Portugal não devia ter desistido da queixa sobre Almaraz, dizem ambientalistas
Associação ambientalista Zero aconselha Governo português a bater-se "com todos os meios diplomáticos ao dispor" contra prolongamento daquela central nuclear, localizada a cerca de 100 quilómetros da fronteira.
O acordo entre Portugal e Espanha em torno da construção do aterro de resíduos nucleares na central de Almaraz é “uma boa notícia, mas não chega”, reagiu Carla Graça, da Zero. Em comunicado, a associação ambientalista considera que Portugal não deveria ter desistido da queixa contra Espanha em Bruxelas, apesar de reconhecer que esta poderá ser retomada caso os resultados das negociações venham a revelar-se "improcedentes".
“Não é uma má notícia, mas obviamente queremos mais”, declarou ao PÚBLICO Carla Graça, para quem a suspensão das obras de construção daquele armazém pelo menos durante dois meses - período durante o qual Espanha se compromete a partilhar com Portugal todas as informações relativas à central, bem como a promover uma visita conjunta ao local – não resolve o essencial da questão.
“É óbvio que a decisão de construir o armazém tem o objectivo encapotado de prolongar o tempo de vida útil da central por mais vinte anos e é contra isto que o Governo português tem que lutar, com todos os meios diplomáticos ao seu dispor”, acrescentou Carla Graça. "Convém lembrar que a verdadeira questão e que tem de estar presente nas conversas entre os dois Estados é a razão da instalação do armazenamento temporário de resíduos nucleares que é completamente desnecessário se se respeitar o fecho da central em 2020, de acordo com o estipulado na licença", insiste a Zero no comunicado.
Em Dezembro, o Governo espanhol tornou pública a autorização para a construção de um armazém temporário individualizado (ATI) de apoio à central nuclear de Almaraz, na província espanhola de Cáceres, a poucos quilómetros da fronteira portuguesa, e cujos reactores são refrigerados pelas águas do Tejo. Porém, só em Janeiro deste ano é que o Governo português se insurgiu em Bruxelas contra o facto de Madrid não ter feito a avaliação do impacto transfronteiriço a que estava obrigada. "O Estado espanhol e os proprietários da central têm revelado uma enorme falta de transparência e inflexibilidade e é com surpresa que vemos esta tomada de atitude do Governo português, devendo ser completamente esclarecidas eventuais contrapartidas que tenham sido negociadas", nota, a propósito, a Zero.
Em Janeiro, a indignação portuguesa seguiu para a Comissão Europeia em forma de queixa. A mesma queixa que o Governo português se comprometeu agora a retirar, face ao compromisso de que Espanha vai fornecer a Portugal todas as informações tidas como necessárias para determinar a ausência de efeitos significativos do projecto no território português. Ora, para a Zero, "a solução e a luta contra o nuclear só terminará quando Espanha desistir da prorrogação do tempo de exploração de Almaraz, o que infelizmente está muito longe de acontecer".
Dado que o tempo de vida útil de Almaraz termina em 2020, a decisão de construir o aterro é interpretada pelos ambientalistas dos dois lados da fronteira como um sinal inequívoco de que Espanha se prepara para prolongar, pelo menos por mais 20 anos, o funcionamento desta central. Almaraz foi construída para funcionar até 2010. Nessa data, viu o seu tempo de vida prolongado por mais 10 anos, tempo considerado suficiente para que a central se tenha tornado “obsoleta”, segundo os ambientalistas, que reforçam a sua posição com os sucessivos incidentes registados nos ultimos anos.
Apesar disso, o Conselho de Segurança Nuclear de Espanha está disposto a autorizar o prolongamento da vida das centrais nucleares espanholas. No início deste mês, emitiu parecer favorável para que a central de Garona possa operar até completar os 60 anos de vida, numa decisão que abre precedentes relativamente às restantes quatro centrais existentes no território espanhol. A imprensa espanhola noticiou, de resto, que a próxima central a pedir autorização para continuar a operar é Almaraz, detida pela Iberdrola, Unión Fenosa e Endessa.
O Ministério da Energia espanhol tem, até ao fim do ano ou início de 2018, de decidir se prolonga a actual licença de exploração da central de Almaraz.