Sérgio Ribeiro, o herdeiro das carnes Jacinto, que se servem em grandes restaurantes internacionais

As carnes da família Jacinto são mais valorizadas nas grandes steak houses do mundo do que cá dentro. Carnívoro que se preze deve ir a Esposende ver como se matura carne

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Sérgio Ribeiro, líder das Carnes Jacinto e especialista em carnes maturadas Paulo Pimenta
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Ao longo dos anos provámos com agrado diferentes cortes das Carnes Jacinto, mas nunca tínhamos metido os pés ao caminho para ver o trabalho de várias gerações da família Jacinto com carnes maturadas. Resolvemos o problema há dias e ficámos aliviados, mas com uma certa angústia, para não dizer vergonha: é que escrever sobre alimentação há décadas e nunca ter visitado a unidade fabril da Lusocarne — onde são preparadas as carnes Jacinto —​ é a mesma coisa que escrever sobre vinhos e não conhecer a Quinta da Leda, onde se faz o Barca Velha.

Vejamos. Sérgio Ribeiro, líder das Carnes Jacinto, aprendeu a maturar carne com o avô e com o pai; Sérgio Ribeiro tem uma unidade de transformação em Esposende que é usada por autoridades oficiais para estudar o processo de maturação de carnes; Sérgio Ribeiro desenhou e construiu uma unidade dedicada à maturação; Sérgio Ribeiro tem uma irmã veterinária que, com o apoio de universidades estrangeiras, produz documentos científicos sobre o processo de maturação; Sérgio Ribeiro tem peças de animais de raças autóctones portuguesas; Sérgio Ribeiro é fornecedor de algumas das steak houses mais famosas do mundo. Exemplos: Taberna Pedraza (Espanha), AG (Suécia), I Due Cippi (Itália) ou Fire Side, em Hong Kong.

Depois de quatro horas de visita, a pergunta é óbvia: como é que a marca Carnes Jacinto não é conhecida em Portugal como uma Delta ou uma Riberalves? Resposta: “Não sei. Limito-me a fazer melhor do que aquilo que de melhor se faz lá fora. Se em Portugal não se dá por isso, eu até acho que é normal.” Como assim? “Olhe, quantos portugueses conhece que gostam de valorizar aquilo que outros portugueses fazem bem feito? Não me lembro de muitos, mas conheço muita gente que se diverte a achincalhar o trabalho de conterrâneos seus.”

O processo de maturação de carnes tem barbas, mas, em Portugal, é tão recente que, há menos de 20 anos, os jornalistas tinham de ligar à ASAE a perguntar se era ou não permitido maturar carne. Sucede que o avô de Sérgio Ribeiro (o famoso Jacinto) já trabalhava no assunto e o seu filho (José Jacinto), ainda que sem grande respaldo científico, tinha clientes que iam de Lisboa à Apúlia comprar umas peças especiais de carne de vaca: “Carne que não era fresca, carne mais escura, carne com um aroma próprio e carne bem mais tenra. Ou seja, carne maturada”, diz o neto.

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Em tese, maturar carne é apenas deixar a carne descansar em câmaras com controlo de temperatura e humidade durante alguns dias (podemos falar de 21 dias ou de meses). Por razões físico-químicas, este processo torna a carne macia e muito mais saborosa.

Acontece que maturar carne é uma arte que requer experiência a muitos níveis e rigor técnico. E tudo começa na selecção dos animais. Os angariadores que Sérgio Ribeiro tem pelo Norte e Centro de Portugal procuram animais que possam cair na categoria Reserva (e Reserva com 1 ou 2 estrelas). Regra geral são animais de raças autóctones (barrosã, cachena, galega minhota, arouquesa, marinhoa, mirandesa e outras), com muita idade, de preferência fêmeas ou — crème de la crème — bois capados. Animais que podem custar entre 6 e 12 mil euros.

Depois de abatidos os animais, as carcaças são avaliadas no matadouro por Sérgio Ribeiro. E aqui começa uma arte que um carnívoro urbano tem dificuldade em compreender, mas que usa a visão, o toque e a avaliação da gordura. “Vejo por aí muita gente a esfregar a mão para cheirar a gordura e avaliar a carcaça só por isso, mas o fundamental é avaliar a textura da gordura e sentir como esta reage à pressão do polegar. Depois, é necessário raspar um pouco dessa mesma gordura com a unha e sentir como ela se dissipa entre os dedos. Se não houver pequenos filamentos, se tiver uma textura sedosa e uniforme, isso é bom indicador para a qualidade final da carne.”

Esta qualidade pretendida depende de quatro factores: da genética do animal (nem todas as raças servem), da alimentação (misto de pasto e farinhas naturais), do maneio (os cuidados dos criadores) e, claro, do trabalho nas câmaras de cura.

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No caso das Carnes Jacinto, as câmaras — e ao contrário de tudo o que já vimos em Portugal e até em Espanha — cheiram bem (não há notas de mofo ou de ranço, mas de manteiga fresca, coco ou madeira) e nem com uma lupa se encontra um filamento de bolor. Sim, a carne está a perder água, a perder peso e a ganhar sabor, mas num ambiente que parece um laboratório de produção alimentar da NASA.

Para um carnívoro educado, as câmaras de cura da Lusocarne são a antecâmara de um pecado capital. Em exposição há peças de diferentes raças autóctones, com diferentes idades e diferentes tempos de maturação. Se esse carnívoro quisesse provar toda a riqueza diferenciada que aqui está teria trabalho para anos. Mas seria uma bonita homenagem às gerações da família Jacinto e, também, às raças autóctones portuguesas.

Em Portugal podemos apreciar Carne Jacinto em restaurantes como Sala de Corte, JNçQuoi (Lisboa) ou Terminal (Leça e Braga). Se um grupo de amigos quiser comprar um rosbife (não a receita, mas a peça inteira que junta lombo, vazia, costeletão, rib-eye, entrecôte e tomahawk), podem comprá-lo em Esposende. Os preços de uma peça Reserva com 30 kg podem variar entre 1350€ e 1800€.

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