O Sleep In é uma mostra de arquitectura e design de interiores no mínimo original e, à sua 6.ª edição, a Royal Edition, toma de assalto — no bom sentido — o Palacete Silva Monteiro, o imóvel oitocentista que serve de casa à Região dos Vinhos Verdes no centro do Porto. Até 13 de Abril, 13 profissionais de referência vão receber ali diariamente os visitantes — e, em parte, são só dez dias de evento precisamente por causa desse envolvimento; esta não é uma mostra qualquer — e ajudá-los a interpretar os espaços que recriaram no cenário escolhido por Dina Souto Rosa, à luz das personagens inventadas também pela comunicadora e criadora do Sleep In.
"Isto é quase um Big Brother da decoração. E vive muito da presença dos próprios arquitectos e designers. Faz toda a diferença existir esta comunicação", explicou, esta quarta-feira Dina Souto Rosa, que falou com o PÚBLICO minutos antes da inauguração do evento, que também terá sessões de show cooking, provas de vinho verde, fado ao vivo e artes performativas, entre outras propostas de animação. Esta Royal Edition propõe-se reinterpretar na actualidade a vida burguesa da cidade do Porto na segunda metade do século XIX.
Os "contadores de histórias" deste Sleep In são Miguel Costa Cabral, Nuska Themudo (Open Life), Sandra Pinto e Miguel Ferraz (Casa 23), Ana Paiva, Geovani Prado e António Aroso (Geotoni), Cristina Archer e Nelma Serpa Pinto (The Studio Interiores), Paula Franzini e Ana Lencastre (Lencastre Interior Design), Patrícia Nascimento da Fonseca e Maria J. Carneiro (Sete Chaves), Fabián Pellegrinet Conte e Ginha Teixeira Pinto (DonaVila), Carlos Santos e Margarida Ferreira da Silva (AM Living) e Sónia Carvalho (Dama de Paus).
Arquitectos e designers de interiores, a esmagadora maioria do Norte de Portugal, e quase todos repetentes no evento que já passou por edifícios históricos tão diversos como as celas do Mosteiro da Serra do Pilar (Vila Nova de Gaia, 2019) ou o Colégio Militar (Lisboa, 2021), intervieram em diferentes salas do palacete do número 318 da Rua da Restauração, para contar diferentes histórias. A transformação mais impressionante é talvez a da biblioteca do palacete, onde a Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (CVRVV) organiza algumas provas e eventos mais intimistas.
Ali nasceu um estúdio de luxo, com uma cozinha-bar para receber convidados comme il faut, um cantinho de leitura escondido pela escada de madeira que dá acesso aos livros guardados na parte mais alta das estantes e um 'quarto dos fundos' muito nobre e com vista para o pátio do palacete. Ana Paiva criou esse ambiente para o grego Argus Kyril Maximus, descendente — "provavelmente o único" — da família Gattelusio, um "apaixonado por história, música e culinária", em Portugal para conhecer os nossos doces conventuais. "Todas estas personagens têm um motivo para ter vindo a Portugal", explica Dina Souto Rosa, jornalista durante mais de 20 anos da Caras Decoração e hoje freelancer, mesmo antes de nos cruzarmos com duas estreantes no Sleep In.
Ainda antes de chegar o público em geral, Patrícia Nascimento Fonseca, do ateliê portuense Sete Chaves, apontava "o contacto com os outros decoradores" como uma mais-valia da sua participação e comentava que "o mais giro" era "ver a personalidade de cada decorador em cada espaço". Como nas suas vidas reais, estes profissionais contam nos espaços que decoram a história de quem os vai usar, neste caso uma personagem fictícia, mas também deixam a sua dedada nos ambientes que criam. No caso da Sete Chaves, a personagem é a influencer britânica Eleanor Victoria Whinfield, Viscondessa de Terylene e "fashionista, que de 15 em 15 minutos está a fotografar-se". Daí, os dois espelhos grandes que vemos no quarto que Patrícia e a sócia Maria J. Carneiro criaram.
O lustre que vemos no quarto da Sete Chaves é mesmo do Palacete Silva Monteiro, mas parece ter sido ali colocado. Habituada a "trabalhar com reabilitações", no residencial e na hotelaria ("é a nossa praia", explica Maria), a dupla trabalhou à volta dele. Patrícia e Maria são arquitectas: "moldamo-nos à preexistência". Na 'sua' sala, como em todas as outras, as paredes ganharam nova pintura e mais cores, que ficarão, uma vez terminado o Sleep In. O que faz com que, em certos espaços, reparemos agora mais nos bonitos tectos do imóvel que é sede da CVRVV desde 1944.
A sensação que temos ao entrar na Sala Árabe é essa. Aquele tecto foi sempre assim? Sim, ninguém lhe mexeu. Mas o verde que anima agora as paredes da sala faz brilhar a arte que vemos ao olhar para cima. O brasileiro Geovani Prado está a lançar no Sleep In uma marca nova, a Geotoni, que o liga a António Aroso. Geovani é formado em filosofia e designer "autodidacta" e António já leva 18 anos de experiência em arquitectura e design de interiores. Juntos estão a criar mobiliário para um segmento alto, "100% produzido em Portugal", seguindo "um pensamento muito bespoke". São dessa nova linha as peças que vemos na sala da personagem Ludvic Constance Timothe, um nobre belga e o perfumista principal de várias casas reais europeias. E é sua a mesa que se vê logo à entrada do palacete. O imóvel é antigo e a mesa com tampo de mármore nacional era pesada para arriscarem levá-la para o espaço que recriaram no primeiro andar.
Numa sala ao lado, ficamos a olhar para um chandelier que só pode estar ali desde que António Silva Monteiro, brasileiro de torna-viagem, como era comum dizer-se à época, empresário, filantropo e político, mandou construir o palacete. Não. Carlos Santos e Margarida Ferreira da Silva, do projecto AM Living, tinham-no e deu-se o acaso de o candeeiro que ali estava estar a precisar de manutenção. É uma peça italiana, toda feita à mão, com acabamento e patine ao estilo francês, que quase nos impede de ver sobre a mesa os chocolates de Anna Justine Desirée, a "baronesa [de Céligny] chocoólica" e interessada em fazer negócios com o Rei do Cacau, para quem esta dupla criou esta "sala de receber". São de Carlos as obras feitas com tiras de papel recortadas à mão e em diferentes tamanhos.
Levar a sério a personagem
O Rei do Cacau é Archibaldo Diego Alvarez Garcia. O criador Fabián Pellegrinet Conte, que leva muito a sério o exercício ("aqui, está em casa"; apresenta-nos cada canto como se fosse o próprio Rei), explica-nos a personagem que lhe calhou: "tem plantações de cacaueiros em Cusco, no Peru, e veio a Portugal porque herdou um palácio em Braga". Nas paredes, uma pintura mostra a flor do cacaueiro, outra leva-nos até Machu Picchu. E há ainda imagens que mostram Cusco nos anos 1970. Por entre as peças de mobiliário, há uma colecção nova, inteiramente feita em Portugal, com André Malta (com quem Fabián tem a Ateliê M, a outra empresa através da qual é possível ver o seu trabalho), onde se incluem cadeiras e cadeirões únicos feitos em "madeira maciça dobrada a vapor, como se fazia na Áustria". "Quando temos um cliente, ele tem uma história, seguramente muito mais aborrecida do que esta do Rei do Cacau, mas temos de interpretar isso. Somos contadores de histórias quando fazemos uma casa. Não posso decorar uma casa só com o meu estilo, porque não sou que vou morar nessa casa." Mas essa identidade está lá, sempre.
Assim como o traço dos outros arquitectos e designers deste Sleep In se percebe nas outras salas, cujas personagens são Don Francisco de Guzman, um epicurista e aficionado tauromáquico; a Condessa de Ponthieu, Florence Marie Louise, produtora de vinhos espumantes, apaixonada pela região dos Vinhos Verdes; Bagu Simbá Mussu e Dandara Menelik Tutu, exilados do Djubuti e descendentes da rainha do Sabá; Sebastião de Santa Maria, descendente do próprio Conde Silva Monteiro e herdeiro da sua arte de bem receber; Laura Federica Antonelli Grimaldi Constantini e Lancellotti, uma apaixonada por jardins, em visita ao Porto a propósito de uma exposição e camélias; Ingrid Martha, uma jovem princesa europeia que renunciou à realeza para se dedicar ao ioga e ao hinduísmo; Frederik Lorenzo de Berry, Marquês de Bruinisse e velejador holandês; e Sir Albert Stuart George, criador de galgos e cavalos da raça Cleveland Bay que ficou com a sala mais luminosa do palacete. Também nesse canto do edifício, voltado para a rua, há um lustre que impressiona e que, parecendo de origem, não é do palácio, assim como o "aquecedor" encaixado na 'pele' de uma lareira, desenhada e personalizada por Sónia Carvalho (Dama de Paus).
Quanto à animação, eis a agenda. Os show cookings são estes: chef Paulo Oliveira (do hotel Palácio de Cedofeita) esta quinta-feira e sábado (17h-21h; repete no dia 13, com horário ainda a divulgar), chef Bruno Alberto Ferreira no próximo dia 10 (15h-21h) e um terceiro chef convidado (ainda a confirmar) dia 11. O Sleep In Art Day será no sábado, a partir das 15h, e terá o apoio das tintas Neuce. Participarão os artistas Jorge Curval, Sónia Oliveira, Francisca Tenreiro, Carlos Santos, Cristina Nunes da Costa, Isabel Rocha Leite e Filipe Mariares, entre outros. Diz a organização que esta iniciativa é "aberta a quem quiser se juntar". As obras resultantes dela serão expostas e leiloadas no dia 12, com o apuro a reverter a favor da associação Porto Solidário. No domingo, às 19h, há fado, com António Marramaque (guitarra portuguesa). As provas de vinhos são diárias.
O Conde Silva Monteiro nasceu há 200 anos, pelo que o acolhimento deste evento em 2024 pode ser visto também como um momento de celebração do seu nascimento. O Sleep In — Royal Edition tem o apoio da Câmara Municipal do Porto, da Associação Portuguesa das Indústrias de Mobiliário e Afins e da CVRVV. Tem também vários patrocinadores, empresas do sector que cederam peças de mobiliário e outras, de entre as quais os designers escolheram livremente itens que integraram nos ambientes que assinam. A mostra, que "não é uma feira de decoração", insiste Dina Souto Rosa, decorre até 13 de Abril, entre as 15h e as 21h horas, com os bilhetes a custarem 5 euros (à venda na Ticketline).