Espanha celebra em 2025 os 50 anos da morte de Franco com críticas da direita
Iniciativa promovida pelo executivo de Pedro Sánchez foi criticada por se centrar na morte do ditador e não na celebração da Constituição, aprovada em 1978.
Espanha assinala em 2025 os 50 anos da morte do ditador Francisco Franco e da chegada da democracia com mais de uma centena de actividades, numa iniciativa do Governo socialista, que a direita, porém, critica.
A troca de acusações a propósito deste assunto voltou a colocar no espaço público o debate sobre o difícil trabalho de memória histórica em Espanha relativamente à ditadura de Franco e à designada “transição espanhola” para a democracia.
O crescimento da extrema-direita e da presença do Vox nas instituições, incluindo parlamentos e governos regionais, acentuou esta divisão nos últimos anos, tendo mesmo a Organização das Nações Unidas (ONU) apelado a Espanha, em Abril passado, num relatório, para adoptar medidas para que seja garantida "a preservação da memória colectiva" das violações de Direitos Humanos como as cometidas durante a ditadura de Francisco Franco (1939-1978) e a guerra civil de 1936-39.
Um grupo de relatores da ONU pronunciou-se por causa de leis propostas por governos regionais formados por coligações do Partido Popular (PP, direita) e do Vox (extrema-direita), entretanto desfeitas, e que punham em causa a preservação daquela memória.
Francisco Franco morreu a 20 de Novembro de 1975 e arranca a 8 de Janeiro um calendário com mais de cem actividades "nas ruas, escolas, universidades e museus" sob o lema "Espanha em liberdade", que ao longo de 2025 celebrará a democracia e tentará, segundo o governo, a ter um objectivo pedagógico, explicando o que significou viver em ditadura.
Nestes 50 anos, Espanha passou a ser "uma das democracias mais plenas do mundo", mas "essa vitória nunca é definitiva" e "existe um perigo real de involução" actualmente, disse o primeiro-ministro, o socialista Pedro Sánchez, a 10 de Dezembro, quando anunciou o calendário de actividades a propósito dos 50 anos da morte de Franco.
"Hoje, discursos de reivindicação da ditadura profanam até o templo da democracia, que é o Congresso dos Deputados", realçou o líder do Governo, que se referia a deputados do Vox, que recentemente fizeram a apologia do franquismo no plenário ao negar que tenha sido "uma etapa obscura".
Dias mais tarde, e já depois de ter ouvido críticas por causa desta iniciativa, Sánchez acrescentou que as actividades para celebrar a "Espanha em liberdade" foram desenhadas por "uma comissão de peritos" e são de carácter "informativo, objectivo e científico", com o propósito de "explicar estes anos em liberdade e o que significou a ditadura" num momento em que se voltam a ouvir "discursos fascistas".
O presidente do Partido Popular (PP, centro-direita), Alberto Núñez Feijóo, acusou Sánchez de "desenterrar Franco" num momento de "desespero e decadência" da governação e de "agir como nostálgico do confronto entre espanhóis". "Eles com a sua amargura de voltar aos anos 40, 50, 60 e 70. Que preguiça! E nós com os espanhóis de hoje, a trabalhar também para os espanhóis de amanhã", afirmou.
Uma das críticas mais comentadas e violenta a Sánchez veio de outra dirigente do PP, a presidente do governo regional de Madrid, Isabel Díaz Ayuso, que na rede social X acusou o primeiro-ministro de ter enlouquecido e ter decidido "queimar as ruas e provocar violência" com as celebrações dos 50 anos da morte de Franco.
Outras vozes do PP, mais moderadas, questionaram que o pretexto para celebrar a democracia seja a morte do ditador, dando-lhe protagonismo, e não as primeiras eleições ou a aprovação da Constituição de 1978, que instituiu o regime actual e é já assinalada em Espanha com um feriado nacional.
Para o presidente da Associação para a Recuperação da Memória Histórica (ARMH) de Espanha, Emilio Silva, o que o PP fez não foi atacar Sánchez, mas adoptar uma atitude defensiva, atendendo ao papel dos seus dirigentes na ditadura e depois na transição.
O próximo ano será "um momento interessante na disputa cultural" que permanece e se vive no país, declarou. Espanha tem "uma direita que ainda não quer aceitar realmente toda a cultura que implica uma democracia e rejeitar a ditadura", afirmou, em declarações a jornalistas. Emilio Silva lembrou que o PP tem entre os seus fundadores antigos ministros de Franco e defendeu que o partido tem ainda "de ajustar contas com a sua própria história".
O presidente da associação realçou que "neste choque" está, porém, optimista e considerou que o PP, apesar de tudo, tem dado pequenos passos no sentido certo nos últimos meses, livrando-se, por exemplo, de alguma influência do Vox em governo regionais. Emilio Silva considerou positiva a iniciativa do Governo espanhol, defendendo que celebrar o desaparecimento de um ditador "deveria ser algo natural para quem acredita na democracia". "E neste país, infelizmente, não se pôde celebrar", acrescentou, numa referência ao processo da "transição espanhola".