Casulo, Cocoon ou o sítio dos movimentos livres e transformadores
Um baloiço sensorial com vista para um prado, num parque em plena Viana do Castelo. E livros encenados, jogos de areia, tostas com nomes de insectos e larvas que se transformam em borboletas.
Inspirar, expirar, abrir uma nesga do pano azul do baloiço sensorial e contemplar o prado e os choupos, pé descalço, o nosso primeiro estado. Casulo, Cocoon — na nossa memória a visita dos extraterrestres e os idosos que escolhem ser jovens para sempre —, "transformação, renascimento e renovação", um espaço único no coração de um espaço único, um open space realmente aberto, à comunidade e à cidade de natureza proeminente, à participação e ao movimento, aos livros encenados e aos jogos de areia e lama, às ervas ricas e aos insectos e aos artesãos e aos artistas. Ah!, e com uma ementa vegetariana quase vegana, sem glúten, feita de produtos sempre que possível sazonais e o mais possível sustentáveis.
"Somos uns bichos", sorri Rute Esteves, metida no seu Casulo, uma cápsula para muitas coisas e um espaço de crescimento de todos os que precisam de abrandar através do contacto com o chão, a terra e os bálsamos fornecidos pela natureza. "Ficar em paz. Aprender estratégias de sobrevivência que não sejam autodestrutivas", vai mencionando a terapeuta (Mestrado em Dança, Movimento e Terapia pela Universidade Autónoma de Barcelona, entre muitas aprendizagens e ensinamentos), que a Fugas conhecera antes da pandemia enquanto gestora do espaço Dona Emília e hoje consciente de que estamos num "momento diferente". "Estamos todos muito cansados, tão longe da nossa natureza, tão afastados do que somos realmente, do nosso corpo, que é a nossa casa e o transporte para a vida."
As pessoas que a procuravam chegavam "dissociadas do corpo", "desligadas das coisas simples". "Ter os pés assentes. Só assim tens consciência da natureza", explica. Se nos tempos que correm o nosso corpo "vive em estado de sobrevivência", é preciso fornecer-lhe novas estratégias, ensinar-lhe movimentos, criar ambientes propícios. "É preciso dizer ao sistema que este é um lugar seguro. É como a dança, que pode significar apenas aprender a descansar".
Passado o projecto Dona Emília, Rute (1980) olhou para a encosta do monte de Santa Luzia e começou a imaginar casulos nas árvores. Depois ("luzinha aqui dentro"), sentiu que casulo era um modo de estar ("regressão, encolhimento e acolhimento") e que esse "sistema sensível", esse "processo de transformação", seria perfeito para integrar em harmonia a missão do CMIA (Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental) em pleno Parque Ecológico Urbano de Viana do Castelo, um espaço natural com cerca de 20 hectares que resultou da intervenção do Programa Polis e que para muitos vianenses era e ainda é uma espécie de alienígena.
O Casulo de betão e vidros imensos está plantado junto ao prado e perto do pomar de macieiras, pereiras e marmeleiros. O caminho até lá vai destapando um ou outro muro longo de pedra antigos — memória da utilização agrícola deste braço do estuário do Lima —, um amplo espaço de merendas, um pinhal, um espaço agrícola demonstrativo, um centro de leitura ao ar livre e inúmeros espaços de recreio e lazer, enormes bancos de areia, baloiços e árvores frondosas que se fundem com a natureza, com a linha de água doce, que diariamente recebe a maré de água salobra, com amieiros e salgueiros, arbustos e ervas altas e, com sorte, guarda-rios, garças, maçaricos e outros visitantes.
Também somos efémeros visitantes, sujeitos a mutações. "Estamos no centro da cidade sem termos essa noção", diz-nos Leonor Cruz, coordenadora do Parque. Originalmente concebido para ser uma cafetaria, o cubo de betão já foi explorado pelos serviços sociais da Câmara Municipal e ganhou recentemente uma "visão integradora". "Na sociedade estandardizada em que vivemos, acelerada, de normas e de regras, sentimos dificuldade em saber estar, só estar", aponta Leonor, sentada no terraço virado para o parque infantil (que em breve será remodelado) e onde figura um painel cerâmico feito de esculturas de grés vidrado comemorativo do 50.º aniversário da APPACDM de Viana do Castelo.
Estar mais perto dos ritmos da natureza
Casulo, Parque Ecológico Urbano... Não faz sentido falar de um sem mencionar o outro. Tudo parece agora fazer parte de um grande Casulo, de uma redoma que se abre para proteger a nossa essência e para acompanhar a nossa mutação de larva em algo. "É uma metáfora romântica, mas gosto desta ideia de que as pessoas se transformem numa borboleta — e voar por aí", sorri Rute. "Numa sociedade frenética, num ritmo não saudável, conseguimos estar mais perto dos ritmos da natureza. Espero que cada pessoa possa voltar à sua vida de uma forma mais leve. Introspecção e transformação. O Casulo é isso, um processo de transformação."
O próprio Casulo vai-se transformando. Transforma-se sempre que Rute ou o companheiro Nuno Freitas (responsável pela arquitectura dos interiores) resgatam mais uma peça para o puzzle, os sofás da avó, os baloiços ou as cadeiras de madeira e as mesinhas com tampo de mármore do Café Avenida, do avô José Esteves, e da Pastelaria Dantas, do bisavô Manuel Dantas; transforma-se sempre que aparece uma Francielly "Fran" Moreira (a Santa do Chá, o seu braço direito, é todo um tratado de infusões artesanais e de saberes ancestrais); e transforma-se especialmente às terças-feiras, altura em que o Casulo se esvazia de móveis e de objectos e passa a ser um espaço de Actividades Terapêuticas e de Conhecimento. "Interessam-me muito as relações intergeracionais, as questões da solidão e do envelhecimento", explica-nos Rute.
O Casulo é como o nosso corpo, "um habitat orgânico e vivo", "um sistema com vários sistemas", um quadro de giz por riscar e uma zona de pé descalço, livros para ler, jogos para jogar e vinil a tocar, movimentos simples, cabide de ervas aromáticas da horta do parque e um menu fixo e vegetariano, com pequeno-almoço o dia todo, doces veganos, tostas com pão da Coqueta e nome de bichos do parque (Borboleta, Mariposa, Libelinha, Beija-Flor, Louva-a-Deus, Besouro, Formiga, Abelha e Vespa) e alguns especiais: salada Casulo, hambúrguer de feijão vermelho Ninho, alheira Colmeia, feijoada de tofu Alecrim, estufado de lentilhas Lavanda e caril de grão Girassol.
Já escrevemos tudo — e ainda nem saímos do nosso casulo.
— Ficamos mais um bocado por aqui, ok?
— "Antes éramos menos, mas menos sozinhos. Hoje somos mais, mas mais sozinhos."
Inspirar, expirar, transformar.