Restitua-se aos professores o direito de escolherem os líderes das escolas

O Conselho das Escolas, ao qual compete assegurar a representação das escolas junto do Ministério da Educação, parece falar apenas em nome da fatia mais fininha do bolo: a dos diretores.

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No início deste mês, os professores tomaram conhecimento da recomendação do Conselho das Escolas (CE) respeitante à revisão do Estatuto da Carreira Docente e ao novo modelo de Autonomia, Administração e Gestão e Estatuto do Diretor.

Assinalamos como curiosidade e sinal de alerta a separação no documento de docentes e diretores, presumindo-se o caráter privilegiado dos segundos dentro de uma carreira que está cada vez mais afastada do sentir e das competências encaradas como funcionais para qualquer professor e educador. Curiosamente, já o próprio Ministério da Educação, Ciência e Inovação, no plano +Aulas +Sucesso, considerara o seu regime de exceção ao não apresentar como uma das soluções para a falta de professores a possibilidade de estes poderem lecionar uma turma. Como tantas outras medidas paliativas apresentadas, não seria evidentemente a solução para a falta estrutural de professores, mas não deixa de ser curiosa essa opção.

Tendo em conta que o CE tem como primeira competência “assegurar a representação das escolas junto do Ministério da Educação”, talvez possamos questionarmo-nos em que pressupostos se terá baseado para assumir que esta era a vontade e o pulsar das comunidades escolares deste país, já que parece falar apenas em nome da fatia mais fininha deste bolo: a dos diretores. Desde há largos anos que se sente nas escolas o poder do arbítrio descontrolado e abusivo destes naquilo que anteriormente eram regras claramente definidas como elementos basilares de um regime democrático.

A maior autonomia reclamada por este CE, “numa demonstração clara de confiança”, não deve ser unicamente para os órgãos de gestão, mas para todos os que trabalham diariamente nas escolas. Enquanto não se aumentar o nível de confiança em todos os docentes, seja por parte da tutela, seja por parte dos próprios encarregados de educação que mais não fazem, muitas vezes, que mimetizar aquilo que os sucessivos governos têm feito às escolas e aos seus profissionais, não será possível revivificar a imagem do professor e a atratividade desta carreira. O que os profissionais no terreno desejam não é uma maior autonomia conferida aos órgãos de gestão, mas precisamente isso e o contrário disso mesmo, isto é, restitua-se aos professores o direito de escolherem os líderes da sua organização, eleitos de forma colegial, e confie-se nas suas tomadas de decisão, como pedagogos e formadores das futuras gerações, inseridos numa estrutura conhecedora e defensora de cada comunidade, preservando a sua história e identidade, num quadro legislativo nacional.

Não se reclame para os diretores a competência da designação dos cargos das estruturas intermédias, porque seria a negação do regime democrático representativo do nosso país: quem sabe da organização e funcionamento de uma escola são os professores e a eles deve caber a decisão de escolha dos seus líderes; caso contrário, estaremos a contribuir para a manutenção do atual regime autocrático que leva à exaustão de quem está nas escolas, envelhecido e descrente da possibilidade de vir a levantar a Escola Pública do fosso em que a colocaram. Neste momento, mais do que essa urgência está de pé de forma imperiosa a necessidade de não se perder os poucos profissionais que se mantêm à tona. Só eles, perante a diminuição dos requisitos mínimos para a docência, podem assegurar os níveis de qualidade necessários à sobrevivência da Escola Pública.

Por isso, senhor ministro, encarecidamente lhe peço, como professora no terreno, que antes de olhar para as recomendações de um órgão que parece apenas querer defender os interesses dos diretores, comece por salvar os professores, se quer salvar a Escola Pública! E oiça-os. Os diretores, salvo raras e honrosas exceções, estão há muitos anos arredados das salas de aula e a realidade que defendem nada tem a ver com os valores da Escola Pública e da democracia, mas apenas com a manutenção de um lugar de privilégio, que contribui largamente para afundar mais este barco desgovernado.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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