Ao fim de 14 anos, dívida pública volta a estar abaixo dos 100% do PIB
Excedentes orçamentais, crescimento económico e inflação alta baixaram o rácio da dívida nos últimos anos. Redução acentuada dos depósitos no final deste ano fez com os 100% fossem já alcançados.
A dívida pública portuguesa ficou, no final do ano passado, abaixo dos 100% do Produto Interno Bruto (PIB), confirmou esta quinta-feira o Banco de Portugal. É a primeira vez que tal acontece desde o ano de 2009.
De acordo com os dados publicados pela autoridade monetária nacional, a dívida pública portuguesa concluiu o ano com um valor de 263.043 milhões de euros, o que corresponde a 98,7% do PIB.
Isto significa que a dívida pública diminuiu, face ao final do ano anterior, 12.591 milhões de euros, a maior queda em termos absolutos de que há registo neste indicador. Em 2021, a dívida pública já tinha diminuído em termos absolutos, mas apenas pouco mais de 1400 milhões de euros.
Já relativamente ao peso na economia, o ano de 2023 foi, novamente, de queda acentuada, de 13,7 pontos percentuais face aos 112,4% registados em 2022. É também a maior descida de que há registo, superando a diminuição de 12,1 pontos que se tinha verificado no ano anterior.
Neste caso, aquilo que aconteceu foi o prolongamento da tendência dos últimos anos – apenas interrompida em 2020 por causa da crise económica trazida pela pandemia – de redução acentuada do valor da dívida pública em percentagem do PIB.
Em 2020, este indicador estava nos 134,9%, um valor 36,2 pontos percentuais acima do agora registado, que fica já abaixo da meta de 98,9% traçada pelo Governo para o final deste ano.
Em reacção aos dados divulgados pelo Banco de Portugal, Fernando Medina afirmou já esta quinta-feira, numa conferência no Salão Nobre do Ministério das Finanças, que “a redução da dívida púbica dá liberdade ao país e permite desviar recursos do estrangeiro" e dos credores do país para os portugueses.
“É o melhor resultado desde 2009, desde há 14 anos, desde a crise financeira”, assegurou Fernando Medida. “A queda da dívida [em percentagem do PIB] foi acompanhada por uma queda da dívida em valor real. Devemos hoje menos 9,4 mil milhões de euros do que devíamos em 2022”, salientou.
Fernando Medida recordou ainda que o país saiu do grupo dos países mais endividados da Europa, estando actualmente atrás da Grécia, Itália, França, Espanha e Bélgica no ranking dos mais endividados da zona euro. “Estamos numa posição mais segura” e este resultado “vai permitir a “libertação de juros para apoiar as políticas públicas do país”, defendeu o ministro das Finanças.
O que explica a descida
Para regressar a um valor abaixo dos 100% do PIB de forma tão rápida combinaram-se dois factores ao longo dos últimos anos. Por um lado, uma situação quase permanente de equilíbrio orçamental, com excedentes orçamentais primários (retirando o peso dos juros) muito significativos. E, por outro lado, um crescimento real do PIB, a que se acrescentou ainda nos dois últimos anos uma subida mais acentuada do PIB nominal devido à inflação elevada.
Os números da descida do valor da dívida pública têm vindo a superar todas as previsões, incluindo as feitas pelo Governo. Quando, em Outubro de 2022, apresentou o Orçamento do Estado para 2023, o executivo previa que a dívida pública ficasse no final do ano passado em 110,8% do PIB.
Em Abril do ano passado, quando apresentou o Programa de Estabilidade, já tinha revisto a meta para 107,5%. Mas, seis meses depois, em Outubro, na apresentação da proposta de OE para 2024, já era evidente que, com o saldo orçamental mais positivo do que o previsto e a economia também a surpreender pela positiva, a dívida seria ainda mais baixa. O objectivo voltou então a ser revisto em baixa, para 103% do PIB. E, poucas semanas depois, ainda no decorrer da discussão do OE no Parlamento, o ministro das Finanças, Fernando Medina, voltou a corrigir a mira, dizendo que, afinal, a dívida deveria acabar por ser “inferior a 103%”.
Por fim, soube-se esta quinta-feira, a dívida pública chegou ao último dia de 2023 já abaixo dos 100% (e abaixo da meta definida pelo Governo para 2024).
Para que isso acontecesse contribuiu ainda uma gestão da dívida pública nas últimas semanas do ano que levou a que este resultado se concretizasse no último dia de 2023. No último trimestre do ano, o Tesouro realizou várias operações de recompra de dívida e absteve-se de lançar novas emissões, acentuando em Dezembro a redução dos depósitos acumulados pela Administração Pública e permitindo que fosse dado, já em 2023, o último passo para um valor abaixo dos 100% do PIB, que apenas estava previsto para o final de 2024.
Entre o terceiro e o quarto trimestre de 2023, a descida do valor da dívida pública em percentagem do PIB foi de 8,8 pontos percentuais, isto é, quase dois terços da descida total do ano. É, de um trimestre para o outro, de longe a maior descida deste indicador alguma vez registada.
E o valor dos depósitos, que constituem a almofada financeira de que dispõem as Administrações Pública, caíram, só no último trimestre do ano, mais de 17 mil milhões de euros, também a maior redução trimestral de que há registo. com Lusa