Em Paris, vimos o abismo de Sydney e o céu de Filomenaleonisa

Sydney, de Palau, sente que desiludiu uma nação. Filomenaleonisa, de Samoa, crê que levou a sua além-mar. Foram parecidas nos 100 metros, mas com perspectivas diferentes. O desporto é um jogo mental.

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Sydney Francisco (à direita) nos 100 metros de Paris Alina Smutko / REUTERS
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Despachemos já as partes mais difíceis do texto. Uma das atletas das quais se falará aqui chama-se Filomenaleonisa Iakopo – assim mesmo, sem espaços – e agradeceu a entrevista ao PÚBLICO, em Paris, dizendo “fa'afetai tele lava”. E sim, precisámos que traduzisse e soletrasse esse "obrigado". Assuntos complexos encerrados, vamos ao que interessa.

É possível que esta atleta tenha dos nomes mais exóticos destes Jogos Olímpicos, mas não há invulgaridade no nome que bata a invulgaridade dos talentos e da carreira desta velocista dos 100 metros, a mais feliz da zona mista de Paris.

Veio aos Jogos Olímpicos representar a Samoa americana, mas, se pudesse, teria vindo com as cores das Ilhas Marianas – foi lá que nasceu, mas não há equipa olímpica, pelo que teve de abraçar o país do pai.

E trouxe consigo um cartão-de-visita de respeito. Bodybuilding, motos, ciclismo, jiu-jitsu brasileiro – com cinturão laranja –, atletismo e neurociência. É esta a vida de Filomenaleonisa Iakopo, que diz ao PÚBLICO, depois das eliminatórias dos 100 metros, que não veio aos Jogos pelo resultado desportivo, mas pelas mulheres e pelas ilhas do Pacífico.

“Sei que estar aqui é um marco para as ilhas do Pacífico e, em especial, para as mulheres de Samoa. Todos os sonhos que tiverem são possíveis”, apontou.

Sim, Filomenaleonisa bateu o recorde nacional na pista do Stade de France, mas isso era detalhe. “Mais do que pelo resultado, estou muito feliz de estar aqui pela experiência. Meu Deus, que experiência incrível. A adrenalina que recebi no meu corpo foi única”.

Questionada sobre que condições de treino tem no seu país, a atleta riu-se. “Não temos nenhuma pista. Treino na relva, nas montanhas, na areia...”.

- Na areia?
- Na areia! Acredite! É difícil manter-me motivada, pelos desafios que existem para um atleta numa ilha destas.

Mas isso vai mudar. Filomenaleonisa Iakopo diz que vai embora de Paris no dia 12 de Agosto, depois da cerimónia de encerramento dos Jogos, e que vai directa para o Texas, sem ir à Samoa ou às Marianas.

É lá que vai estudar neurociência e que espera ter condições de treino melhores. “Qualquer coisa é melhor do que a ilha”, disparou, sempre sorridente. E detalhou: “O meu sonho é ser atleta profissional, mas tenho de ser realista: preciso de baixar muito os meus tempos para lá chegar. Ir para a universidade no Texas pode dar-me esse treino de alto nível”.

O corpo de Filomenaleonisa não é o habitual nas atletas dos 100 metros. Menos esguia do que a generalidade das velocistas, acaba por ser influenciada pelo gosto pelo bodybuilding, actividade na qual até já participou em competições.

Bodybuilding e atletismo são completamente diferentes, sobretudo comparado com a velocidade. Tento treinar bodybuilding sem perder os músculos de explosividade”, explica.

E tenta aplicar o mesmo a tudo o resto que faz: falou-nos de motos, de bicicletas e de jiu-jitsu brasileiro. “E sou cinturão laranja! Faço um pouco de tudo, mas a pista é onde está o meu coração”.

Para Sydney, de Palau, foi uma manhã dura

Filomenaleonisa teve uma manhã de felicidade extrema e isso contrastou com o que viveu Sydney Francisco.

A velocista de Palau passou pela zona mista e não queria falar com ninguém. Em passo apressado, de cabeça no chão, queria sair da vergonha pela qual achava ter passado aos olhos do mundo – e da mãe.

Mas lá parou, depois de ouvir chamarem o seu nome pela terceira vez. Levantou a cabeça, olhou e as lágrimas começaram a escorrer pelo rosto.

“Estou muito desiludida e muito, muito triste. Muito triste com o meu tempo, com o resultado. Sinto que falhei e que desiludi o meu país”, aponta ao PÚBLICO.

Sydney Francisco acabou com 13,15 segundos, marca modesta para as suas próprias possibilidades, é verdade. Mas uma má marca não justificaria o abismo em que a própria parecia estar. O problema era mais profundo do que apenas não ter sido a melhor Sydney de sempre.

A mãe desta atleta, Peoria Koshiba, é a recordista nacional dos 100 metros de Palau e Sydney tinha o sonho de bater o recorde da mãe precisamente 24 anos depois de ela ter estabelecido essa marca de 12,66s nos Jogos Olímpicos de 2000 – a prova foi em Sydney, motivo pelo qual Sydney foi baptizada assim. Na altura, Peoria Koshiba foi a primeira atleta de Palau em Jogos Olímpicos.

“Eu estava muito entusiasmada por seguir as pisadas dela. Sentir que falhei não é um bom sentimento. Mas estou disposta a recomeçar tudo de novo e voltar a tentar. Tenho de aprender”, apontou.

As explicações da atleta para o resultado abaixo do que esperava são evidentes: “Em Palau, não temos uma pista sequer. Treinei na Austrália durante três meses e estava muito forte. Mas depois tive de regressar a Palau e não pude treinar. Mas mesmo assim estou chocada. Não sei o que se passou comigo hoje”.

Sydney deixou-se cair no abismo mental de quem acha que falhou aos olhos do mundo e da mãe. Mas talvez se tenha esquecido de um detalhe: tem apenas 19 anos e, daqui a quatro, há Los Angeles. Está tudo bem.

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