Continuamos a engordar. E temos culpa?

Há um braço-de-ferro entre defensores da alimentação saudável e indústria alimentar. Falta literacia para travar o aumento do número de mortes e de anos de vida perdidos por comermos de forma errada.

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O aspartame, adoçante artificial usado em bebidas como a Diet Coke, é apontado pela OMS como “potencialmente cancerígeno”, além de ineficaz para a perda de peso.
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Sim, estamos mais gordos. E tudo indica que vamos continuar a engordar. Os números são muito preocupantes: perto de 29% dos portugueses são obesos, o que corresponde a mais de dois milhões de adultos, e a Federação Mundial da Obesidade (WOF, em inglês) prevê que em 2025 essa percentagem suba para 39%. Se alargarmos o ângulo e falarmos do universo de pessoas obesas e com excesso de peso, o valor é já de 67,6%.

As consequências para a saúde são graves. Em 2030, a alimentação errada deverá matar mais pessoas (13,8% do total de mortes) do que o tabaco (11,1%). A Direcção-Geral da Saúde (DGS) calcula que, entre 2020 e 2050, o excesso de peso e doenças associadas — que incluem diabetes, hipertensão, doenças cardíacas e cardiovasculares, mas que se ligam também a cancros e até à depressão — contribuam para a diminuição de 2,2 anos na esperança média de vida.

Mais um número ajuda a completar este quadro: 10% do total das despesas com a saúde em Portugal destina-se ao tratamento de doenças relacionadas com o excesso de peso, o que representa 207 euros anuais por pessoa, segundo dados do Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) 2022-2030, da DGS. Esta percentagem é superior à média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que se situa nos 8,4%.

Já a WOF calcula que as despesas ligadas à obesidade e excesso de peso correspondam a 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB) português em 2030, um valor que subirá para 2,2% em 2035.

Mas este cenário sombrio não é apenas português, é mundial, e considera-se mesmo que estamos perante um problema de saúde pública que já tem a dimensão de uma epidemia. Confrontados com esta evidência, os Governos tomam medidas preventivas, tentando travar um aumento que parece imparável.

São lançadas campanhas de sensibilização e acções de promoção da literacia alimentar, mas parecem gotas de água num oceano de alimentos que nos rodeiam — e que nos engordam a cada dia um pouco mais. A culpa é nossa? Não fazemos exercício? Temos pouca força de vontade?

Literacia alimentar

Apesar de tudo, Portugal tem feito um caminho que é visto como positivo — a WOF coloca-nos em oitavo lugar entre os países mais bem preparados para combater a obesidade (Suíça, Finlândia, Noruega, Islândia. Suécia, França e Reino Unido ocupam os sete primeiros).

“Temos nesta área, e desde 2012, um projecto de saúde com três eixos de acção”, explica Maria João Gregório, responsável do PNPAS. “O primeiro é a divulgação de informação de qualidade sobre alimentação saudável, que é uma área muito interessante, até pela desinformação que existe cada vez mais. O segundo eixo liga-se à modificação dos ambientes nos quais a nossa população faz as suas escolhas alimentares. E o terceiro visa termos os serviços de saúde mais preparados para dar resposta à elevada prevalência da obesidade.”

Vamos parar no segundo eixo para analisar melhor o que significa “a modificação dos ambientes onde a nossa população faz as suas escolhas alimentares”. A chamada literacia alimentar é cada vez mais considerada determinante para ajudar a combater a obesidade. Mas nem sempre é fácil encontrar consenso sobre a melhor forma de a promover, como fica claro pela actual polémica sobre o uso do sistema de rotulagem nutricional Nutri-Score, que o Governo de Luís Montenegro acaba de eliminar.

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Simbologia do Nutri-Score em iogurtes Gerard Bottino/SOPA Images/LightRocket via Getty Images

Criado em França em 2014, foi adoptado nesse país em 2017 e é hoje utilizado em muitos países europeus. A escala de letras de A a E apoiada por um semáforo de cores, de verde a vermelho, é de leitura fácil para quem pega na embalagem de um produto alimentar e não quer ler a longa lista de ingredientes que o compõem, dos edulcorantes aos aditivos, e que muitas vezes não nos dizem muito.

O problema é que o Nutri-Score fazia, na sua primeira versão, uma avaliação de acordo com critérios que permitiam que alimentos ultraprocessados, com elevadas quantidades de açúcar ou de gordura, ficassem bem posicionados na escala — o exemplo mais citado é o de cereais de pequeno-almoço com muito açúcar que eram bem avaliados por incluírem fibra.

O sistema não é perfeito, reconhecem os seus defensores, mas é um primeiro passo para ajudar os consumidores nas suas escolhas, e o algoritmo que está na sua base foi recentemente actualizado para reduzir o número de situações como a acima referida. Contudo, Pedro Graça, director da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto e ex-director do PNPAS, diz ao PÚBLICO que a sua preferência vai para um modelo que combine vários formatos.

Num artigo publicado em Maio no PÚBLICO, Pedro Graça questionava: “Sabendo-se que sistemas de informação simplificada poderiam evitar na Europa quase dois milhões de casos de doenças não transmissíveis entre 2023 e 2050, por que razão a Comissão Europeia tem tido tanta dificuldade em alargar este sistema de informação simplificado a todos os Estados-membros?”

A decisão de pôr termo ao Nutri-Score em Portugal foi agora tomada pelo Ministério da Agricultura e Alimentação, enquanto a decisão de o implementar foi da Secretaria de Estado da Promoção da Saúde, o que levanta uma questão: a quem, no Governo, cabe a definição de uma política para a Alimentação? Formalmente é ao Ministério da Agricultura – neste caso, à Direcção-Geral da Alimentação e Veterinária.

“A Agricultura tem muito mais conflitos de interesse nesta área do que a Saúde porque, de alguma forma, promove a produção. É um pouco como falar da importância da protecção contra o cancro da pele e ser concessionário de uma praia”, considera Pedro Graça.

O Governo foi taxativo: um sistema que pontua (ou pontuava) melhor cereais ultraprocessados do que azeite não serve e, além disso, prejudica não só um alimento que é central na dieta mediterrânica, como aqueles que o produzem. E assim acaba o Nutri-Score em Portugal ao fim de apenas dois meses de implementação.

A questão é saber se, e quando, será substituído por outro. Há sistemas alternativos, sendo um dos mais directos o que foi adoptado em alguns países sul-americanos como o Chile, o México e o Brasil, e que consiste em octógonos negros (a cor tem aqui um impacto evidente) identificando o produto como “alto em calorias”, “alto em açúcares”, “alto em gordura” e/ou “alto em sódio”.

As penalizações fiscais são outro instrumento cada vez mais utilizado. A Colômbia adoptou, no final de 2023, uma lei que taxa os alimentos ultraprocessados em 10% no primeiro ano, 15% no segundo e 20% em 2025, tornando-se um dos primeiros países do mundo a fazê-lo visando toda uma categoria ampla de alimentos.

Contudo, explicou ao The Guardian Franco Sassi, professor de políticas de saúde internacionais, foram estabelecidos alguns compromissos com a indústria para proteger produtos tradicionais como o salchichón. Um dos grandes problemas a afectar a população colombiana é o excesso de consumo de sal, cerca de 12 gramas diários por pessoa, o que resulta em um terço da população adulta com tensão alta num país onde as doenças cardiovasculares não param de aumentar.

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A chamada literacia alimentar é cada vez mais considerada determinante para ajudar a combater a obesidade. Mas nem sempre é fácil encontrar consenso sobre a melhor forma de a promover Patrícia Martins (arquivo)

As bebidas açucaradas foram também taxadas em Portugal e, para quem defendeu a sua aplicação, o balanço da medida é positivo, apesar de terem surgido críticas recentes com base no facto de a obesidade não ter diminuído. “Não é expectável que uma única medida seja capaz de travar o crescimento da obesidade”, responde Maria João Gregório. “Mas é claríssimo que o impacto foi positivo. Conseguimos reduzir de forma significativa o teor de açúcar nessas bebidas. Não é correcto dizermos que a medida não funcionou porque a obesidade infantil aumentou. Até porque muito provavelmente este aumento foi agravado pela pandemia. A pergunta que temos de colocar é: se não tivéssemos implementado estas medidas, como é que estaríamos neste momento?”.

O que está por trás disto é, obviamente, um braço-de-ferro com a indústria alimentar. Os Estados Unidos foram líderes na introdução de informação fácil de ler nos rótulos de produtos alimentares, explicam os especialistas em sistemas alimentares Kat Morgan e Mark Bittman, num artigo publicado recentemente no The New York Times intitulado How to Help Americans Eat Less Junk Food (Como Ajudar os Americanos a Comer Menos Junk Food)​.

Mas, ao mesmo tempo que obrigaram a indústria a identificar as calorias e as quantidades de proteína, hidratos de carbono e gordura, cederam noutras frentes, permitindo, por exemplo, que as mesmas empresas introduzissem nos rótulos alegações de que os seus produtos tinham efeitos benéficos sobre a saúde, do tipo “reduz o colesterol”, é “bom para o coração” ou “ajuda o sistema imunitário”.

Segundo a UNICEF, que elaborou um guia para ajudar os países a implementar este tipo de sistemas, os que melhor funcionam são os que permitem uma leitura clara e identificam os aspectos negativos, e não os que optam por salientar os positivos, classificando um produto como “escolha saudável”, por exemplo (e que são os preferidos pela indústria). A UNICEF recomenda também que os governos adoptem estas medidas como obrigatórias e não numa base voluntária, na qual aderir ou não aderir ao sistema depende de cada empresa.

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"Com os meios de comunicação digitais, temos mais promoção de alimentos não saudáveis”, alerta Maria João Gregório do Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável. “A exposição a este tipo de conteúdos tem muita capacidade de modificar comportamentos." Inês Fernandes/Arquivo Público

A indústria, em muitos casos, tende a reagir, arranjando formas de contornar as medidas que a penalizam. Um exemplo relatado em 2023 pelo The Washington Post, numa investigação conjunta com The Examination (grupo de jornalistas especializados em questões de saúde pública), relaciona-se com o aspartame, um adoçante artificial usado em bebidas como a Diet Coke, que a Organização Mundial de Saúde disse ser “potencialmente cancerígeno”, além de ineficaz para a perda de peso.

A resposta veio sobre a forma de uma campanha lançada pela American Beverage Association, que, segundo aquele jornal, pagou a diversos influencers, muitos deles profissionais de saúde, para fazerem posts nos quais desmentiam as informações da OMS e promoviam o aspartame como seguro, usando a hashtag #safetyofaspartame.

Este é apenas um caso que mostra como a indústria alimentar responde quando vêm a público informações potencialmente prejudiciais para a venda dos seus produtos. O The Washington Post e o The Examination analisaram “milhares de posts” e chegaram à conclusão de que a indústria “paga a nutricionistas por conteúdos que encorajam os seus seguidores a comer doces e gelados, minimizam os riscos para a saúde dos alimentos ultraprocessados e promovem suplementos sem credibilidade em mensagens que contradizem décadas de conhecimento científico sobre alimentação saudável”.

Em Portugal, a legislação avançou já no que diz respeito ao controlo da publicidade televisiva dirigida a crianças promovendo produtos pouco equilibrados nutricionalmente. “Mas hoje, com os meios de comunicação digitais, temos mais promoção de alimentos não saudáveis”, alerta Maria João Gregório do PNPAS. “Sabemos que a exposição a este tipo de conteúdos tem muita capacidade de modificar comportamentos e há uma grande capacidade de influência por parte dos criadores de conteúdo digital. Este é um problema que se tem agravado.”

Impedidas de promover os seus produtos nos horários nobres televisivos, por exemplo, as empresas procuram espaços alternativos e, eventualmente, mais eficazes, dado o número de horas que grande parte das crianças passam imersas no ambiente digital. A lei para restringir a publicidade alimentar dirigida a crianças é de 2019 e Maria João Gregório defende que é tempo de a reavaliar — estava previsto que tal acontecesse a cada cinco anos.

"As peças do puzzle da alimentação"

Há, portanto, por um lado, medidas a que podemos chamar penalizadoras, e, por outro, acções que visam dar aos consumidores mais instrumentos para poderem fazer as escolhas certas. Artur Gregório, da associação In Loco, e a nutricionista Filipa Guerreiro têm uma grande experiência nesta área pelo trabalho no projecto Prato Certo, que pretende, entre outras coisas, ajudar as pessoas a desenvolverem estratégias para escolher os alimentos certos e aprenderem a prepará-los em casa.

Cozinhar em casa, usando sobretudo alimentos básicos — ou seja, aqueles que conseguimos identificar facilmente como tal, frutas, legumes, carne, peixe, ovos, leguminosas —, é considerado muito importante para se ter uma dieta mais saudável. Mas será suficiente?

Como Comemos o que Comemos – Um Retrato do Consumo de Refeições em Portugal, estudo coordenado pela investigadora Ana Isabel Costa, da Católica Lisbon School of Business & Economics, e publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, debruça-se sobre o lado social (e não tanto o nutricional) da forma como nos alimentamos.

A ideia foi perceber “quais são os hábitos de consumo de refeições dos portugueses na actualidade” e “como se caracterizam as suas práticas de planeamento, aquisição, conservação, confecção, apresentação, ingestão e descarte de alimentos”. A par disso, o grupo de investigação liderado por Ana Isabel Costa quis saber qual o impacto destes hábitos e práticas de consumo na dieta, saúde e segurança alimentar da população e “em que medida poderiam ou deveriam ser tidos em conta nas políticas públicas”.

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Cantina do Colégio Adventista de Oliveira do Douro, em Outubro de 2015, onde se serve comida vegetariana Nelson Garrido (arquivo)

Um primeiro dado: “Cerca de metade (47,8%) dos residentes em Portugal (com 15 anos ou mais) não se envolve ou envolve-se pouco na confecção doméstica de refeições.” Há 21,1% que dizem nunca confeccionar refeições em casa. Comparado com outros países europeus, há um número mais elevado de portugueses a comer com bastante frequência fora de casa, num padrão que se aproxima mais do das famílias norte-americanas.

O que é interessante perceber é se essa frequência de consumo fora de casa está ligada a um quadro de saúde/peso ideal pior, e a conclusão é que nem sempre é o caso. Entre os que respondem que comem maioritariamente em casa, a percentagem de obesos (45,5%) e de pré-obesos (36,9%) é “significativamente superior à dos magros e normoponderais (29%)”. Ou seja, cozinhar e comer em casa não é por si só garantia de se ter uma alimentação mais saudável. Como se explica isso?

O grupo que se destaca neste campo é o que os autores do estudo baptizaram como “gregárias emancipadas” e são, juntamente com os “universitários desengajados”, “os que menos se sentem moral e socialmente obrigados, assim como intrinsecamente motivados, a confeccionar as suas refeições, nomeadamente durante a semana” — ao contrário do que acontece com o grupo identificado como “caseiras remediadas”, por exemplo.

Os autores do estudo notam que “no caso das mulheres, a prevalência da pré-obesidade e obesidade é significativamente menor nas ‘gregárias emancipadas’ do que nas restantes”, sendo que são elas as que mais comem fora de casa.

As “gregárias emancipadas” são mulheres com um nível sociocultural acima do de outros grupos, a maioria das quais pertence a classes de rendimento mensal do agregado superiores a 1500 euros. Isto parece indicar que um nível de literacia (também alimentar) mais elevado pode ter um impacto positivo maior do que apenas o facto de se comer mais em casa e cozinhar as próprias refeições.

“A falta de literacia, a condição socioeconómica, a existência de outros hábitos, como fumar ou beber, são problemas que se sabe estarem na base da insegurança alimentar e da reduzida adesão à Dieta Mediterrânica”, afirma Artur Gregório da In Loco. Esta ligação tornou-se evidente nos estudos que fizeram no Algarve a pedido da Direcção-Geral de Saúde para o Observatório da Segurança Alimentar.

Analisando de forma mais profunda os dados recolhidos em todo o Algarve perceberam que “as pessoas até reconhecem as peças do puzzle da alimentação equilibrada, mas não as conseguem juntar de forma correcta, seja nas quantidades ou nas proporções” e que “na base está a questão da iliteracia e do conhecimento sobre os produtos”.

A partir daí, desenharam uma estratégia de educação alimentar voltada para os grupos mais vulneráveis (jovem, idosos e grupos como imigrantes, ciganos, beneficiários de ajuda alimentar) que começaram a aplicar no Algarve e que neste momento está a ser replicada em muitos outros concelhos do país, e é acompanhada por material didáctico, nomeadamente receitas e ementas disponíveis gratuitamente no site do Prato Certo.

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A decisão foi tomada pelo Ministério da Agricultura e Alimentação. É "como falar da importância da protecção contra o cancro da pele e ser concessionário de uma praia”, considera Pedro Graça. Daniel Rocha

Nasceu, por esta via, o Plano Nacional da Alimentação Equilibrada e Sustentável (PNAES), com um orçamento de cinco milhões de euros, e que é apoiado pelo Ministério da Agricultura e Alimentação (através Programa de Desenvolvimento Rural) e por fundos europeus. O PNAES existe a par do Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável do Ministério da Saúde, o que nos leva a colocar novamente a questão da coordenação entre os vários ministérios para uma política da alimentação.

Maria João Gregório defende que “é sempre importante haver uma orientação a nível nacional” e, sublinha, “nesta área da alimentação saudável, deve ser do Ministério da Saúde”, mas compreende que existam outras iniciativas, que considera serem sempre importantes.

Artur Gregório conta, por seu lado, que houve uma proposta apresentada há três anos para um programa multissectorial que alargasse a estratégia do Prato Certo e do PNAES a todo o país, mas ela não foi acolhida porque os ministérios da Agricultura e da Saúde “não trabalham muito bem em conjunto”. No seu lugar, e para aproveitar os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), acabou por ser lançada a rede nacional RNAES, via Ministério da Agricultura.

Ultraprocessados e a deseducação do palato

Voltemos à alimentação. Nos grupos que se sentem “em pressão ou em risco, a resposta é sempre a mesma: alimentos superenergéticos”, sublinha Artur Gregório. “E temos os supermercados cheios, por exemplo, de pessoas de etnia cigana a comprarem aquelas lasanhas pré-preparadas supercalóricas e refrigerantes cheios de açúcar. São uma bóia de salvação energética. O que vemos ali é uma estratégia de sobrevivência a ser aplicada.”

Um dos grandes problemas, mais uma vez, é que “a pressão da indústria alimentar sobre estas comunidades, e principalmente sobre os jovens, é muito forte”. Filipa Guerreiro, a nutricionista que trabalha com Artur Gregório no PNAES, não vai ao ponto de falar de adição, mas sublinha que “quanto mais se consomem estes produtos, maior alteração das papilas gustativas se verifica, porque as pessoas vão-se habituando a alimentos com intensificadores de sabor e perdendo a capacidade de degustar os sabores naturais dos alimentos.”

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As bebidas açucaradas foram taxadas em Portugal e, para quem defendeu a sua aplicação, o balanço da medida é positivo, apesar de terem surgido críticas recentes com base no facto de a obesidade não ter diminuído Rui Gaudêncio (arquivo)

Passam então a rejeitar os alimentos menos intensos, porque procuram sempre aquela “explosão de sabor” que lhes é garantida pelo cocktail de sal, açúcar e gordura dos ultraprocessados. Artur Gregório intervém para explicar a ligação que tudo isto tem com a agricultura: “O facto de a alimentação industrializada ter um leque muito reduzido de sabores faz que haja muita pressão para o aumento da produção de poucos alimentos e o abandono de muitos que existiam nos territórios. Isso é terrível para a biodiversidade.”

O responsável da In Loco compara “a literacia alimentar a outra qualquer literacia” — tal como “não se aprende mandarim de um dia para o outro sem praticar”, o mesmo acontece com a aprendizagem sobre a alimentação, diz. “Se as escolas incluíssem uma cadeira que trabalhasse a alimentação e um nutricionista, seria uma grande conquista”, defende Filipa Guerreiro.

Num país onde uma em cada três crianças já sofre de excesso de peso ou obesidade — os dados de 2022 do Childhood Obesity Surveillance Initiative da OMS/Europa, coordenado em Portugal pelo Instituto Doutor Ricardo Jorge, indicam que são 31,9%, com um aumento de 1,6 pontos percentuais na obesidade e de 2,2 no excesso de peso desde 2019 —, estas são medidas que podem, literalmente, ajudar a salvar vidas, mas que ainda não foram colocadas na primeira linha dos objectivos dos vários governos.


O estudos da Fundação Francisco Manuel dos Santos estão disponíveis para download gratuito em ffms.pt/estudos/estudos


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