Senhor ministro, deixe-nos trabalhar!
As propostas para a falta de professores não trazem nada de novo em relação à década de 1980. Parece que ninguém percebeu que o mundo mudou, que houve uma revolução digital e que a IA hoje é ubíqua.
Na terça-feira, acordámos com o título no PÚBLICO online a informar que o “país se arrisca a não ter professores para substituir os que faltam ou se reformam já em 2026”. Um estudo da Edulog, que analisa os dados do concurso de professores para o Estado, conclui que não vai haver professores já em 2026 (como se nos últimos anos não houvesse já milhares de alunos nas escolas públicas estatais sem docente a pelo menos uma disciplina!). O tema não é novo: já em 2021 uma equipa da Nova SBE e da Direção-Geral das Estatísticas da Educação e Ciência alertava para este facto. Mas, até à data, nada de relevante foi feito pelos sucessivos governos. Nem penso que venha a haver melhorias no futuro.
O sistema de formação inicial e recrutamento de professores para as escolas públicas estatais que temos foi criado na década de 80, numa altura em que apenas 15% dos alunos com 15 anos iam para o ensino secundário, a taxa de analfabetismo rondava os 20% e quase 70% da população ativa não tinha o 9.º ano completo. Hoje, o ensino é obrigatório até aos 18 anos, praticamente todos os alunos concluem o ensino secundário, a taxa de analfabetismo é de 2% e a população ativa com ensino superior completo é de 24%. No entanto, as propostas de solução para o problema da falta de professores nas escolas, que vemos discutidas na praça pública, não trazem nada de novo em relação ao sistema da década de 1980. Parece que ninguém percebeu que o mundo mudou, e que Portugal mudou ainda mais. Ninguém percebeu que entre 1980 e 2024 houve uma revolução digital e que hoje a inteligência artificial é ubíqua.
Alguém pensa mesmo que “dar mais recursos às escolas de formação de professores”, “abrir mais vagas para os cursos de formação inicial”, “melhorar o nível remuneratório da carreira docente”, “rever as regras da profissionalização em serviço” são solução? E alguém fez as contas de custo-benefício de cada medida? Não. E alguma destas propostas mexe no statu quo do sistema de formação inicial de professores e do processo de recrutamento de professores para as escolas públicas estatais? Não. E aqui reside a origem do problema: o sistema de formação inicial e o mecanismo de recrutamento para o Estado criaram monopólios – laborais e de poder – que nenhum Governo tem coragem de afrontar. O imobilismo estrutural do sistema é condição de manutenção do poder das forças mais conservadoras da educação, que apenas são progressistas no discurso.
Para a AEEP, associação que representa o ensino privado, a questão da falta de professores não é um problema, mas uma oportunidade! Uma oportunidade para uma mudança estrutural que nos permita trazer novos e diferentes talentos para o ensino.
Desde 2013, temos vindo a defender que a habilitação mínima exigida para lecionar no ensino privado seja a licenciatura (pré-Bolonha) ou mestrado (pós-Bolonha). Isto porque no privado o recrutamento dos docentes é feito pela direção, e nenhuma direção quer maus professores. No ensino privado, podemos dar aos nossos colaboradores a formação de que cada um necessita, e as lideranças acompanham o exercício profissional de cada um para ter a certeza de que prestamos o melhor serviço educativo que somos capazes. No ensino privado, trabalhamos efetivamente em equipa, porque em equipa fazemos melhor do que isoladamente. Por tudo isto, não vemos qualquer dificuldade em dar formação a quem queira ser docente, mas não tenha habilitação profissional.
Mas há mais, quem diz que a formação inicial de docente é garantia de qualidade? No ensino privado, há quem chegue a fazer provas de Português e Matemática aos candidatos com formação profissional, para ter a certeza de que têm a competência necessária para trabalhar connosco. Ao contrário do público estatal, no ensino privado, se os alunos não tiverem aulas ou um professor não estiver à altura, os pais podem escolher outra escola e o colégio fecha. É um incentivo diário e muito poderoso.
Acreditamos que há muito talento entre os jovens licenciados e mestrados que não fizeram formação inicial de professores. Queremos atrair mestres em Sociologia, Serviço Social, Medicina, Engenharia, Arquitetura, Direito, Marketing, Gestão, Economia, para o ensino. Nem que seja por um tempo, o que aliás é a expetativa dos jovens mais talentosos que chegam hoje ao mercado de trabalho. Temos capacidade para lhes dar a formação de que necessitam e o enquadramento profissional necessário.
Apenas falta uma coisa: senhor ministro, deixe-nos trabalhar! Manter o ensino privado ao statu quo das lógicas profissionais dos anos 80, sem nenhum motivo a não ser o medo da mudança, não é justo e atrasa o futuro.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico