A proliferação dos “pais-helicóptero”

A preocupação com o sucesso dos filhos começa em idades muito precoces, sendo responsável pela criação de uma agenda sobrecarregada que deixa pouco espaço para a vivência da infância.

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A preocupação com o sucesso dos filhos principia frequentemente desde idades muito precoces Oleksandr P/pexels
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A nossa época está repleta de contradições: se, por um lado, os pais estão muito centrados nos filhos, por outro lado, nem sempre dispõem do tempo que gostariam ou que achariam adequado para estar com eles. E, em matéria de tempo passado em família, por mais que possa defender-se que a qualidade é mais importante do que a quantidade, esta última não deixa de ser relevante para o bem-estar das crianças. Com esta constatação não se pretende culpabilizar os pais, acreditando que, naturalmente, apreciariam ter maior disponibilidade para a família.

No tempo que têm para estar em família, é como se os pais pretendessem compensar a falta de extensividade com a intensidade do exercício da parentalidade, esforçando-se por colmatar a sua ausência com uma presença muito intensa. Deste modo, tentam suprir a quantidade com a qualidade, procurando maximizar a estimulação, com o objetivo de potenciar o desenvolvimento global dos seus filhos.

A intensidade da parentalidade tem como objetivo prioritário proporcionar às crianças uma educação o mais completa possível para que, no futuro, possam ter as melhores oportunidades. Com esse intuito, os pais ampliam o leque de atividades dos filhos, de modo a oferecer-lhes experiências enriquecedoras e diversificadas, consideradas favoráveis para o seu sucesso.

A preocupação com o sucesso dos filhos principia frequentemente desde idades muito precoces, sendo responsável pela criação de uma agenda sobrecarregada que deixa pouco espaço para a vivência da infância. Esta agenda pressupõe uma orientação intensiva do tempo das crianças por parte dos pais, com uma sucessão de atividades realizadas em diversos espaços: em casa, na escola e noutros locais.

No livro com o esclarecedor título A Tirania do Mérito, Michael J. Sandel, professor de Filosofia, chama a atenção para aquilo que denomina como o fenómeno da proliferação dos chamados “pais-helicóptero”, caracterizados por “uma abordagem demasiado intensiva em termos de tempo e controladora da educação dos filhos, que se generalizou nas últimas três décadas”. Na sua perspetiva, a responsabilidade por este fenómeno pode ser atribuída à luta meritocrática, que “dá azo a uma cultura parental de intromissão, orientada para o sucesso e intrusiva”.

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"No tempo que têm para estar em família, é como se os pais pretendessem compensar a falta de extensividade com a intensidade do exercício da parentalidade" Aleutie/Getty Images

A emergência dos “pais-helicóptero” tem coincidido, segundo este autor, com as décadas em que a competição meritocrática se tornou mais intensa, durante as quais “a necessidade de preparar os jovens para o sucesso académico passou a ser encarada como uma responsabilidade parental de suma importância”. Como consequência, “ficámos tão obcecados com o sucesso dos nossos filhos que a parentalidade se tornou uma espécie de desenvolvimento de produtos.”

O professor universitário Olivier Babeau, no livro La tyrannie du divertissement, questiona o controlo absoluto exercido pelos “pais-helicóptero” sobre as atividades dos seus filhos, com o objetivo de organizarem e ocuparem todos os instantes. “Esta é verdadeiramente uma boa solução?”, interroga-se. Na sua opinião, não. Primeiro, porque as crianças se arriscam “a perder o tempo do sonho, do devaneio, a autonomia, a capacidade de procurar por si próprio e a socialização”. Segundo, porque a erosão progressiva dos momentos de brincadeira livre impede o bom desenvolvimento da criança e tem inúmeras consequências negativas quando esta cresce. “Os pais-helicóptero não constituem um bom modelo de parentalidade. Nada é positivo em excesso. A chave, como em tudo o resto, é o equilíbrio, residindo no meio-termo”, afirma.

Como o tempo não é elástico, algo tem de ficar inevitavelmente a perder com o incremento de agendas demasiado sobrecarregadas. Como não poderia deixar de ser, o aumento do tempo dedicado à educação é inversamente proporcional à diminuição do tempo destinado a brincar, situação que merece uma crítica negativa por parte de Carlos Neto, especialista na área da brincadeira e do jogo na infância.

Este autor não poderia ser mais claro quando recomenda aos pais e educadores que não se esqueçam da importância do brincar nas primeiras idades e dos seus benefícios em todos os campos do desenvolvimento humano. Na obra Libertem as Crianças – A urgência de brincar e ser ativo, destaca que “a evidência científica atribui ao ato de brincar uma associação evidente com o desenvolvimento cerebral ótimo”, uma vez que “as experiências vividas durante este período evolutivo, no qual as janelas de oportunidades estão abertas, são enviadas e traduzidas em conexões sinápticas fundamentais para a maturação adequada do cérebro e para o desenvolvimento motor”.

Em consonância, a privação de tempo para brincar na infância é altamente impactante, na medida em que é irreversível e irrecuperável. É por todos estes motivos que Carlos Neto se opõe ao facto de as crianças terem o tempo demasiado formatado, com falta de tempo livre, de tempo para brincar e de tempo para serem felizes na infância. Tal como salienta, “a infância só se vive uma vez e, por isso, tem de ser vivida com toda a profundidade”.

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