A loucura estabelecida
Em Bruxelas vivem uns senhores com uns papéis, a quem não escapa nada; e são eles que dispensam o caldo do convento.
O dr. Passos Coelho pediu “celeridade” a Cavaco. O dr. António Costa também pediu a Cavaco “celeridade”. Cavaco não deu sinais de ter percebido esta extravagante coincidência. Perceber nunca foi o forte dele. Mas, para uma pessoa normal, a coisa é fácil. Passos Coelho quer ser indigitado primeiro, para obrigar o PS e o seu séquito ao odioso de correr com ele em plena Assembleia da República. Costa quer que o odioso de humilhar a direita fique para o Presidente. Se Cavaco acordar a tempo, indigita Passos Coelho. Se por acaso se embrulhar na intriga da “esquerda”, indigita Costa. Para fazer coro, Catarina Martins vai dizendo pelos cantos que não se deve perder tempo com os deputados e prefere designar directamente Costa. Ninguém a ouve, coitada, e, se ela não se achasse tão importante, era capaz de chorar.
Na tese de Costa e de Catarina há um minúsculo defeito: a escolha de Costa ignora com entusiasmo a Assembleia da República. Os deputados são um rol de roupa suja que os chefes trazem na carteira. Ganha o rol maior e o Presidente com toda a humildade põe o carimbo. Pior ainda: o Presidente nem sequer pode examinar o rol e apreciar o que lhe servem. Nem ele, nem nós. As negociações do PS com o PC e o Bloco decorrem à revelia dos respectivos partidos, dos deputados, de Cavaco e do público. A “esquerda” sempre gostou muito de conversas secretas, em que se combina o que se combina, sem interferência da ralé e sem espécie alguma de responsabilidade. Felizmente, a proverbial mansidão do povo português permite esta política de corte como no século XVII ou no século XVIII.
Convém, por isso, que a “opinião” não se inquiete. Estamos nas mãos de António, Catarina e Jerónimo e mais duas dúzias de ajudantes? Estamos com certeza em boas mãos. E, quando chegar o dia miraculoso da revelação, na Assembleia da República e já com Costa a primeiro-ministro, o país responderá sem dúvida com cantos de alegria. Claro que, ao princípio, muito pouca gente perceberá o que se prepara. Não interessa: em Bruxelas vivem uns senhores com uns papéis, a quem não escapa nada; e são eles que dispensam o caldo do convento. Os peritos deste indispensável ingrediente não concordam com a data em que ele irá acabar. Seis meses? Provavelmente um ano? Com sorte um ano e meio? Essas contas não deixam de ser muito divertidas. E seriam mais, se não acabassem por nos sair do pêlo.
Nota: este artigo foi escrito antes da comunicação do Presidente da República, ontem à noite.