O mal-estar económico da China está a acelerar as taxas de obesidade

O stress profissional, as longas horas de trabalho e os regimes alimentares deficientes são factores de risco cada vez mais elevados nas cidades, enquanto nas zonas rurais o trabalho é menos exigente.

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A proporção de rapazes obesos na China aumentou de 1,3% em 1990 para 15,2% em 2022 Toby Melville/REUTERS (arquivo)
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À medida que a China constrói menos casas e pontes, que os seus consumidores compram refeições mais baratas e menos saudáveis e que as fábricas e as explorações agrícolas investem na automatização, está a surgir um novo desafio: a taxa de obesidade do país pode crescer muito mais rapidamente e aumentar os custos dos cuidados de saúde.

O stress profissional, as longas horas de trabalho e os regimes alimentares deficientes são factores de risco cada vez mais elevados nas cidades, enquanto nas zonas rurais o trabalho agrícola está a tornar-se menos exigente do ponto de vista físico e os cuidados de saúde inadequados estão a conduzir a um rastreio e tratamento deficientes dos problemas de excesso peso, afirmam médicos e académicos.

A China enfrenta um duplo desafio que alimenta o seu problema de peso: numa economia em modernização, apoiada pela inovação tecnológica, cada vez mais postos de trabalho se tornaram sedentários, enquanto um abrandamento prolongado do crescimento está a forçar as pessoas a adoptarem dietas mais baratas e pouco saudáveis.

Com a habitação e as infra-estruturas já abundantes, por exemplo, milhões de trabalhadores trocaram, nos últimos anos, os empregos na construção e na indústria transformadora pela condução em empresas de partilha de boleias ou de entregas.

Num ambiente deflacionário, os consumidores preferem refeições mais baratas, que podem ser pouco saudáveis. Os pais reduzem as aulas de natação ou de outros desportos. O mercado de fast food da China deverá atingir 1,8 biliões de yuans (228 mil milhões de euros) em 2025, contra os 892 mil milhões de yuans (113 mil milhões de euros) registados em 2017, de acordo com a Daxue Consulting.

“As recessões económicas conduzem frequentemente a mudanças nos estilos de vida das pessoas”, afirmou Yanzhong Huang, membro sénior para a saúde global no Conselho das Relações Externas. “Os hábitos alimentares podem tornar-se irregulares e as actividades sociais podem diminuir.”

“Estas alterações nas rotinas diárias podem contribuir para um aumento da incidência da obesidade e, consequentemente, da diabetes”, afirmou, acrescentando que espera que as taxas de obesidade continuem a “aumentar exponencialmente, sobrecarregando o sistema de saúde”.

Em Julho, Guo Yanhong, um alto funcionário da Comissão Nacional de Saúde (NHC), afirmou que as pessoas obesas e com excesso de peso representam “um importante problema de saúde pública”. A NHC não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.

No mesmo mês, a agência noticiosa oficial da China, Xinhua, referiu que mais de metade dos adultos do país é obesa ou tem excesso de peso, um valor superior à estimativa de 37% fornecida pela Organização Mundial da Saúde.

Um estudo da BMC Public Health estima que os custos dos tratamentos relacionados com o peso deverão aumentar para 22% do orçamento da saúde, ou seja, 418 mil milhões de yuans, até 2030, contra 8% em 2022. A estimativa é “conservadora”, e não tem em conta o aumento dos custos dos cuidados de saúde.

Esta situação irá aumentar a pressão sobre as administrações locais endividadas e reduzir a capacidade da China para canalizar recursos para áreas mais produtivas, a fim de estimular o crescimento.

Campanha de sensibilização

Em Julho, o NHC da China e 15 outros departamentos governamentais lançaram uma campanha de sensibilização pública para combater a obesidade. A campanha, com uma duração prevista de três anos, articula-se em torno de oito slogans: “compromisso ao longo da vida, monitorização activa, dieta equilibrada, actividade física, bom sono, objectivos razoáveis e acção familiar”.

Em Julho, foram distribuídas directrizes de saúde às escolas primárias e secundárias, apelando à realização de rastreios regulares, à prática de exercício físico diário, à contratação de nutricionistas e à implementação de hábitos alimentares saudáveis — incluindo a redução do sal, do óleo e do açúcar.

A OMS define uma pessoa com excesso de peso como alguém com um índice de massa corporal (IMC) igual ou superior a 25; a obesidade é declarada com o IMC igual ou superior a 30.

Apenas 8% dos chineses são considerados obesos, mais do que os vizinhos Japão e Coreia do Sul, mas muito abaixo da taxa de 42% dos Estados Unidos, segundo dados da OMS. Isto deve-se, em parte, ao facto de se tratar de um problema relativamente novo na China, que sofreu uma fome generalizada ainda na década de 1960.

“A China passou por uma transição epidemiológica em que as doenças associadas à subnutrição mudaram para um aumento de pessoas com dietas pouco saudáveis e estilos de vida sedentários”, disse Christina Meyer, analista de políticas de saúde da RTI International em Seattle.

Factores estruturais

À medida que os consumidores e os trabalhadores se adaptam às mudanças estruturais numa economia que se urbaniza rapidamente na próxima década, muitos chineses com excesso de peso poderão ultrapassar o limiar da obesidade, segundo os médicos.

“A recessão económica na China poderá levar a um aumento do consumo de alimentos de baixa qualidade, como fast food, devido à diminuição dos rendimentos”, afirma Jun Sung Kim, economista da Universidade de Sungkyunkwan, na Coreia do Sul. “Isto, por sua vez, pode contribuir para a obesidade”.

O novo impulso da China para aumentar as taxas de urbanização é particularmente preocupante, tendo em conta a sua cultura de trabalho de turnos de 12 horas, seis dias por semana.

Pui Kie Su, médico de clínica geral do Raffles Hospital Beijing, afirma que alguns pacientes dizem que comem para “desestressar” do trabalho.

A proporção de rapazes obesos na China aumentou de 1,3% em 1990 para 15,2% em 2022, ficando atrás dos 22% dos Estados Unidos, mas acima dos 6% do Japão, dos 12% da Grã-Bretanha e do Canadá e dos 4% da Índia. A obesidade nas raparigas aumentou para 7,7% em 2022, contra 0,6% em 1990.

Muitos estudantes compram lanches no portão da escola ou a caminho de casa, que geralmente são ricos em sal, açúcar e óleo, diz Li Duo, professor chefe de nutrição da Universidade de Qingdao.

Li Duo acrescentou que o Governo deveria “continuar a comunicar” com as empresas alimentares, as escolas, as comunidades e os retalhistas sobre os riscos de obesidade causados pela comida de plástico ou pelas bebidas açucaradas. E declarou: “A China deveria proibir a venda de comida de plástico e bebidas açucaradas nas escolas e não deveria haver lojas que vendessem comida de plástico a uma certa distância das escolas.”

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