Procuradores contra acesso de políticos a informação criminal sensível

Depois da associação dos investigadores da PJ, é a vez do sindicato dos procuradores contestar a decisão de retirar os gabinetes nacionais da Interpol e Europol da dependência da PJ e passá-los para a tutela da secretária-geral do Sistema de Segurança Interna.

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Decisão foi tomada no início da semana passada pelo Conselho Superior de Segurança Interna, presidido pelo primeiro-ministro António Costa. Nuno Ferreira Santos

A direcção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) anunciou esta quinta-feira, em comunicado, estar “muito preocupada” com “o acesso de um titular de um cargo político”, no caso a secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, lugar actualmente exercido pela procuradora Helena Fazenda, “a matérias relevantes que se encontram em segredo de justiça”, já que tal “possibilita ao Executivo o acesso e o controlo de informações relevantes de alguns inquéritos criminais”.

O sindicato contesta assim a decisão do Conselho Superior de Segurança Interna, órgão presidido pelo primeiro-ministro, que, no início da semana passada, tirou os gabinetes nacionais da Interpol e da Europol da dependência da Polícia Judiciária (PJ), passando-os para a tutela da secretária-geral do Sistema de Segurança Interna. A Europol e a Interpol são serviços policiais, o primeiro de nível europeu e o segundo de nível mundial, que reúnem e trocam informação criminal para que as polícias de cada país possam trabalhar integradas no combate ao crime internacional, nomeadamente ao tráfico de droga, ao tráfico de armas e ao branqueamento de capitais. A sede da Europol é em Haia, na Holanda, e cada um dos 28 países membros possui um gabinete nacional. O mesmo acontece com a Interpol, cuja sede é em Lyon, França, que congrega 190 países de todo o mundo.

Esta quinta-feira, houve um protesto marcado pela Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal (ASFIC) da PJ, a contestar esta mesma decisão. Esta associação convocou para as 17h uma reunião geral de trabalhadores, em simultâneo em todos os departamentos daquela polícia, e depois desta uma concentração dos trabalhadores à porta das unidades.  O presidente da ASFIC, Carlos Garcia, fez um balanço muito positivo da iniciativa, estimando que participaram nas concentrações "mais de metade do efectivo de investigadores da PJ". 

Na reunião foi aprovado que fossem pedidos encontros com vários responsáveis políticos, nomeadamente o Presidente da República, a ministra da Justiça e os diversos grupos parlamentares. "Agora vamos esperar pelo resultados destes encontros", explica Carlos Garcia.  

Segundo uma nota emitida pela ASFIC, os protestos vão “ao encontro do imenso clamor de indignação e de vontade de resistência que percorre toda a Polícia Judiciária”, incluindo “bem o sabemos, a própria direção nacional” face ao que apelida de “‘extorsão’ eminente dos instrumentos de cooperação policial internacional – Gabinete Nacional INTERPOL e Unidade Nacional EUROPOL – que o Governo pretende perpretar, com base num argumentário falacioso, seguramente, induzido por ‘maus conselheiros’.”

Já o SMMP sublinha que o "secretário-geral do Sistema de Segurança Interna é equiparado a secretário de Estado e é nomeado pelo Primeiro-Ministro, existindo assim uma clara ligação ao mesmo (que inclusivamente tem o poder de o exonerar)”. E acrescenta na nota: “Não há qualquer dúvida que este cargo é político, com profunda ligação ao poder executivo e não tem natureza judicial ou policial”.

O SMMP enfatiza que “a troca de informações efectuada no seio da Interpol e Europol é essencial para a recolha de elementos vitais à investigação criminal e trata de matérias particularmente sensíveis, sendo certo que em alguns casos os visados são titulares de cargos políticos”.

Por isso, a direcção do sindicato considera que “muito preocupante” que se possibilite ao Governo “o acesso e o controlo de informações relevantes de alguns inquéritos criminais”. E defende: “Deve ser evitada a confusão entre as matérias que devem estar na esfera da Justiça e da Segurança, por um lado, e do Judicial e do Executivo, por outro”.

O SMMP considera que a cooperação policial efectuada “através da Interpol e da Europol tem sido efectuada com bons resultados pela Policia Judiciária e esta detém o necessário conhecimento para o efeito”. Os dirigentes lembram que a PJ dispõe de uma unidade nacional contra-terrorismo, vocacionada para a investigação criminal do terrorismo, sendo certo que dispõe igualmente de uma unidade de apoio à investigação criminal direccionada especificamente para a cooperação policial internacional, onde estão actualmente integrados os gabinetes nacionais da Interpol e Europol.

“Em Portugal, a entidade melhor apetrechada para investigar e combater o terrorismo é a Polícia Judiciária, uma vez que do ponto de vista legal pode recorrer à utilização de intercepções telefónicas, ter acesso a facturação detalhada e ao correio electrónico de suspeitos, o que não é permitido ao serviço de informações”, sustenta a direcção do SMMP. “Não se compreende por isso a amputação que se pretende fazer, nem a subordinação dos interesses da Justiça à Segurança”, resume.

O sindicato faz questão de sublinhar, na nota, que  tem “confiança plena na pessoa que exerce actualmente o cargo de secretário-geral do Sistema de Segurança Interna”, mas discorda que se crie um sistema “em que o poder executivo tenha acesso a informação policial e judicial sensível é algo com que não podemos concordar”

O SMMP recorda que, desde o início, se manifestou contra a criação do cargo de secretário-geral do Sistema de Segurança Interna e “tem defendido um caminho oposto que passa pelo reforço das garantias da PJ face à interferência do poder executivo”. E remata: “Uma investigação criminal autónoma, isenta e livre de controlo por parte do poder político é essencial para a consolidação de um verdadeiro Estado de Direito Democrático, em que todos os cidadãos sejam iguais perante a lei”.

O PÚBLICO tentou, sem sucesso, obter um comentário ao comunicado e aos protestos por parte do gabinete do primeiro-ministro.

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