Pedro Vivo está bem afinado na arte de maturar carne

Há 14 anos, diziam que era doido. Hoje, é a referência nacional na maturação de carne. Onde está o segredo de Pedro Vivo? Na selecção dos animais e na experiência que se sente no seu talho em Lisboa.

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Pedro Vivo, criador de gado e especialista no processo de maturação de carne. Carne maturada no seu talho A Vaca by L Vivo Rui Gaudêncio
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Quando Pedro Vivo começou a vender carne maturada – em 2010 – aconteceram duas coisas: uma, o pai, que toda a vida trabalhou no negócio da carne fresca, achou que o filho tinha enlouquecido por se dedicar à “carne pobre”; duas, um coro de gente ligada à restauração começou a dizer que era proibido maturar carne em Portugal. No país que já servia carne maturada estrangeira ninguém tinha lido qualquer documento oficial sobre a matéria, mas, pronto, o boato alastrou. Ainda nos recordamos, em 2013, de ligar às entidades oficiais para os devidos esclarecimentos públicos. Estas, pacientemente, explicaram-nos o óbvio: maturar carne não era nem podia ser proibido.

Se fosse Nuno Maulide (o nosso Carl Sagan da Química) a descrever o conceito de carne maturada, diria que o processo de maturação é a degradação proteica devido à actividade enzimática da carne, mas como somos mais terra a terra diremos que maturar carne consiste em pendurar peças em câmaras de frio com temperaturas baixas e constantes, controlo de humidade e circulação de ar (não há qualquer processo de manipulação química pelo meio). Para quê? Para tornar a carne macia e muito mais saborosa. E por quanto tempo? Bom, aqui, doutrinas não faltam. Segundo Pedro Vivo, “tudo isto varia muito da carcaça, mas ele dá por boa a regra dos 30 dias de maturação”. Alguns espanhóis que andam nisto há muito tempo avançam com 22 dias, porque, apesar de maturada, querem que a carne cheire sempre a carne.

Isto de a carne cheirar a carne tem que ver com certos disparates que se praticaram por cá quando começou a moda. Como havia quem quisesse mostrar que a carne dele tinha mais maturação do que a carne do vizinho, o autor deste texto foi, certa vez, convidado a provar uma carne maturada com quatro meses. Não chegámos a meter o dente no bife porque no ar circulava um aroma pestilento a ranço e a outras coisas que não vale a pena mencionar. Entre outras coisas, a ignorância pode cheirar mal.

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No talho A Vaca by L Vivo em Lisboa Rui Gaudêncio

Todavia, há uma coisa que sabemos por experiência própria. Quando se prova, do mesmo animal, um pedaço de carne fresca, face, mais tarde, a outro pedaço já maturado, a diferença é enorme. Este último é sempre melhor.

Acontece que, ao longo de 14 anos de trabalho, a qualidade da carne maturada de Pedro Vivo cresceu. Ora, se maturar carne é, teoricamente, tão simples, onde está o segredo? “Está na selecção dos animais, na sua idade e no seu histórico. Para oferecer carne premium só quero animais velhos (de dez anos em diante) que tenham vivido em liberdade e que tenham tido uma alimentação natural e espontânea, misturada com produtos naturais que os donos lhes deram (nabos, batatas, cenouras, couves e cereais).”

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A circulação do gado na natureza e à procura da comida é determinante. “Sou criador e sei o que digo. Uma vaca pode estar aqui no Areeiro [sede da loja A Vaca by L Vivo] e se dá pelo cheiro de uma erva qualquer vai daqui até ao Rossio para comê-la. Se tiver sede pode ir a Algés beber água. E se sentir que precisa de lamber o óleo de uns ramos de oliveira é capaz de ir a Odivelas. Tudo no mesmo dia. Eu, para fazer esse trajecto, precisava de um GPS sofisticado, mas as vacas não. Têm um GPS entre a cabeça e o focinho. A carne de animais que andam muito é sempre mais saborosa, sempre.” Mas, e a alimentação dos animais no fim de vida — afinação —​, conta ou não? “Sim, conta muito, mas desde que tenham vivido na natureza”, responde o produtor.

Quanto a raças, e apesar de o maneio animal ser mais importante do que a raça em si, Pedro Vivo destaca as arouquesas, as barrosãs e as maronesas. Nos últimos anos descobriu a raça Ramo Grande, da ilha Terceira, e não quer outra coisa. “Tenho tido aqui peças com infiltração de gordura que não ficam nada a dever à Wagyu, a raça japonesa que é considerada a melhor do mundo.” Ao contrário da raça Holstein Friesian — que é uma máquina de produzir leite —,​ a Ramo Grande era e é polivalente. Dá leite com mais teor de gordura e proteína, serve para trabalhar (lavra a terra e puxa carroças se for necessário) e dá carne com gordura infiltrada, detalhe que é muito importante no processo de maturação.

Existe ciência na maturação da carne (controlo do pH inicial da carne, por exemplo), mas o trabalho de Pedro Vivo é muito empírico. Ele só de olhar para uma carcaça e para o BI do animal é capaz de perceber o seu potencial — ou não — de maturação. Em certa medida parece um escultor a olhar para um bloco de pedra e a imaginar o que dali vai sair. Junta experiência e sensibilidade. Coisas que dão sempre jeito na vida.

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Pedro Vivo no seu talho Rui Gaudêncio
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