Com Simwaka na pista ouve-se “on your marks”, “set” e... pontapé na bola

Paris já sabe quem é a melhor futebolista do atletismo. Asimenye Simwaka, do Malawi, joga na selecção e é recordista dos 100 metros. Adorou conversar e diz ao PÚBLICO que precisa de sair do país.

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Simwaka (à direita) em acção em Paris Alina Smutko / REUTERS
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Saudação ao mundo. Sorriso para a televisão. Respirar fundo. Pés no bloco de saída. Silêncio. On your marks. Set. Tiro! Assim foi a manhã de Asimenye Simwaka, futebolista do Malawi. Confuso? Nós também. “Sim, sou a avançada da selecção nacional de futebol”, disse ao PÚBLICO, depois de acabar os 100 metros femininos nos Jogos Olímpicos. Sempre era mesmo verdade.

Esta frase ficou abafada numa zona mista na qual os holofotes estavam em Jakob Ingebrigtsen e a afegã Kimia Yousofi – e também foi isso que permitiu uma conversa mais calma com esta atleta do Malawi, de 26 anos, porta-estandarte na cerimónia no Sena.

Assumiu estar genuinamente surpreendida e feliz por alguém querer falar com ela – nós, por outro lado, ficámos surpreendidos e felizes por ninguém querer falar com ela.

Ao PÚBLICO, atreveu-se a dizer que é a craque da selecção nacional do Malawi, mas a própria saberá que se “esticou”: o Malawi é o país de Tabitha Chawinga, jogadora do Lyon e melhor marcadora do futebol mundial em 2023. Mas vamos dar o benefício da dúvida.

“Estava mesmo a precisar de dinheiro”

“A minha carreira desportiva começou como futebolista. Mas, em 2019, ouvi na rádio que ia haver um corta-mato em Mzuzu, perto de onde vivo, e fui lá só para me divertir. Inscrevi-me e acabei em primeiro. Era a primeira vez que corria!”, dispara, tendo o carisma de piscar o olho, em jeito de “por esta não esperavas tu...”. E tem razão.

“Lembro-me de tudo desse dia. E nunca me esquecerei. Nem queria acreditar que tinha conseguido o ouro contra atletas a sério. Eu nunca tinha treinado atletismo sequer”.

A atleta conta que nessa altura não tinha dinheiro algum. “Estava mesmo a precisar de dinheiro. Recebi o prémio dessa prova e entreguei aos meus pais, para reporem a despensa”, conta.

Actualmente, Simwaka define-se como futebolista e velocista. “Costumo jogar na ala direita ou a avançada. Na próxima convocatória da selecção vou lá estar”, garante, com confiança, uma atleta que já marcou golos em provas continentais pela selecção africana – foi campeã da Cosafa 2023, prova entre países do sul do continente.

Questionada sobre que modalidade escolhe se tiver duas competições em simultâneo, Simwaka nem pestanejou: “Sem dúvida o atletismo”. E explica: “Prefiro atletismo, porque é algo individual e posso focar-me em mim própria. No desporto de grupo é muito diferente. No atletismo vou a alguma competição e foco-me em mim e represento o país em nome próprio”.

Faz sentido, até porque estamos a falar da recordista nacional dos 100, 200 e 400 metros, que já tinha estado em Tóquio, 17 meses depois de descobrir o talento para o atletismo.

Mas Simwaka assume que “nem sempre é fácil conciliar as duas coisas”, algo que nem precisava de dizer: basta ler na imprensa do país que já houve disputas intensas entre as federações de atletismo e futebol, ambas a precisarem de Simwaka livre para estágios em simultâneo.

Treina na rua

Nesta fase da carreira, aos 26 anos, Simwaka não é uma futebolista de renome – joga no Malawi Defence Forces, equipa ligada ao exército, onde a atleta é militar, depois de não ter conseguido cumprir o sonho de ser enfermeira.

Mas também não é uma velocista de primeira, segunda ou mesmo terceira linha – passou a ronda preliminar, destinada às atletas menos fortes, mas caiu na segunda ronda, com um dos piores tempos.

Mas tem uma explicação para isso. A explicação mais específica é que se lesionou na primeira corrida e correu a segunda com dores e com a perna “entrapada” – e estava a dar-nos uma entrevista sem esconder esgares de dor sempre que mexia a perna.

- Essa perna não está nada bem...
- Não está, não. Mas podemos continuar a falar, estou a adorar!

E continuámos.

A explicação mais geral para o relativo insucesso olímpico – relativo porque nem a própria cria numa medalha – obriga-a a falar do seu país e de uma sina abordada por vários atletas de países em desenvolvimento: “Não temos uma boa pista para treinar. Vou para a rua e faço as minhas corridas no asfalto. Às vezes nem isso há. É duro correr no Malawi”.

“E não gostaria de sair do país?”, perguntámos, embalados pela história de Filomenaleonisa Iakopo, com quem tínhamos falado minutos antes. “Quem me dera! Seria um sonho. Seria incrível poder ir para fora e melhorar o meu desempenho. Mas preciso dessa oportunidade. Não tive o convite”, lamentou.

Se tiver esse convite, ainda irá a tempo de evoluir e, quem sabe, concretizar um sonho muito específico. "No atletismo, as minhas referências são a Sha'Carri Richardson e a Shelly-Ann Fraser. Um dia vou batê-las. É o meu objectivo. Vai ver". Talvez seja pedir-lhe demasiado, mas foi Simwaka quem se atirou a isto.

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