Combate ao terrorismo abre guerra entre inspectores da PJ e Governo

Retirada de poderes à Polícia Judiciária leva inspectores a acusarem António Costa de um “miserável aproveitamento do medo” para reduzir o papel institucional da polícia de investigação.

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Inspectores da PJ tecem duras críticas a António Costa Nelson Garrido

O Governo retirou à Polícia Judiciária (PJ) os contactos e as trocas de informações com a Europol e a Interpol, passando estas autoridades internacionais a funcionarem sob a égide do secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, comandado pela procuradora-geral adjunta Helena Fazenda.

A decisão foi tomada na reunião da passada segunda-feira do Conselho Superior de Segurança Interna, presidido pelo primeiro-ministro, António Costa, que debateu a estratégia de combate ao terrorismo e abriu uma guerra dura entre os inspectores da PJ e o Governo.

Segundo o Governo, esta medida visa “incrementar a cooperação policial e contribuir para uma melhor coerência da troca e partilha de informações com os parceiros internacionais”. Representantes da PSP, GNR e SEF defenderam também na reunião que a solução pode ajudar a evitar falhas na partilha de informação como as que terão ocorrido na Europa, antes dos atentados de Paris e Bruxelas.     

Já a Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da PJ (ASFIC/PJ) vê nela “o culminar de uma guerra que nos últimos anos tem sido movida à PJ por um conjunto de interesses associados”. Fala mesmo numa “aversão à PJ” que “cresceu na proporção em que cresceram os processos por corrupção e criminalidade económica e financeira e outros bem conhecidos”. Acrescenta ainda tratar-se “de um miserável aproveitamento do medo” para “mais uma e decisiva investida do poder político na redução e no apoucamento do papel institucional da Polícia Judiciária”. Questionado pelo PÚBLICO, o gabinete do primeiro-ministro não quis reagir.     

Carlos Garcia, presidente da ASFIC/PJ, questiona acima de tudo a criação de um Ponto de Contacto Único Nacional sob a égide do secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, quando nos restantes países europeus ele é feito nas polícias. O inspector diz que, a partir de agora, “está aberta a porta a uma intromissão do poder político na investigação criminal”.

“O cargo de secretário-geral do Sistema de Segurança Interna é equiparado ao de um secretário de Estado. É um cargo político e a informação vai circular por alguém que é tutelado pelo primeiro-ministro. O poder político fica com capacidade para instrumentalizar e até desvirtuar a própria investigação criminal”, acrescenta.

Num comunicado muito duro para o Governo, a ASFIC/PJ afirma que “o início dos ciclos políticos tem-se revelado especialmente difícil para a PJ e para os investigadores criminais” e que depositava esperança que este se “viesse a constituir como o ponto de inversão do estrangulamento a que a instituição tem vindo a ser sujeita”, mas que “infelizmente não foge à regra”.

A associação sindical afirma que a decisão agora tomada é “o culminar de uma guerra que, nos últimos anos, tem sido movida à PJ por um conjunto de interesses associados, uns mais directos quanto ao seu objecto, outros mais difusos e escondidos, mas igual e plenamente identificáveis”.

Esta “aversão à PJ”, salienta ainda a nota, “cresceu na proporção em que cresceram os processos por corrupção e criminalidade económica e financeira e outros bem conhecidos”. “A PJ tornou-se, assim, de há muitos anos a esta parte, um alvo prioritário a abater, por determinado poder político.”

A associação fala de “um miserável aproveitamento do medo para mais uma e decisiva investida do poder político na redução e no apoucamento do papel institucional da PJ, amputando-o de um dos seus pilares fundamentais — a cooperação internacional”.

Considera mesmo que a passagem de poderes da PJ para uma estrutura “dependente do poder executivo” representa “um perigoso retrocesso civilizacional”, na medida em que “tende claramente para a substituição de um modelo de polícia criminal somente submetido às regras do processo penal e ao poder legítimo das magistraturas por um modelo policial musculado, com laivos orwellianos, submetido ao poder executivo, com capacidade para instrumentalizar e até desvirtuar a própria investigação criminal”.

Mantendo sempre um tom muito duro, a ASFIC/PJ afirma ser “politicamente errada e perigosa para a democracia, potencialmente violadora de um princípio básico de um Estado de Direito, o da separação dos poderes, a concentração deste poder (o da informação criminal naquelas várias vertentes) num órgão que depende directamente do primeiro-ministro”, o qual, desta forma, “pode, se quiser e quando quiser, com os laços de dependências que sempre se criam, invadir o território da investigação criminal e da Justiça, mesmo que jure que nunca o fará ou que nunca o fez”.

“O pecado original, porém, reside na criação do próprio órgão [secretário-geral do Sistema de Segurança Interna], parecendo uma fixação do Partido Socialista quando no poder, que remonta ao tempo em que era primeiro-ministro José Sócrates”, acrescenta.

A ASFIC/PJ, dirigindo-se directamente ao director nacional da PJ, Almeida Rodrigues, diz ainda: “Lamentamos profunda e sinceramente que V. Exa., investigador criminal, que a todos nós representa enquanto responsável pela condução dos destinos da instituição, se veja obrigado a suportar tamanha desconsideração. Esperamos de si uma reacção à altura da afronta que nos pretendem fazer.”  Com Pedro Sales Dias

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