Quinta de Paços, um tratado sobre as virtudes da paciência

Desafiar convenções é uma tradição na Quinta de Paços, que, apesar de ir já na 16.ª geração, mantém o espírito pioneiro. Cada prova de vinhos é todo um tratado sobre histórias da família e da região.

Anna Costa - Quinta de Paços - Barcelos - 23 de Abril 2024 - Paulo Matos
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Na Quinta de Paços, não há vinho sem história – e Paulo Graça Ramos tem uma para cada garrafa que abre e dá a provar. Anna Costa
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Vinha da Quinta de Paços, em Rio Côvo (Barcelos) Anna Costa
Anna Costa - Quinta de Paços - Barcelos - 23 de Abril 2024 - Paulo Matos
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Na Quinta de Paços, não há vinho sem história – e Paulo Graça Ramos tem uma para cada garrafa que abre e dá a provar. Anna Costa
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Vinha da Quinta de Paços, em Rio Côvo (Barcelos) Anna Costa
Anna Costa - Quinta de Paços - Barcelos - 23 de Abril 2024 - Paulo Matos
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Na Quinta de Paços, não há vinho sem história – e Paulo Graça Ramos tem uma para cada garrafa que abre e dá a provar. Anna Costa
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A prova vai já na recta final quando Paulo Graça Ramos abre uma garrafa de Arinto Reserva 2021. Na Quinta de Paços, não há vinho sem um motivo – e uma particularidade do anfitrião são as histórias que desfia de cada vez que abre uma garrafa. Esta não é excepção.

“Foi um dos primeiros vinhos que fiz”, conta. Na altura, foi criticado por não usar a designação regional para a casta, pedernã. “O que eu queria era vender vinho”, admite, justificando a escolha de uma designação mais amplamente reconhecida pelos consumidores. Não faltou quem o criticasse. “Pois, no ano seguinte contei uns 14 arintos aqui na região”, conclui com satisfação.

Se a sorte protege os audazes, o tempo tem o dom de fazer justiça a quem não tem pressa em ter razão – e Paulo não parece particularmente dado a pressas ou alardes. No seu jeito gentil, sorridente, fala com tranquilidade e temperança mesmo quando critica uma lei de que discorda, quando recorda uma derrota pessoal ou quando comenta uma deslealdade por parte de um concorrente, cuja identidade recusa revelar.

Ainda sobre o tal arinto, tem um pouco de curtimenta, que lhe acentua a tonalidade: “Há uns anos, não conseguiria vender esta cor. Hoje chamam-lhe um figo”, conclui, com visível satisfação. Nada como saber esperar, para que o tempo nos dê razão.

Assunto de família

Paulo Graça Ramos pertence à 15.ª geração da família à frente da Quinta de Paços, com base na informação documentada, que remonta a 1585, ano da morte do seu antepassado Tomé Gonçalves da Silva. E as profundas raízes familiares vêm regularmente à conversa em cada vinho que dá a provar.

O Loureiro Reserva 2021 é um óptimo pretexto para recordar a primeira vinha plantada pelo pai, que Paulo refere como revolucionária, não só por datar de 1974, mas por ter sido plantada em contínuo, “quando toda a gente lhe dizia, ‘Não é assim que se faz aqui’” – pois, hoje é exactamente assim que se faz aqui. Para apresentar o Family Blend 2022 – “O vinho da minha juventude”, conta –, explica que procurou seguir a combinação de castas que era hábito da casa nas gerações anteriores. E lembra a resposta que o tio-avô lhe deu quando, ainda criança, lhe perguntou por que motivo o vinho que hoje se chama Reserva Especial não tinha gás – “Porque nós fazemos vinho.”

É fácil de perceber que o estilo imediato, marcado pela doçura pronunciada, a adição de gás e a acidez elevada – que para muitos consumidores é sinónimo de Vinhos Verdes como se de um tipo de vinho se tratasse –, não faz o género da Quinta de Paços. Aliás, desafiar as convenções sobre o que são os vinhos da região parece ser a bússola do produtor. E não é coisa que tenha começado com Paulo.

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Com base na informação documentada, o solar da Quinta de Paços está na família de Paulo Graça Ramos pelo menos desde 1585. Anna Costa

Nos anos 1970, já o seu tio-avô fazia bâtonnage, estágios em barrica e abdicava do uso de açúcar para provocar a fermentação em garrafa que iria originar o gás. E, recorda Paulo, “Nunca nos deixava beber o alvarinho até passar um ano de ele ter sido colhido”. Também a ele o tempo veio dar razão.

Nos 9 hectares de vinha da propriedade no concelho de Barcelos, a que se juntam outros tantos em Monção, berço das referências Casa do Capitão-Mor, Paulo procura, também ele, preparar o futuro. A operação em produção integrada – que só não é biológica “porque aqui não se consegue [rentabilizar], uma vez que esta é, porventura, uma da regiões mundiais com maior índice de pluviosidade” – é disso exemplo. Outro exemplo é o uso, ainda experimental, da flor dos castanheiros centenários que persistem no centro da vinha para reduzir a aplicação de sulfuroso no vinho. Assim como a escolha de castas mais resistentes, como a padeiro, que aguenta temperaturas mais elevadas e permite colheitas mais precoces, resultando em vinhos de graduação alcoólica mais moderada.

A questão climática traz à conversa a gestão de recursos hídricos, que por sua vez desagua nos solos. Paulo aproxima-se de uma mancha de carvalhos, que tanto serve de abrigo de biodiversidade como de barreira para proteger a vinha virada a nascente. Ali, a movimentação de terras que configurou a vinha deixou a descoberto um corte de perfil do terreno, de onde desponta um emaranhado de raízes. Paulo lança a mão ao maciço rochoso e este esboroa-se entre os seus dedos. “Granito em decomposição”, diz. As vantagens que esta característica pode ter na videira e no vinho são amplas, mas o cicerone opta por ser parco em palavras, a bem da síntese. “Isso dava para todo um tratado”, atira, e logo acrescenta, acentuando o ponto final, “Cria boa drenagem”.

Vinhas da Quinta de Paços, em Rio Côvo (Barcelos) Anna Costa
Vinhas da Quinta de Paços, em Rio Côvo (Barcelos) Anna Costa
Paulo Graça Ramos lança a mão ao solo rochoso e este esboroa-se entre os seus dedos. “Granito em decomposição”, diz. As vantagens que esta característica pode ter na videira e no vinho são amplas. Anna Costa
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Vinhas da Quinta de Paços, em Rio Côvo (Barcelos) Anna Costa

O vinho dos senhores e o dos criados

De volta à sala de provas. E ao repertório de histórias que Paulo Graça Ramos tem para cada vinho. A propósito do Reserva Especial, descreve-o como “uma recriação do vinho dos senhores”, aquele que historicamente se produzia na quinta – diametralmente oposto do chamado “vinho dos criados”, mais ácido e desequilibrado.

O “dos senhores”, Paulo recorda-se de bebê-lo na sua juventude e de “serem vinhos mais largos em termos de boca, sem aquela acidez acutilante”. Este, o de 2019, passou 16 meses em borras finas, que lhe acrescentam cremosidade, volume de boca. Aliás, a passagem por borras é, a par da bâtonnage, uma característica transversal a praticamente todo o portefólio da casa. E explicá-lo daria, uma vez mais, “todo um tratado”.

Prova de vinhos na Quinta de Paços (Barcelos), com Paulo Graça Ramos Anna Costa
Prova de vinhos na Quinta de Paços (Barcelos) Anna Costa
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Prova de vinhos na Quinta de Paços (Barcelos), com Paulo Graça Ramos Anna Costa

As provas, por norma, acontecem no solar quatrocentista da quinta, numa sala povoada de evocações do longo historial familiar. Impõe-se a questão: da geração que se segue, já há quem se chegue à frente para dar continuidade ao legado? Paulo tem dois filhos, a mais velha com 24 anos, o mais novo com 21, que, aos poucos, se têm vindo a envolver, de forma crescente, no negócio de família. A paciência para esperar, uma vez mais, é uma virtude preciosa. Até porque, também isto das famílias “daria todo um tratado”.

Quinta de Paços
Rua Teotónio Fonseca, 171, Rio Côvo (Barcelos)
GPS: 41.4919, -8.5767
Tel.: 961450809
Web: facebook.com/quintadepacos
Visitas com prova a partir de 14 euros por pessoa

O bacalhau à moda da casa é um dos pratos fortes do restaurante Pedra Furada Anna Costa
São os irmãos António, Angelina e Madalena (que se recusa a ser retratada) que dão continuidade ao restaurante aberto pela sua mãe há 78 anos. Anna Costa
A sala do Pedra Furada é acolhedora e convida a refeições sem pressa de terminar. Anna Costa
No restaurante Pedra Furada, o pudim abade de Priscos é de antologia. Anna Costa
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O bacalhau à moda da casa é um dos pratos fortes do restaurante Pedra Furada Anna Costa
Espalhadas pela cidade há 19 estátuas que reproduzem, em grande escala, o figurado de Barcelos – e formam um óptimo roteiro de descoberta. Rui Oliveira/Arquivo Público
A melhor vista sobre Barcelos é a que se oferece da freguesia vizinha de Barcelinhos, diante do Cávado. Rui Oliveira/Arquivo Público
Do topo da Torre da Cadeia, avista-se todo o centro histórico, o Cávado e o verde que rodeia a cidade. Rui Oliveira/Arquivo Público
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Espalhadas pela cidade há 19 estátuas que reproduzem, em grande escala, o figurado de Barcelos – e formam um óptimo roteiro de descoberta. Rui Oliveira/Arquivo Público

Este artigo foi publicado na edição n.º 12 da revista Singular.

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