Timor acreditava em Ana, mas vai ficar mais quatro anos no G56

Em lágrimas, a timorense Ana Pinto disse ao PÚBLICO estar muito triste com o resultado olímpico e a nação mantém-se no grupo dos que nunca ganharam metal olímpico. E há algumas surpresas nesse lote.

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Ana Pinto (de azul) em acção em Paris Albert Gea / REUTERS
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G56: grupo fictício, não governamental e sem fins lucrativos, inventado pelo autor para efeitos de escrita desportiva, referente ao grupo de 56 países que nunca ganharam uma medalha olímpica.

É neste grupo que está Timor-Leste. E é nele que vai ficar pelo menos mais quatro anos, até vir Los Angeles. Ana da Costa da Silva Pinto é o nome da atleta de 25 anos que Timor-Leste achava ter potencial para dar ao país a primeira medalha em Jogos Olímpicos. Mas não deu.

“Esperamos que o taekwondo tenha a primeira medalha de Timor-Leste. Vamos ver, porque a atleta do taekwondo já participou em várias competições internacionais e tem projecção nos Jogos asiáticos”, dizia Mateus da Cruz, chefe da missão olímpica, antes dos Jogos.

Na categoria 49kg do taekwondo, havia duas atletas sem passagem directa para a primeira fase da prova – era quase como um filtro inicial, uma pré-eliminatória, se assim quisermos. Uma era Ana, de Timor, a outra era Oumaima El Bouchti, de Marrocos. E venceu a marroquina.

“Estou muito triste”

No final, a atleta timorense estava desfeita. Em lágrimas, pouco conseguia dizer ao PÚBLICO, numa zona mista quase deserta. Estava, de certo modo, num espaço seguro no qual pôde chorar e demorar a recompor-se, sem holofotes apontados a si – era só um mero telemóvel com gravador de voz. E encostou-se largos segundos a uma barreira de metal, até conseguir falar.

“Foi uma desilusão e estou muito triste. Acabou muito cedo. Mas era a primeira vez e foi divertido estar aqui”, dispara ao PÚBLICO, num português não muito forte.

Ana nasceu em 1999, poucos meses antes do referendo que decidiu a favor da independência, depois da ocupação indonésia. Mas o contacto com o português, até por via familiar, foi o suficiente para reconhecer, com timidez e algum pudor, que é a melhor atleta de Timor e que, por isso, vai voltar.

“Quero lutar pelo país e continuar com muito esforço. Quero voltar daqui a quatro anos. É o objectivo”, apesar de garantir que vai conciliar o desporto com os estudos de contabilidade.

Ana diz que tem boas condições de treino em Timor e que consegue treinar com “duas amigas” – percebemos, depois, que se referia a duas colegas de taekwondo e não duas amigas quaisquer que ajudam no treino.

Bolívia e Mónaco

A aventura olímpica de Ana Costa foi rápida e Timor vai manter-se no G56. Não há mais nenhum atleta timorense para entrar em acção em Paris, pelo que vão manter-se no grupo pelo menos até Los Angeles.

Quem lá está também? Há alguns ilustres. Nuns casos, são questões de pobreza. Noutros, de tamanho. Noutros ainda, de população. Há também casos de juventude de nações independentes há pouco tempo. Alguns estão neste grupo por uma mistura de todos estes factores – e esses dificilmente de lá sairão em breve.

Países como a Bolívia e Angola podem ser considerados relativas surpresas neste grupo. Não que sejam potências desportivas, longe disso, mas porque têm antiguidade e tamanho suficientes para já estarem noutro patamar. A Bolívia, por exemplo, tem mais de 12 milhões de pessoas e já participa nos Jogos desde 1936. Angola tem 35 e vai desde 1980.

São daqueles casos nos quais o investimento no desporto é deficiente, algo que acontece, ainda que de forma diferente, no Bangladesh. A nação asiática é, no G56, aquela que mais população tem – são mais de 170 milhões de pessoas –, mas o nível de subdesenvolvimento do país não tem permitido uma boa aposta nos atletas.

Trata-se, portanto, de dinheiro? Nem sempre. O Mónaco é das nações mais ricas do mundo e é até das mais antigas nos Jogos também, participando desde 1920. No caso dos monegascos o que falta é, sobretudo, matéria humana. Talvez Charles Leclerc dê uma ajudinha ao lobby olímpico da Fórmula 1.

Outros, como St. Kitts and Nevis, poderiam bem já ter saído deste grupo através do talento individual – quem não se lembra de Kim Collins ter andado em finais olímpicas?

San Marino não está lá

Há, por outro lado, nações cuja presença no G56 não só não surpreende como é difícil imaginá-las a saírem de lá em breve.

Filomenaleonisa Iakopo, por exemplo, já contou a sua história ao PÚBLICO e, pelas condições de treino descritas na Samoa Americana, não é fácil crer que a medalha chegue em breve. Como vai viver para o Texas, talvez isso mude.

Ademenye Simwaka também nos descreveu cenário semelhante no Malawi, e está ansiosa por sair do país, bem como Sidney Francisco, em Palau, que saiu de Paris em lágrimas e consegue fazer melhor do que fez.

Também não é provável que Karalo Maibuca, de Tuvalu, deixe de treinar com aviões, e que Shaun Gill, o único atleta do Belize, venha a ter muita companhia em Los Angeles. Scott Fiti, sprinter da Micronésia, também não inspira muita confiança de medalha.

Cabo Verde, por outro lado, já saiu orgulhosamente do G56, que até há uns dias era G59, com Cabo Verde, Santa Lúcia e Dominica. David de Pina levou o bronze de Paris e, caso o apoiem, pode não ficar por aqui.

Há, por outro lado, surpresas positivas. São Marino, por exemplo, já conseguiu sair deste grupo infame, com três medalhas olímpicas – Myles Amine, na luta, Gian Marco Berti, no tiro, e Alessandra Perilli, também no tiro. Pelo menos no tiro não é como no futebol.

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