A região do Douro só vai poder produzir 85 mil pipas de vinho do Porto nesta vindima. Pelo menos foi esse o limite que saiu da última reunião do Conselho Interprofissional do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP). Serão menos 19 mil pipas do que no ano anterior, uma perda de receita da ordem dos 19 milhões de euros. A decisão será anunciada ainda esta semana e pode vir a sofrer acertos, porque persiste a expectativa de o Governo autorizar a compra extraordinária, por parte daquele instituto, de mais alguns milhares de pipas adicionais, usando verbas cativas de taxas pagas pelos viticultores.
Em 2020, na sequência da pandemia por covid-19, o Governo autorizou a constituição de uma reserva qualitativa de 10 mil pipas, financiadas em 50% pelo IVDP, um descarado financiamento às grandes companhias do sector. Desta vez, a opção poderá passar por uma aquisição directa, destinada a refrescar os vinhos velhos que o Estado detém como penhor pelas dívidas da extinta Casa do Douro, que representava os viticultores.
O valor dessas dívidas situa-se próximo dos 150 milhões de euros, mas os vinhos que as suportam foram avaliados em mais de 170 milhões de euros. A futura Casa do Douro, cujo renascimento foi decretado por parte da Assembleia da República, ainda na anterior legislatura, poderá reassumir funções com diversos edifícios, um pequeno stock histórico de vinhos e ainda uma verba substancial em dinheiro, caso o actual Governo ratifique a avaliação dos vinhos que havia sido assumida pela anterior Secretaria de Estado do Tesouro.
Mesmo que os ministérios da Agricultura e das Finanças, que tutelam o IVDP, autorizem a compra de alguns milhares de pipas, esta será uma das produções de vinho do Porto mais baixas das últimas décadas. Em relação à vindima do ano 2000, por exemplo, em que foi autorizada a produção de 152.500 pipas, equivale a uma quebra da ordem dos 45%. E o mais dramático é que o preço por pipa pago aos viticultores continua, em média, igual. Como se não bastasse, esta redução acontece num ano de enormes excedentes de vinho, devido aos quais milhares de pequenos viticultores vivem na iminência de não terem quem lhes compre as uvas.
A quebra contínua das vendas de vinho do Porto, apesar do aumento de consumo interno pelo efeito do turismo, a quem se deve o facto de Portugal ser, apenas desde há três anos, o principal destino deste vinho, é a causa directa da quebra na produção de Porto nesta vindima. O comércio insiste nas 85 mil pipas, argumentando com os elevados stocks acumulados, os quais lhes conferem uma capacidade de venda da ordem dos 51% (de acordo com a chamada Lei do Terço, os comerciantes de vinho do Porto só podem vender um terço do stock disponível), quando o ideal seria andar um pouco acima dos 20%.
O representante dos comerciantes defende-se também com a queda abrupta das vendas no passado mês de Junho, em comparação com o mesmo mês do ano passado, que tinha sido um dos melhores dos últimos anos (esse resultado, convém explicar, ficou a dever-se a vendas acima do normal por parte das empresas Symington e Fladgate Partnership, dona da Taylor’s, por causa das mudanças políticas e fiscais em Inglaterra). No agregado deste primeiro semestre, as quebras não deverão ser superiores a 7 por cento. Os representantes dos produtores, por seu lado, iniciaram as discussões com uma proposta de 99 mil pipas, mas recuaram para as 92 mil.
A crise instalada no Douro mostra a falência do modelo organizacional e produtivo em que assenta a região, pensado para o tempo em que só produzia vinho do Porto. Com o nascimento da DOC Douro, no início dos anos 80 do século passado, uma parte da produção que antes ia para vinho do Porto passou a ser absorvida pelos novos vinhos tranquilos. O que prometia ser uma grande oportunidade acabou, com o tempo, por se tornar um estrondoso falhanço.
O preço das uvas para vinho do Porto não acompanhou o aumento brutal dos custos de produção e o excesso de oferta, por via da renovação e plantação de novas vinhas, de uvas para DOC Douro foi pressionando os preços, ao ponto de a maioria dos produtores ser obrigada a vender abaixo do custo de produção. E já se sabe: uvas baratas levam a vinhos baratos. Como se não bastasse, muitos operadores têm vindo a importar cada vez mais vinho de Espanha e a preços ainda mais baixos, agravando as distorções do mercado.
Este artigo foi alterado às 14h56 de 22 de Julho de 2024, para corrigir os quantitativos propostos por ambas as partes.