A epidemia silenciosa da privação de sono

Urge abandonar esta ideia de que o sono é apenas um estado passivo de descanso, mas um componente fundamental da manutenção da saúde, a prevenção de doenças e a nossa esperança de vida.

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O sono desempenha um papel importante na regulação de hormonas essenciais Getty Images
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O sono revela-se mais crucial do que muitas vezes admitimos, e as ramificações decorrentes da sua escassez são ainda mais perturbadoras do que poderíamos conceber inicialmente.

Existe um impacto significativo dos problemas de sono em vários aspectos da saúde e do bem-estar humano. Os distúrbios do sono vão além de apenas causar fadiga ou inconveniência, apresentando danos tanto a curto prazo quanto a longo prazo em diversas áreas da vida.

Recentes pesquisas indicam de maneira contundente que os problemas relacionados ao sono estão correlacionados com uma série de desdobramentos negativos, abrangendo desde acidentes, redução da produtividade até comprometimento na tomada de decisões e o surgimento de doenças crónicas.

Essas investigações, resultantes de décadas de estudo, proporcionam uma compreensão abrangente, revelando uma conexão consistente entre a insuficiência de sono adequado e o aumento do risco para o desenvolvimento de condições médicas graves, tais como doenças cardíacas, renais, hipertensão, diabetes, ataques cardíacos, obesidade e, em última instância, até mesmo a morte.

Urge abandonar esta ideia de que o sono é apenas um estado passivo de descanso, mas um componente fundamental da manutenção da saúde, a prevenção de doenças e a nossa esperança de vida. Compreender a importância do sono destaca a urgência de abordar questões relacionadas com o sono e implementar estratégias para promover hábitos saudáveis de sono na sociedade.

Ao reconhecer a importância do sono, indivíduos e sociedades podem tomar medidas proativas para priorizar o descanso e colher os diversos benefícios que ele oferece.

De forma resumida, sono é um estado biológico complexo e vital para a saúde humana. Durante o sono, o nosso corpo passa por vários estágios, cada um com a sua função específica. O estágio REM (Rapid Eye Movement) é crucial para o processamento e consolidação da memória, enquanto o sono profundo é responsável pela restauração física e mental.

Além disso, o sono desempenha um papel importante na regulação de hormonas essenciais, como o cortisol e a melatonina, que afetam o humor, o metabolismo e o sistema imunológico. Além disto, a qualidade do sono está intrinsecamente ligada ao ritmo circadiano, um ciclo de aproximadamente 24 horas que regula os nossos padrões de sono e vigília.

A exposição à luz natural e a manutenção de horários regulares de sono são fatores cruciais para a sincronização do ritmo circadiano e a promoção de um sono saudável. A criação de um ambiente propício ao sono, com temperatura adequada, conforto e ausência de estímulos perturbadores, é fundamental para facilitar a transição para o sono e promover um descanso revitalizante.

Quando não dormimos as horas que o nosso corpo necessita entramos em privação do sono que, diga-se em boa verdade, é um problema generalizado em muitas sociedades modernas, resultado de estilos de vida agitados, pressões profissionais e a prevalência de dispositivos eletrónicos.

Mas não é só o nosso estilo de vida que se torna menos saudável, o nosso corpo e mente adoecem profundamente aos pouquinhos, dia a dia sem que disso dêmos conta... Falta de sono adequado pode ter consequências graves para a saúde física, mental e emocional. A privação do sono tem efeitos adversos em todo o corpo humano. Um dos sistemas mais afetados é o sistema imunológico.

O sono desempenha um papel vital na regulação da resposta imunológica, e a sua falta pode comprometer a capacidade do corpo de combater infeções e doenças. Estudos mostram que indivíduos privados de sono têm maior suscetibilidade a constipações, gripes e infeções virais, em geral.

Paulatinamente e ao longo dos anos a privação do sono está associada a desequilíbrios hormonais, incluindo níveis elevados de cortisol, a hormona do stress, e redução dos níveis de leptina, a hormona da saciedade, e aumento dos níveis de grelina, a hormona da fome. Isso pode levar ao aumento do apetite, ganho de peso e resistência à insulina, aumentando o risco de desenvolvimento de diabetes tipo 2 e obesidade.

Mas não é só o risco destas doenças crónicas que se torna aumentado, o das doenças cardiovasculares e até mesmo alguns tipos de neoplasias também.

Além disso, a privação do sono compromete a função cognitiva e a capacidade de tomar decisões. Estudos mostram que indivíduos privados de sono têm dificuldade em concentrar-se, processar informações e reter memórias, e comprometimento cognitivo a longo prazo o que naturalmente pode afetar negativamente o desempenho académico, profissional e as atividades diárias, levando, por exemplo a um aumento do risco de acidentes de trânsito e ocupacionais devido à sonolência e à redução da atenção e reflexos.

Também a saúde mental e emocional é profundamente afetada pela privação do sono. A falta de sono adequado está associada a uma variedade de distúrbios psicológicos, incluindo depressão, ansiedade, transtorno bipolar e até psicose. A privação do sono compromete a regulação emocional, levando a alterações de humor, irritabilidade, impulsividade e redução da capacidade de lidar com o stress. Pode ainda exacerbar sintomas de distúrbios psiquiátricos existentes e dificultar o tratamento eficaz dessas condições. Já que alguns estudos mostram que pacientes com transtornos mentais que também sofrem de privação do sono têm maior probabilidade de experienciar recaídas e episódios de descompensação.

Quando fotografamos o que se passa no cérebro, o panorama é ainda mais assustador! O cérebro é um órgão particularmente sensível à privação do sono, e os efeitos podem ser profundos e duradouros. Estudos neurobiológicos demonstraram que a falta de sono adequado pode levar a alterações na estrutura e função cerebral.

A privação do sono está associada a uma diminuição da atividade metabólica no cérebro, especialmente em regiões responsáveis pelo controle emocional, memória e tomada de decisões. Estudos em animais sugerem igualmente que a privação do sono pode levar à morte celular no cérebro, aumentando o risco de desenvolvimento de distúrbios neurodegenerativos, como Alzheimer e Parkinson, em seres humanos.

Portanto, abordar a privação do sono é essencial para a gestão eficaz da saúde física, mental e o bem-estar emocional. Em face dos desafios impostos pela privação do sono, torna-se imperativo implementar estratégias eficazes para fomentar hábitos saudáveis de sono.

A incorporação de práticas de higiene do sono, como a manutenção de horários regulares, e a educação precoce das populações são passos cruciais nesse sentido. Considerando o custo/benefício envolvido, preservar o nosso sono emerge como uma das ações mais benéficas para aprimorar e sustentar a nossa saúde mental e bem-estar. Ao reconhecer a importância do sono e agir proativamente, indivíduos e sociedades podem colher os frutos de uma vida mais saudável e equilibrada.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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