas de uma década perdida
Revisitar o colapso desse 15 de Setembro de 2008 é principalmente útil para nos darmos conta de como o mundo permanece volátil.
Dossier sobre os dez anos da queda do Lehman Brothers:
- No mundo pós-Lehman, nem tudo deixou de ser como dantes
- Teixeira dos Santos: “O que foi conseguido nas finanças públicas não se pode perder”
- Teixeira dos Santos: falência do Lehman Brothers foi o “gatilho” que fez tudo “cair completamente”
- Uma nova crise não está ao virar da esquina
- João Moreira Rato: “Portugal ainda está em risco caso a economia mundial sofra um abrandamento substancial”
- Ricardo Cabral: “Não julgo que nova crise financeira internacional esteja ao virar da esquina”
- Rui Bárbara: “Há sempre algum economista a prever crises”
No dia em que o Lehman Brothers ruiu, o mundo tremeu com o pavor de uma nova grande depressão. O pior dos cenários não aconteceu muito por causa dos rios de dinheiro que as grandes potências puseram a circular (o famoso quantitative easing), mas o susto foi suficiente para que procurassem as causas profundas da crise e remédios para evitar a sua repetição. A primeira lição inacabada da crise aconteceu aqui: esse esforço foi em vão. O capitalismo global não remendou os problemas estruturais que rebentaram com o Lehman Brothers.
Se uma crise como a de 1929 acelerou a emergência de regimes iliberais, permitiu também o desenvolvimento de ideias alternativas que no pós-II Guerra Mundial inauguraram o mais longo e harmonioso período dos Gloriosos 30 anos na Europa e nos Estados Unidos. O abalo provocado pelo colapso do Lehman Brothers não teve os mesmos méritos, nem se vislumbram sinais de que possa vir a ter. A segunda lição inacabada é que o capitalismo não foi capaz de redistribuir riqueza e de promover sociedades coesas como a América da great society ou a Europa do Estado- providência. As revoltas das classes remediadas que se reflectiram na eleição de Trump ou no “Brexit” são a prova de que o actual capitalismo deixou de ser, como outrora, um modelo que só prospera com a democracia liberal.
Em Portugal, a crise do Lehman Brothers foi a abobada simbólica de uma década de crescimento baixo e de endividamento. Um pequeno abalo bastou para que toda a construção ruísse e o país ficasse à mercê dos credores. A crise do euro impôs um processo brutal de ajustamento ao qual os portugueses resistiram com admirável estoicismo. Vencida a crise, há quem mostre não ter aprendido nada e insista em reduzir o debate sobre o futuro à distribuição das fatias do Orçamento do Estado. Terceira lição inacabada: ainda há em Portugal quem acredite que os banquetes do presente não se pagam no futuro.
Vista em perspectiva, a década perdida do pós-Lehman Brothers não providenciou o que outras crises providenciaram na História: mudanças, correcções de rumo, novas perspectivas e esperanças. Revisitar o colapso desse 15 de Setembro de 2008 é principalmente útil para nos darmos conta de como o mundo permanece volátil. O fantasma dos irmãos Lehman continua por aí.