Subvenções vitalícias e discussões efémeras
PS e PSD não conseguiram esconder o embaraço do avanço e recuo na lei das subvenções.
Ao insólito do caso juntou-se o extremar de posições por parte dos deputados. A proposta de alteração à lei das subvenções foi aprovada na quinta-feira com os votos favoráveis do PS e PSD e regressou esta sexta-feira ao debate na especialidade no Parlamento por iniciativa do Bloco de Esquerda. A surpresa aconteceu quando os próprios defensores e proponentes da alteração à lei (Couto dos Santos do PSD e José Lello do PS) decidiram retirar a proposta, com um frase lapidar: “Em nome do bom senso, os proponentes da proposta pedem que seja retirada”. Seguiu-se uma salva de palmas sobretudo da bancada do PSD (que no dia anterior tinha aprovado a proposta) e começou então uma troca de argumentos e acusações entre os vários partidos, numa espécie de fuga para frente para tentar disfarçar o embaraço de no dia anterior terem dado luz verde à mesma proposta.
As subvenções políticas terminaram em 2005 com o Governo de José Sócrates, mas os deputados que nessa altura já tivessem 12 anos de funções mantiveram esse benefício. E foi já com Passos Coelho que se decidiu colocar um travão adicional às pensões vitalícias, tendo os deputados com um rendimento superior a dois mil euros (excluindo a subvenção) perdido temporariamente o direito a essa prestação. A polémica proposta de lei apresentada por Couto dos Santos e José Lello para alterar o Orçamento do Estado previa a reposição desse benefício, sendo que as subvenções ficavam apenas sujeitas a uma taxa de 15% na parte que excedesse os dois mil euros.
A proposta que gerou tanta polémica tinha um problema de timing e outra de conteúdo. Numa altura em que a generalidade dos portugueses continua sujeita a medidas de austeridade extraordinárias seria pouco ético, e pouco justo, repor as subvenções dos políticos que foram cortadas precisamente porque o país estava a viver (e ainda vive) tempos de sacrifícios.
Em termos de substância, o problema da proposta de lei 524-C é que justificava a reposição dos cortes com o argumento de que o tecto imposto às subvenções vitalícias feria a Constituição da República. Quando os deputados têm dúvidas sobre a legalidade de uma lei não devem limitar-se a revogar essa lei. Devem tão-só enviar a lei para quem de direito, o Tribunal Constitucional, para aferir da sua constitucionalidade. Bastam 23 deputados para fazer um pedido de fiscalização sucessiva junto do TC, um número que nem o PS, nem o PSD teriam grandes dificuldades em arregimentar.
Esta sexta-feira Isabel Moreira, do PS, veio admitir precisamente, com alguma indignação pelo meio, poder suscitar a inconstitucionalidade da suspensão das subvenções vitalícias. Isso é o que PS e PSD deveriam ter feito logo de início. Aliás, se tivessem dúvidas já o deveriam ter feito em Janeiro quando o Orçamento de 2014 entrou em vigor. Por que é que só agora é que se lembraram? O que fica é a sensação de que os deputados dos dois maiores partidos não quiseram assumir politicamente o ónus de uma decisão pouco popular, procurando ao invés argumentos com validade jurídica duvidosa para repor um benefício que por alguma razão foi extinto desde 2005.