Luísa Ducla Soares incentiva ao voto
A experiência eleitoral pode começar na escola, quando é preciso, por exemplo, escolher o destino do passeio de fim de ano.
Num ano de várias eleições, autárquicas, legislativas, europeias (neste domingo), Luísa Ducla Soares pergunta: “Mas que interessa isso às crianças, que não têm idade para votar?” E a própria responde: “Importa que todos, desde a infância, ganhem consciência de que têm direito a uma opinião, a exprimir a sua escolha na família, na escola, em toda a parte.”
Foi isso que quis transmitir em E se Fôssemos a Votos?, que começa com uma grande confusão no recreio porque os alunos não conseguiam entender-se quanto ao destino do passeio de fim de ano. Quando alguém ousou dizer que decidiria por todos, por ser mais velho, a indignação foi geral. “— Depois do 25 de Abril ainda há quem pense assim?! — admirou-se o Pedro.”
A escritora recorda ao PÚBLICO: “Na minha infância, os mais novos eram ensinados a obedecer, sem serem ouvidos nem achados nas decisões que lhes diziam respeito. Hoje, felizmente, muito mudou, e estão a aprender, desde pequenos, o que é a democracia.” Ficou, por isso, entusiasmada com o “convite da Assembleia da República para escrever sobre este tema para os mais novos”. O livro faz parte da colecção Missão: Democracia, a celebrar os 50 anos do 25 de Abril de 1974.
Luísa Ducla Soares resume assim o livro que escreveu: “Passando uma informação básica sobre as eleições políticas em Portugal, procurei fazê-lo na companhia dos alunos de uma escola que não se entendem sobre qual será o melhor passeio do fim do ano. Uns calam-se, outros discutem, mas só há uma decisão a tomar: ‘Vamos a votos!’”
Será através do avô de uma das personagens, Maria, que os miúdos ficam a saber como se processam os vários actos eleitorais. Depois, mobilizam-se, com a ajuda de alguns professores, para organizar eleições na escola e decidir onde será o passeio de fim de ano. Houve cartazes, campanha, slogans, boletins de voto e construiu-se uma urna. Concorreram três partidos: o dos Golfinhos, o dos Leões e o dos Morcegos.
Depois do 25 de Abril de 1974, Luísa Ducla Soares empenhou-se nas eleições: “Entrei em campanhas, subi a escadotes para colar cartazes, durante dezenas de anos fiz parte das mesas de voto, fui candidata autárquica. Convivi com gente de vários partidos, ideologias, de todas as condições sociais. Finalmente cada um tinha o direito de escolher o que queria para o futuro do país.”
Agora, a sua “grande aposta é cativar os jovens, mostrando-lhes que têm uma palavra a dizer”. Uma das iniciativas que lhe “acenderam um fósforo de inspiração” foi o concurso Miúdos a Votos, que junta a Rede de Bibliotecas Escolares e a revista Visão Júnior. Levou-a a constatar “a capacidade de mobilização, a criatividade fantástica dos garotos das escolas”. No ano lectivo 2023-2024, participaram 118.495 votantes de 959 escolas de todo o país.
Quem conhece esta autora sabe que não se pode falar dela sem se referir o seu sentido de humor: “Como um toque de brincadeira pode ser um bom condimento para coisas sérias, introduzi, no fim, duas páginas de curiosidades e de inesperadas perguntas sobre eleições.”
Uma de entre outras questões muito divertidas é: “Que animais podem entrar na cabine de voto?” Três hipóteses são sugeridas pelo método de escolha múltipla: “Gatos que acompanham idosos”; “Cães-guia que acompanham invisuais”; “Burros que transportam pessoas com pouca locomoção”. Luísa Ducla Soares no seu registo inconfundível.
Rachel Caiano: “Tudo é política”
Para a ilustradora, Rachel Caiano, o convite para fazer parte desta colecção deixou-a “muito contente”, mas também “apreensiva”, diz ao PÚBLICO via email. “Este é um projecto que penso ser de grande importância. É muito importante falar de política com os mais novos. Tudo é política. Mas, hoje em dia, a política parece estar fora de moda.”
Acrescenta ainda: “Este foi sem dúvida o livro mais acompanhado que já fiz!” E explica o processo: “Houve uma reunião e visita à Assembleia da República, reuniões online e presenciais, tanto com a Luísa Ducla Soares, como com a equipa da Editora da Assembleia, com a Dora Batalim e a Planeta Tangerina.” Sente que foi positivo: “Fui partilhando as minhas dúvidas e alguns esboços, ao longo do processo.”
O material impresso que recebeu da Assembleia suscitou-lhe a vontade de o utilizar nas ilustrações. Por isso, podemos ver desenhos em que “espreitam” fotos, pedaços de manuscritos, maquetes de câmaras de voto, excertos de cartazes e o boletim de voto das eleições de 1975 para a Assembleia Constituinte.
Rachel Caiano, honrada por fazer parte desta colecção e por ilustrar um texto de Luísa Ducla Soares, que admira “há muito, muito tempo”, conta como chegou a este produto final: “Logo nas reuniões iniciais, ao conversarmos sobre o texto e as ilustrações, pensámos que seria interessante fazer um livro em que as ilustrações não acompanhassem as personagens, mas que transmitissem a ideia ou conceito presente.”
O caminho foi feito de “muitas tentativas e hesitações”. Depois de chegar “às primeiras páginas ilustradas, o processo foi mais fácil”. Como diz, já estava “estabelecido o ‘tom’ do livro”. Um belo tom.
Luísa Ducla Soares termina o contacto com o PÚBLICO com mais uma pergunta: “Será possível não acreditar que só o voto esclarecido dos mais novos fará um mundo melhor?” Aqui não há escolhas múltiplas. Neste domingo, mesmo que não sejamos “os mais novos”, podemos contribuir para isso.