O Talho das Manas tornou-se um falatório para os amantes da carne

Quatro irmãs herdaram um talho e transformaram-no num negócio em que até o catálogo das peças distribuídas da região de Lisboa dá gosto de ver. O Talho das Manas é outra coisa.

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O Talho das Manas Rui Gaudêncio

Um número interessante de portugueses prefere comprar carne em talhos de rua e não em supermercados. Por três razões: primeiro, atribui aos talhos mais qualidade e segurança, segundo, gosta de controlar o corte das peças na hora e, terceiro, além dos dois dedos de conversa com o talhante, sempre recebe alguma dica sobre a melhor forma de tratar a carne. No talho – como na peixaria ou na banca da fruta a confiança ainda é um valor com peso.

Claro que a comparação generalizada entre um talho português e um talho inglês é como a história do dia e da noite. Nós vendemos carne e ponto final, os ingleses vendem pequenas obras de arte gastronómica, com cortes e preparações que nem em sonhos ocorreriam a um talhante português. Mas, como em tudo na vida, há excepções. E a de hoje é o Talho das Manas, que, com a pandemia, se transformou num falatório para os amantes da carne e para alguns chefs que vivem na região da grande Lisboa. E porquê? Porque aplicaram ao seu negócio as regras básicas do marketing. Ou seja, arranjaram produtos de qualidade para um nicho crescente de consumidores (aqueles que fazem da sustentabilidade o novo catecismo), criaram novos preparados com parcerias estratégicas, implementaram uma linha de distribuição eficaz e, por fim, desenharam uma narrativa comunicacional de se lhe tirar o chapéu.

O negócio das carnes nesta família começa com José Pedro Cartaxo, em 1995, na região de Torres Vedras. Das quatro filhas do fundador, Margarida e Inês começaram a trabalhar na empresa. Algum tempo após o falecimento de José Pedro Cartaxo, em 2014, Maria João, que tinha um espaço de massagens, e Ana, que se dedicava às artes, juntam-se e criam o Talho das Manas. A história das massagens tem alguma importância porque, ao longo da semana, e tendo em conta a dureza da vida de talhante, os conhecimentos técnicos da Maria João dão jeito.

Pouco tempo depois de arrancarem com o negócio começaram a surgir alguns problemas de saúde entre as irmãs. Exames para um lado, exames para o outro, descobriram as quatro que tinham doenças auto-imunes, com a celíaca à cabeça. Qualquer doença desta natureza transforma-se num sarilho alimentar, mas há sempre alguém com ideias para transformar um problema num negócio, de maneira que, hoje, o Talho das Manas está certificado pela Associação Portuguesa de Celíacos. E o que tem a carne a ver com a intolerância ao glúten ou à lactose? Bom, o problema não está na carne em si, mas nos ingredientes que se usam nos preparados, em particular o pão ralado e as massas. E como o consumo dos preparados de carne cresce a bom ritmo, a ideia do sem glúten transformou-se num negócio. Rolos de carne, nugetts de frango, hambúrgueres compostos, folhados de farinheira, salsichas variadas, almôndegas e panados, é só escolher. Nenhum destes produtos tem glúten.

Agora, criatividade à parte – que vai continuar através de diferentes parcerias –. o Talho das Manas merece estar nesta rubrica Guardiães do sabor porque, por um lado, apresenta cortes que vão desaparecendo nos talhos em geral e, por outro, há um trabalho cuidado com as nossas três raças autóctones de porcos, com destaque para o malhado de Alcobaça, que já esteve numa fase de pré-extinção. Mais ainda, os animais destas raças – e também os perus e as galinhas – são criados em sistemas agrícolas que ora se regem pelo sistema de produção biológico, ora pelo sistema da agricultura regenerativa. “Nós vendemos carne e sabemos que estamos confrontados com problemas complexos em matéria ambiental. Mas como não vamos deixar de comer carne de hoje para amanhã, decidimos trabalhar com produtores que não só levam muito a sério o bem-estar animal, como também reduzem consideravelmente os impactos ambientais. Se só usamos carne destes sistemas? Não, mas o nosso propósito é reforçar a aposta em carne de sistemas de produção sustentáveis”, diz-nos Ana Cartaxo.

Estas preocupações continuam com o nível de aproveitamento que existe na sala de desmancha, visto que nada vai para o lixo. Exemplos: as vísceras têm tratamento especial e até os estômagos dos borregos são destinados a um petisco muito apreciado nas redondezas e que é de uma singeleza impressionante, visto que é só cozê-los em água com duas ou três folhas de hortelã. Em Rio Maior, não há casamento tradicional sem molhinhos. Já as cabeças e os pés destes animais são cada vez mais cobiçados por chefs, de tal forma que, segundo Inês Cartaxo, “vai para aí um tráfico destas peças que é algo muito sério”

Depois, temos coisas como lombelo (umas pregas musculadas que seguram o coração, o fígado e os pulmões dos bovinos às costelas, digamos assim) e que dá origem a uns estufados esplendorosos, ou suculenta costela mendinha, que, confitada em azeite, é capaz de vergar um vegetariano.

Todos os cortes, preparados e cabazes, com respectivos preços, estão num catálogo de encher o olho, com a indicação das raças dos animais e dos processos produtivos.

De Norte a Sul do país existe qualidade de carnes em muitos talhos portugueses, mas qualidade, serviço de entrega e uma boa história, aqui se calhar o número reduz-se consideravelmente.

O Talho das Manas fica em Ponte do Rol (Torres Vedras), mas há entregas regulares na região de Lisboa (961 102 201). O catálogo pode ser consultado nas redes sociais habituais.

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