Regulamentar o lobbying é só uma ajuda para a transparência, não a cura para a corrupção
Partidos vão retomar a regulamentação da representação de interesses em breve. O assunto está também no radar do Governo, pelo que poderá ser desta que haverá lei.
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Em 2019, a bebé Matilde, diagnosticada com atrofia muscular espinal (AME) tipo 1, deu a conhecer à opinião pública a doença rara que voltaria agora à ribalta por causa das gémeas luso-brasileiras tratadas no Santa Maria com o Zolgensma. A campanha organizada pela família e amigos permitiu que Matilde fosse a primeira a receber o medicamento mais caro do mundo mas não só: foi por sua causa que o rastreamento à AME acabou por ser incluído no chamado teste do pezinho em 2022.
O processo clínico da criança desenvolveu-se a par com outro, de lobbying, para o início desse rastreio, que implicou toda uma campanha de informação e contactos que incluíram a Associação Portuguesa de Doenças Neuromusculares, o Insa – Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, a ERS – Entidade Reguladora da Saúde, a constituição de um think tank com especialistas das áreas de genética, bioética, doenças neuromusculares, direitos da criança; mas também os grupos parlamentares e o Ministério da Saúde. “Reunimos valências científicas para mostrar a poupança e a vantagem do combate à doença que significa identificá-la mais cedo”, recorda Sofia Cartó, presidente da nova Associação Public Affairs Portugal (PAPT) sobre um caso que se encaixa na definição do que se considera representação de interesses.
Para alguns, este será o exemplo do “bom lobbying”, porque esta actividade está sobretudo conotada com os aspectos mais negativos da influência que pessoas, grupos de interesse e empresas podem exercer sobre os decisores políticos. Porém, não se pode regulamentar a gosto, isto é, apenas para alguns assuntos. Daí que os cuidados na elaboração de legislação sólida sejam demorados – embora nada explique os adiamentos em Portugal.
Em 2021, uma tese de mestrado da Escola Superior de Comunicação Social precisamente sobre a dificuldade de legislar sobre o tema concluía pela “existência de deputados-lobbyistas” em que eram os próprios parlamentares que não estariam interessados em fazer a regulamentação porque perderiam o “acesso facilitado aos decisores políticos – eles mesmos ou até colegas de bancada”. Ora, não é possível, nem nos projectos que já estiveram em debate em Portugal nem em qualquer outro país onde o lobbying é legal, a acumulação dessas duas actividades.
Independentemente de “culpados” pelo atraso, o mercado de public affairs tem vindo a desenvolver-se, a associação que representa o sector (se é que se pode usar a designação para algo que, afinal, não existe formalmente como actividade) constituiu-se em Maio e conta com 15 membros entre individuais e empresas, estando mais uma dezena a analisar a adesão. Não há dados sobre quantas empresas operam em Portugal na representação de interesses sob o manto da consultoria, admite Sofia Cartó, mas os sectores mais representativos serão os da energia e combustíveis, retalho, consumo e automóveis.
“Regulamentar a actividade permitirá criar balizas para que se perceba o que é lobbying e o que não é, ou seja, é apresentar um ponto de vista a um decisor público e este toma a sua decisão informado. E não é tráfico de influências, não é vender ou proporcionar uma rede de contactos, e não é pedir ou fazer favores”, defende a consultora.
Nessas balizas incluem-se os pontos que a associação enviou ao Governo na consulta pública sobre a agenda anticorrupção: criação de um registo centralizado de transparência da representação de interesses de carácter obrigatório e público onde se inscrevam as empresas e profissionais que exercem a actividade (em nome próprio ou de terceiros) para poderem interagir com as entidades públicas nacionais, indicando expressamente todos os interesses que representam; criação de um código de conduta; registo de todos os contactos dos lobbyistas com as entidades públicas (uma agenda pública); a pegada legislativa de cada decisão do legislador e decisor deve ser pública.
Estas são também as condições gerais que os partidos têm incluído nos seus projectos, acrescidos de sanções para os infractores, que podem ir da suspensão do registo (o que os impede de exercer a actividade) à proibição. E também propõem regras para ex-políticos, como um período de nojo de alguns anos, ou de impedimento da actividade para familiares de políticos no activo. Paulo Portas, que pouco tempo depois de deixar o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros em 2015, passou a ser consultor de uma série de empresas multinacionais e de entidades ligadas à diplomacia de negócios, não poderia estar registado como lobbyista se a lei estivesse em vigor.
E como é que o sector do lobby tenciona fazer lobbying em favor de si próprio? “É preciso criar literacia sobre isso nos cidadãos. Vamos procurar que haja formação sobre o tema em vários graus de ensino, até pós-graduações; incentivar a formação dos funcionários das entidades públicas; promover debates sobre as propostas que estiverem em discussão”, elenca Sofia Cartó.
“Regulamentar o lobbying não vai acabar com a corrupção em Portugal, mas vai tornar as práticas corruptas mais difíceis e mais fáceis de detectar”, considera Sofia Cartó. A ideia de que não há aqui qualquer remédio ou cura é um aviso vindo também de Margarida Mano, presidente da Associação Cívica Transparência e Integridade, e de Henrique Burnay, lobbyista em Bruxelas há dezena e meia de anos.
“Legislamos e ficamos descansados? Não. Não é a regulação que vai evitar situações de um mau exercício das funções públicas”, aponta Margarida Mano. “O lobby legalizado é um instrumento de apoio a uma maior transparência em democracia; não é o remédio para os problemas da corrupção e dos conflitos de interesse.”
“Vai permitir maior transparência no processo” e também que as decisões sejam tomadas “com a informação e o envolvimento de todas as partes”, acrescenta, salientando que os decisores não poderão receber apenas um lado da questão e recusar os outros – e se o fizerem então isso saber-se-á e pode questionar-se se acautelaram todos os interesses.
“Claro que as pessoas têm conhecimentos pessoais e profissionais que podem influenciar as suas decisões, podem ter encontros não formais, mas o cerne da questão é que não poderão evitar ouvir todos. É fundamental que a formulação da decisão tenha um rasto que permita identificar contactos para a transparência do processo”, defende Margarida Mano que adverte que essa clareza é mais facilmente identificada no processo legislativo do Parlamento do que nas decisões em funções executivas, como no Governo.
As “boleias” que mancham o nome
Henrique Burnay, por seu lado, lamenta que a discussão sobre a regulamentação do lobbying tenha reaparecido “com o pior dos argumentos, à boleia da Influencer, em Portugal, da mesma maneira que se voltou a falar da actividade em Bruxelas por causa do Qatargate”. E compara: “Ter uma lei do lobbying é como o Código da Estrada: serve para que quem quer cumprir as regras as cumpra, mas não significa que todos cumpram.”
“Mal de nós se as empresas não reunissem com membros do Governo e é normal querer influenciar decisões; o que deixa de ser normal é se o processo for ilegítimo, se houver pressões ilegais, se se prometer vantagens”, defende Burnay, consultor em assuntos europeus e sócio da Eupportunity, registada em Bruxelas. Que sublinha também a obrigação da diversidade: “A Comissão Europeia ouve muita gente, tem que manter o equilíbrio e não ouvir apenas as grandes empresas alemãs e francesas.”
Ter os contactos registados permite “ser-se escrutinado e fiscalizado pelo que se fez”. Dos dois lados: de quem decide e de quem representa interesses. Essa obrigação de registo dos contactos tem “efeito de dissuasão” de práticas menos legais, “mas não resolve situações que sejam crimes”. “Não encontro nenhuma razão para não se saber quem reúne com quem e quem representa os interesses de quem. Não é vergonha nenhuma”, afirma o lobbyista, que acrescenta que em Bruxelas até é norma que se peçam as anotações das reuniões realizadas – excluindo informações confidenciais, como o valor de um investimento, por exemplo.
“A regulamentação do lobbying encaixa apenas na medida em que regulamenta práticas que existem, vem tirar o manto de suspeita que muitas vezes existe. Vem dar algum respaldo e tranquilidade aos operadores económicos porque define regras. Depois da operação Influencer, os investidores estrangeiros olharam com preocupação para Portugal porque a mancha em torno do que era lícito e ilícito ficou muito estranha”, comenta Henrique Burnay.
O consultor nota uma melhoria na percepção social sobre os lobbyistas, apesar de muitos serem ex-políticos, classe que nem sempre tem grande apreciação na opinião pública. E porque as empresas preferem os ex-políticos? “Para os agentes económicos, é importante saber quais os factores que fazem ou influenciam os decisores a decidirem. A ideia de que os ex-políticos são lobbyistas porque conhecem muita gente e vão fazer favores é conspiracionista”, defende Henrique Burnay. “É sobretudo por conhecerem o processo político, a sua lógica e por perceberem como pensa e como decide um político.”
Apesar dessa melhoria de imagem, admite que as empresas não usam no nome o termo lobby, preferindo “designações mais leves como consultoria, relações institucionais ou public affairs”.
Numa sondagem realizada a propósito dos 50 anos do 25 de Abril feita pelo Instituto de Ciências Sociais e pelo Iscte, 65% dos inquiridos consideraram que o país está pior do que em 1974 na questão da corrupção. Na mesma altura, num estudo da Aximage, 94% concordavam que a corrupção representa um problema para o próprio regime democrático e, destes, 66% diziam que o risco é “muito grande”; apontavam os partidos políticos (64%) e a administração pública (57%) como as instituições onde os casos de corrupção são frequentes. Há um ano, ainda antes do caso Influencer, numa sondagem do Cesop para o PÚBLICO e RTP, 12% dos inquiridos diziam que a corrupção era o principal problema do país; há um mês, essa era a principal preocupação apenas para 7%, embora se mantivesse em terceiro lugar dos problemas apontados.
Há dois anos, Marco Lisi coordenou o estudo Os grupos de interesse no sistema político português, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que concluiu que a opinião pública tem uma boa percepção dos grupos que defendem interesses ambientalistas, mas que tem pouca confiança em organizações ligadas a interesses religiosos, sindicatos e associações profissionais. “Também há uma grande desconfiança na relação que os políticos têm com as sociedades de advogados, apontando-se falta de transparência”, descreve o investigador, que acrescenta haver “consciência de que existe grande opacidade nessa relação e que seria benéfico impor maior controlo e regras específicas”.
Lisi afirma que os inquéritos mostraram a percepção de uma “promiscuidade entre partidos, políticos e grupos de interesse” que geram “crítica e desconfiança na opinião pública”. “Para mudar isto, seria desejável a regulamentação do lobbying, mas com regras fortes e fiscalização, porque ser só de fachada não resolve nem o problema nem a percepção pública.”
Por isso, Marco Lisi considera que a regulamentação deve abranger o Parlamento mas também o Governo e a Presidência – sabe-se quem os deputados recebem, mas não com quem reúnem os membros do executivo nem quem o Presidente da República ouve antes de decidir promulgar um diploma. O ideal seria até perceber como se tomam as decisões dentro dos partidos, ou seja que legislação propor, mapeando todo o tipo de contactos. Uma tarefa hercúlea, “mas é legítima porque há leis muito técnicas ou com implicações de grande peso”.
Governo ou PSD?
Luís Montenegro assinalou o combate à corrupção como uma das prioridades do seu Governo, mandatou a ministra da Justiça, Rita Júdice, para dialogar com o Parlamento, e apresentou um plano de prevenção e combate à corrupção que colocou em consulta pública. A regulamentação do lobbying foi apontada como fundamental pela maioria dos partidos e o executivo incluiu a medida no plano. Mas agora ainda não sabe se avançará com uma proposta ou se deixará o dossier para a iniciativa parlamentar dos partidos, disse ao PÚBLICO fonte do gabinete da ministra, confirmada também pelo do ministro dos Assuntos Parlamentares e pela deputada Paula Margarido, coordenadora do PSD na Comissão de Transparência.
Se não há dúvidas do lado do CDS, um dos pioneiros a avançar com um diploma e que até o votou ao lado do PS há cinco anos, remeter o assunto exclusivamente para a Assembleia da República seria uma oportunidade para o PSD assumir o que pretende fazer nesta área, depois de anos com dificuldades em acertar o rumo. Se no tempo de Passos Coelho o secretário de Estado Pedro Lomba tentou lançar o debate sobre a regulamentação mas ficou pelo caminho, na legislatura seguinte, já com o PS, na Comissão para o Reforço da Transparência os sociais-democratas mostraram-se sempre muito cautelosos. O projecto de lei de alguns deputados da JSD foi recebido na bancada com desconforto, e o PSD acabou por se abster na votação da proposta do PS e do CDS, ainda assim ajudando a viabilizá-la.
Depois da saída de Passos, o PSD estava à espera de Rui Rio para assumir posição. Além do tempo que demorou, o partido teve algumas decisões polémicas no processo legislativo: chumbou a regra da obrigatoriedade de as entidades lobbyistas declararem quem estavam a representar quando marcassem audiências com os decisores políticos – o que deixava a lei coxa e mereceu críticas das associações de transparência.
O diploma acabou por ser vetado em Belém – porque, argumentou Marcelo, deixava de fora a Presidência da República, não obrigava à declaração de todos os interesses representados pela entidade lobbyista mas apenas dos principais, nem dos rendimentos da actividade. Depois de o processo de regulamentação, já com novos textos mais sólidos, ter ficado pendurado pela dissolução do Parlamento no final de 2021, voltou a acontecer o mesmo em Janeiro deste ano, sempre com o PSD a pedir adiamentos, apesar de ter apresentado um projecto com o texto que desenhara com o PS há dois anos.
Margarida Mano e Henrique Burnay não entendem a opção de PS e PSD deixarem de fora os advogados, lembrando que em Bruxelas não há esse regime de incompatibilidade, embora haja uma distinção em relação aos chamados actos próprios dos advogados. Mas até essa questão pode ser de curto prazo. O deputado socialista Pedro Delgado Alves afirmou ao PÚBLICO que a “base essencial” da proposta do PS será a mesma, mas admite que “alguns aspectos que resultaram do debate e dos pareceres recebidos poderão sofrer alterações”. O partido está precisamente a analisar “a questão de como assegurar a situação específica dos advogados”.
Para já, apenas o PAN e a IL apresentaram projectos de lei nesta nova legislatura. O PS pretende apresentar o seu projecto ainda nesta sessão legislativa, garante Pedro Delgado Alves.
“Legaliza o tráfico de influências”, apontam PCP e Bloco
Comunistas e bloquistas são os únicos críticos da regulamentação do lobbying. O PCP lembra que isso é uma “reivindicação já antiga de algumas agências de comunicação e escritórios de advogados (…) especializados em influenciar as decisões políticas num sentido favorável aos interesses económicos privados de quem os contrata”. O objectivo é criar “um mercado em que possam vender aos seus potenciais clientes serviços de representação dos seus interesses junto dos órgãos de soberania”.
“Apesar de ser apresentada erradamente como uma medida de combate à corrupção, na verdade, do que se trata afinal é de legalizar o tráfico de influências”, considera o partido numa resposta escrita enviada ao PÚBLICO e que traduz os argumentos que os deputados têm defendido no Parlamento nos vários debates sobre o tema. “A transparência do processo legislativo é uma exigência democrática que se consegue através da máxima publicitação dos trabalhos parlamentares, o que a Assembleia da República já garante no essencial”, realça o partido liderado por Paulo Raimundo, numa referência à agenda que consta no site do Parlamento. Para além das reuniões de comissões e plenárias, ali são inscritas algumas dezenas de audiências semanais dos vários partidos e dos deputados únicos.
Fabian Figueiredo, líder parlamentar do Bloco, defende que “regulamentar o lobbying não resolve qualquer problema”. “Representar interesses privados junto de poderes públicos pode ser um bom negócio para quem o faz, mas regulá-lo não muda nada na luta contra a corrupção”, acrescenta. “Não faltam exemplos em que, sob a regulamentação mais apertada possível, interesses privados exercem corrupção e tráfico de influências à margem de todos os registos e procedimentos formais. Um exemplo recente é o escândalo em torno das pressões ilegais feitas pelo Qatar e por Marrocos sobre responsáveis europeus para a organização do Mundial de Futebol”, argumenta o deputado bloquista, retomando o caso apontado por Burnay.
“Quanto ao resto, se é nos paraísos fiscais que se esconde o dinheiro da corrupção, o caminho deve ser a criminalização do recurso a serviços prestados por entidades situadas em territórios offshore. Esse combate está ausente das propostas do Governo”, aponta Fabian Figueiredo sobre o plano de prevenção e combate à corrupção que o executivo de Montenegro está a desenhar.
Europa entre a lei e a auto-regulação
Data de 1995 o primeiro registo de transparência do Parlamento Europeu, que tinha um carácter voluntário para inscrição das entidades que procuravam influenciar o processo de tomada de decisão na União Europeia. Só em 2008 a Comissão Europeia desenvolveu o seu. As duas instituições acabaram por os fundir três anos depois num registo de transparência comum, embora o Conselho da UE se mantivesse como observador, e as regras para a interacção fosse diferente consoante o órgão. Em 2021, um acordo interinstitucional entre as três entidades tornou o registo obrigatório para todas, mas cada uma com condições próprias.
Este registo de transparência comum é uma base de dados em linha, de acesso público, onde estão identificados todos os representantes de grupos e organizações de interesses – são cerca de 13 mil, de acordo com dados de Julho, nas mais diversas áreas –, em nome de quem o fazem, e até os recursos financeiros e humanos dedicados a estas actividades. Há registo de que estão representados 182 interesses portugueses, que vão da energia ao retalho, por exemplo.
A Divisão de Informação Legislativa Parlamentar, que elabora dossiers de legislação comparada para apoio aos processos legislativos, actualizou um relatório sobre o estado da arte da representação de interesses na Europa, Canadá e EUA. Nos 36 países analisados e instituições europeias há uma “grande variedade de soluções”, assinala o texto, tanto entre países que têm ou não regulação da actividade e também quanto aos contornos desta. “Ficou também evidente a forma como o lobby é encarado nos diversos ordenamentos, desde os que o consideram algo positivo e desejável, como forma de auscultação da sociedade civil e participação desta no processo decisório, até aos que o vêem como algo negativo, muitas vezes associado a fenómenos de corrupção, e que deve ser combatido”, lê-se no relatório.
Há países onde a actividade do lobbying não está legalmente regulada mas ela existe e as instituições públicas têm instrumentos ou regulamentos aplicáveis às relações entre grupos de interesses e os decisores políticos, como a Bélgica, a Noruega e a Albânia. Em Itália, a Câmara dos Deputados tem apenas um registo, mas sem obrigatoriedade nem outras regras, o Senado está a analisar o tema agora e algumas regiões têm leis que regulam a representação de interesses nas instituições regionais; no Luxemburgo, é preciso registar os contactos entre membros do Governo e os representantes de interesses; na Moldova, há regras para a participação da sociedade civil no processo de decisão de entidades públicas.
A Suécia é adepta de um processo legislativo de natureza corporativista: as organizações da sociedade civil ou outras com interesse específico são convidadas a participar. Por isso, apesar de se debater, desde o início do século, a criação de enquadramento legal para o lobbying, isso não tem sido concretizado porque a Comissão para a Democracia Sueca tem entendido que “o acesso ao direito a interagir com os deputados não deve ser limitado” pela exigência de registos e a profissionalização desses contactos.
Nos Países Baixos, o lobbying não está regulado mas há códigos de conduta apertados para os eleitos e o Governo anunciou um reforço de medidas de transparência que proíbem antigos ministros de se associarem a lobby nas áreas que tutelaram ou adjacentes, de trabalharem para o seu antigo ministério, e de terem que pedir parecer a um conselho consultivo sobre cargos que exercem nos dois anos seguintes a deixarem o executivo. Na Roménia, a actividade é exercida com auto-regulação do mercado, através de uma associação, e o mesmo acontece na Suíça, onde os lobbyistas têm pleno acesso ao Parlamento com uma simples inscrição.
Nos Estados Unidos, a consciência legal da representação de interesses tem quase um século: as primeiras regras foram criadas no final da década de 30 e a primeira lei que regulamentou já com grande especificidade a actividade entrou em vigor em 1946, tendo sido revista nos anos 90 e em 2007. O vizinho Canadá só em 2008 regulamentou o lobbying.
Entre os países europeus que têm legislação com obrigação de registo, critérios de incompatibilidade (como o caso dos deputados), códigos de conduta e sanções (em alguns casos) estão a Alemanha, a Áustria, a Eslovénia, Finlândia (2023), França (desde 2016), Geórgia, Grécia, Irlanda (desde 2015), Letónia, Lituânia, Macedónia do Norte (2022), Polónia (2005), e também Israel.
Apesar de pequenas nuances, em quase todos os países os princípios são os da obrigação do registo de quem faz lobbying, de declaração dos interesses que representa (assuntos e entidades), dos contactos que estabelece e dos assuntos abordados. E também há normalmente sanções para os infractores que vão desde a proibição da actividade à pena de prisão, passando por multas.
Na Hungria, houve uma lei sobre a representação de grupos de interesse entre 2006 e 2010, mas não terá produzido os efeitos desejados e foi revogada, existindo hoje apenas um decreto governamental com algumas regras muito débeis. Tanto que o relatório da Comissão Europeia sobre o Estado de Direito do país do ano passado considerava que estavam por implementar as suas recomendações de 2022 sobre o lobbying, mantendo-as as “preocupações relativas ao nível de transparência do processo de tomada de decisões”.
O Chipre foi o último país onde o regime do lobbying entrou em vigor – em Março deste ano – e a fiscalização é feita pela Autoridade Independente Anticorrupção.
No grupo de países que não têm qualquer legislação que mencione a representação de interesses estão a Arménia, Bulgária, Dinamarca, Estónia, Turquia; em Espanha, em 2022, o anterior Governo aprovou uma proposta de regulamentação e iniciou a consulta pública, mas o processo ficou pelo caminho com a ida a eleições; e na Croácia foi aprovada uma proposta na generalidade em Fevereiro, e o Governo da República Checa está a preparar legislação.
“A sociedade eslovaca tem uma percepção muito negativa sobre o lobbying, considerando-o como um comportamento que pretende influenciar entidades públicas”, aponta o relatório parlamentar, que acrescenta que “as actuações que possam configurar o exercício de actividade lobbyista, cuja definição legal não está fixada, são enquadradas ao nível do Código penal, nomeadamente como tráfico de influências ou recebimento de vantagem indevida”.
O estudos da Fundação Francisco Manuel dos Santos estão disponíveis para download gratuito em ffms.pt/estudos/estudos
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