Investigadores a favor do fim de parecer médico para alterar género no registo
Documento escrito por cinco investigadores e subscrito por mais 48 é esta terça-feira entregue na Parlamento como contraponto a parecer de Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
Mais de 50 investigadores nas áreas de género, sexualidade, direitos humanos assinaram um parecer favorável ao fim da exigência de um juízo médico para mudar o nome próprio a a menção ao sexo que consta dos documentos de identificação, como é proposto pelo Bloco de Esquerda. É uma reacção ao parecer negativo do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
De acordo com a lei em vigor, só pode alterar o registo quem tem 18 anos ou mais e um relatório que comprove o diagnóstico de perturbação de identidade de género. O BE quer fazer depender a mudança apenas da vontade de cada um. O PAN apresentou um projecto semelhante e o Governo prepara outro no mesmo sentido.
O conselho admite que a autodeterminação de género “é cada vez mais proclamada entre defensores dos direitos humanos”. Não ignora que vários países já o reconhecem. Entendem, porém, que não há “fundamentação bastante para prescindir da disforia de género”, logo, do diagnóstico.
Considera que a posposta do BE não é merecedora de aprovação porque “interpreta o ‘reconhecimento da identidade e/ou expressão de género’ como ‘livre autodeterminação do género”, autonomizando esse conceito do conceito de sexo”; “remete para um exercício simples de vontade individual o acto de identificação pessoal no registo civil, desconsiderando a sua natureza pública”; “confere aos menores de 16 anos o acesso universal à autodeterminação de género, como expressão de vontade autónoma”; “garante o direito ao livre acesso ao Serviço Nacional de Saúde para efeitos de tratamentos farmacológicos e para realização de procedimentos cirúrgicos”.
Parecer "não inclui reflexão dos estudos de género"
“O parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida não inclui a reflexão dos estudos de género”, comenta João Manuel de Oliveira, investigador em Estudos de Género, do ISCTE-IUL, um dos cinco autores deste novo texto, subscrito por outros 48 investigadores. O grupo acredita que esta perspectiva é importante para entender o que está em causa na proposta.
O texto, que será entregue esta terça-feira na Assembleia da República, deixa clara a distinção entre sexo (biológico) e género (construído). “Os conceitos de homem e de mulher constituem-se como relativos, discutíveis e determinados por localização no espaço, no tempo e na cultura”, lê-se.
“Um dos pressupostos centrais da perspectiva patologizante, que recorre a conceitos como disforia de género, implica a produção de uma normativa médica e psiquiátrica que separa pessoas com disforia de género de pessoas com género consentâneo com a (fabricada) homologia naturalizadora”, apontam os investigadores. “A disforia de género apresenta problemas de verificabilidade e de testagem, mas com essa categoria se determina o modo como o Estado interage e reconhece direitos de cidadania. Logo, não se trata de um problema científico, mas antes político e de acesso a direitos.”
O que o BE faz, no entender dos subscritores daquele documento, é retirar “da alçada exclusiva dos/as profissionais de saúde a definição normativa que é o diagnóstico da disforia de género, transformando-o num acto através do qual o Estado garante e reconhece o direito a uma identidade de género e salvaguardando as pessoas de discriminações”.
E essa proposta merece aprovação, tal como merecerá a proposta do PAN ou do Governo no mesmo sentido, sublinha João Manuel de Oliveira. Também defendem a redução da idade legal dos 18 para os 16 anos. “Importantes trabalhos de investigação internacionais alertam para os benefícios desenvolvimentais decorrentes da não imposição precoce de escolhas sobre o sexo e/ ou das normas de género”, referem.