A doação de sangue: Da alteridade, da solidariedade e da responsabilidade

A doação de sangue corresponde a uma das principais preocupações da bioética. Neste dia 14 de Junho assinala-se o Dia Mundial do Dador de Sangue.

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Pessoas à espera para dar sangue no Instituto Portugues do Sangue e da Transplantação, em Lisboa, na altura da pandemia Filipa Fernandez/Arquivo
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O sangue está desde tempos imemoráveis ligado ao simbolismo da vida e da morte. Isto acontece, não por uma razão qualquer, mas pelo facto deste precioso tecido do nosso organismo desempenhar funções de homeostasia essenciais à nossa sobrevivência. A sua constituição é de tal maneira complexa, que a medicina de hoje ainda não conseguiu arranjar um substituto que se lhe assemelhasse. Daí, que seja essencial a nossa contribuição voluntária e altruísta, como seres humanos solidários, para que possamos continuar a salvar vidas.

A doação de sangue corresponde, assim, a uma das principais preocupações da bioética, enquanto área do conhecimento que promove um diálogo interdisciplinar entre a ciência a saúde e o Direito. Neste contexto, entendemos que se situa na interceção da alteridade, da solidariedade e da responsabilidade, esta última numa perspetiva do filósofo francês Emmanuel Lévinas; ou seja, da perceção que preserva a individualidade e a integridade do outro e, portanto, da responsabilidade de contribuir para o bem-estar do seu semelhante, no sentido de que são necessárias para garantir os Direitos à Saúde e à Vida, previstos na CRP (artigos 64.º e 24.º, respetivamente).

Clarificando os três conceitos principalistas que integram esta reflexão:

  1. A origem do vocábulo alteridade deriva do latim alteritas, em que alter significa “outro” e itas o “ser”; ou seja, “ser o outro”. Muito mais que um conceito, é uma prática que consiste basicamente em colocar-se no lugar do outro, entender as angústias do outro e pensar no sofrimento do outro.
  2. O Dicionário Latinoamericano de Bioética define solidariedade como um valor social, criado a partir da consciência de uma comunidade de interesses e, portanto, humanitário em si mesmo. Neste sentido, incorpora a necessidade moral de ajudar, assistir, apoiar a outras pessoas, como parte da responsabilidade pessoal. É um sentimento recíproco que estabelece um vínculo moral entre as pessoas e a vida, criando laços de fraternidade.
  3. Segundo Lévinas, a ética da responsabilidade direciona-se à compreensão de que somos responsáveis uns pelos outros, que a relação com o próximo, com o seu bem estar é da nossa inteira responsabilidade; por outras palavras, a nossa responsabilidade com a vivência do outro é total, indeclinável e intransferível.

Assim, considerando que somos sujeitos de vulnerabilidade, no sentido de que, esta, constitui um traço definidor da humanidade, a relação solidária e altruísta com o nosso semelhante parece-nos ser a condição fundamental de exercício de cidadania e, consequentemente, de respeito com a dignidade intrínseca que cada pessoa humana nos merece.

À medida que, eventualmente, possamos negligenciar o cuidado ao outro, estamos (eticamente) a agir mal, em falta com a nossa posição de responsabilidade e boa vivência em relação ao outro.

Doar sangue é, pois, uma contribuição voluntária e altruísta que permite que muitas pessoas possam continuar a viver!


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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