Quantos idosos continuam no lar que a Segurança Social mandou fechar?
Associação de lares privados defende que um lar que é fechado e depois reabre tem de ser inspeccionado. Segurança Social não diz se fiscalizou ou não.
É um prédio azul na movimentada Avenida 5 de Outubro, em Lisboa. Num andar fica um oftalmologista, noutro uma escola de massagens, numa varanda do 2.º há um placard com letras vermelhas luminosas que anuncia: Lar dos Pastorinhos. O Instituto de Segurança Social (ISS) mandou-o fechar há mais de três anos e meio. Considerava que representava um “perigo potencial”. Depois o tribunal autorizou a reabertura. Voltou a fiscalização ao local, entretanto? O ISS não responde. Nem diz quantas pessoas lá vivem. O PÚBLICO visitou a instituição, mas o director técnico informou que não prestava declarações.
O julgamento da proprietária dos Pastorinhos, acusada de maus-tratos, começou na quarta-feira. Nesta quinta, à porta do lar, o director técnico Pedro Carvalho confirmou apenas que há idosos a viver ali. O lar tem capacidade para 27.
“É evidente que, depois de um encerramento e sabendo da reabertura, mesmo tendo esta sido autorizada por um juiz, havendo consciência e competência, só tinham que sentir a obrigação de lá ter ido de novo” fiscalizar, diz João Ferreira de Almeida, presidente da Ali - Associação de Apoio Domiciliário, Casas de Repouso e Lares de Idosos.
Ferreira de Almeida não se pronuncia sobre as acusações em concreto de que é alvo a proprietária do lar (os utentes passariam fome, davam-lhes banho com lixívia, dormiriam amarrados à cama, são apenas algumas das acusações que constam do processo que está a ser julgado; houve pelo menos uma broncopneumonia que redundou em morte e o tribunal irá tentar apurar se se deveu à falta de condições). De resto, o lar chegou a ser associado da ALI, sendo que deixou o de ser “sem que isso tenha resultado de qualquer problema ou conflito”, nota.
Ferreira de Almeida, que representa muitos lares privados portugueses, lembra, contudo, que a Segurança Social pode fiscalizar, quando quer, qualquer lar, privado ou público. “Houve uma altura em que até iam à noite, porque circulavam rumores de que havia alguns que tinham camas em armários, que só desmontavam à noite, e assim diziam que tinham 50 utentes, quando na verdade tinham 60.” Há, contudo, “um certo laxismo”, talvez fruto “da falta de meios”. Exemplifica: “A Segurança Social não assegura o cumprimento das ordens de encerramento” dos lares, sejam clandestinos ou legais.
Neste caso, a história é outra. Em 2012 o ISS mandou fechar a instituição, por “deficiências graves”. Falta de funcionários, pouca comida e pobre, utentes deixados em salas às escuras pela manhã, problemas de higiene... A proprietária interpôs uma providência cautelar. Chamado a pronunciar-se, em 2013, sobre esse pedido, o ISS insistiu: se o lar continuasse aberto, constituía um “perigo para a saúde e integridade dos seus utentes”. Mesmo assim um juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa aceitou a providência cautelar. “Não ficou provado que esteja em risco qualquer direito dos utentes”, escreveu.
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), que encaminhava pessoas para os Pastorinhos, deixou de o fazer logo em 2012, “tendo nessa data retirado do referido lar todos os idosos que eram apoiados, transferindo-os para outras respostas”, informa o gabinete de comunicação da SCML. Mas outros terão voltado.
Segundo o site laresonline.pt, um directório de informação sobre lares, “o lar dos Pastorinhos destina-se, fundamentalmente, a acolher idosos com necessidades de acompanhamento diário e constante” e tem como “especialidades” doenças como “Alzheimer, demência, Parkinson, esquizofrenia”, entre outras.
Os sites do Automóvel Clube de Portugal e dos Serviços Sociais da Administração Pública, informam da existência de protocolos com os Pastorinhos que dão direito a descontos nas mensalidades — que oscilam entre os 1535 e os 1750 euros.