Da paciência à superficialidade: Os resultados nas escolas e uma crise de valores

A paciência e o tempo são ingredientes essenciais para o rigor e qualidade, para potenciar a criatividade e para o bem-estar, em qualquer área ou domínio das nossas vidas.

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"Observemos a crescente impaciência, sobretudo nos jovens ao nosso redor" Rui Soares/Arquivo
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É impossível não ficarmos inquietos com os indicadores que nos vão chegando sobre o estado da educação, nomeadamente através dos resultados de estudos como o PISA. E é impossível não perguntar, face aos dados que vão sendo conhecidos a nível global, o que se passa, numa perspetiva alargada, nas sociedades ocidentais que possa justificar tais desempenhos.

Esta semana, o PÚBLICO reuniu alguns dos seus mais recentes trabalhos sobre o tema da educação na Estante P. sob o título “Porque pioram os alunos?”. Ao ler ou reler alguns destes textos, apesar do meu otimismo habitual quanto à escola, instalou-se um mal-estar quanto aos números da Educação. Os dados não nos dão respostas exatas sobre os motivos das descidas nos desempenhos avaliados, o que nos pode levar a pensar numa causa de natureza mais abrangente. Efetivamente, é possível tratar-se de um fenómeno global e que ocorre não apenas em Portugal, mas de forma alargada. Além dos contextos específicos e das políticas educativas, que se afiguram distintas entre os países da OCDE envolvidos neste estudo, tem de haver algo de transversal que justifique as descidas nos resultados obtidas em países tão distintos como Portugal ou a região chinesa de Hong Kong.

Porque pioram os alunos?

E, se pensarmos bem, na verdade, em vários domínios das nossas vidas, o nosso mundo está (novamente) a mudar. E temos estado a assistir a uma nova mudança de paradigma na sociedade ocidental, que vai para além das escolas, e que tem contribuído para os resultados que estão agora a chegar. Nesta mudança, novos valores se “alevantam”, como diria o Poeta. Todavia, valores que não se afiguram mais altos, como profetizara Camões. Estes são, agora, a rapidez, a facilidade, o imediatismo, a superficialidade. E esta mudança tem consequências profundas em diferentes domínios — das famílias ao mundo do trabalho; das escolas ao jornalismo. E já todos estamos a constatar a sua chegada.

Diz o povo que “depressa e bem não há quem”. Porque, efetivamente, a paciência e o tempo são ingredientes essenciais para o rigor e qualidade, para potenciar a criatividade e para o bem-estar, em qualquer área ou domínio das nossas vidas. Observemos a crescente impaciência, sobretudo nos jovens ao nosso redor, em diferentes áreas das nossas vidas. E tomemos como exemplo a simples espera por um episódio de uma série, da qual, em contraste com a atual tendência, só é possível assistir a um episódio por semana, e como isso se transforma numa provação.

E faltando o tempo e a maturação que este traz às emoções e ao pensamento, a escola e as aprendizagens estão também condenadas à superficialidade e à falta de investimento, por mais que as orientações da tutela remem em sentido contrário. A desvalorização do saber, o desgaste da profissão docente, numa sociedade em que tudo passa depressa, e não necessariamente bem, produz gerações mais desmotivadas, mais superficiais, menos resilientes, menos tolerantes. E a escola, com mais ou menos exames, com mais ou menos reformas, vive a reboque destes novos valores que se respiram e que pautam uma sociedade moldada pela urgência, onde a profundidade do conhecimento cede lugar à busca de resultados imediatos.

Discorro sobre este tema, como já se foi adivinhando, a partir do que se pode concluir globalmente sobre os resultados do PISA: de uma maneira geral, quase todos os países pioraram o seu desempenho. No domínio da literacia em Matemática, todos os países da OCDE desceram, à exceção de quatro: Singapura, Taipé, Japão e Coreia (Portugal surge em 29.º lugar nesta lista). Na literacia em Leitura, Taipé, Japão, Coreia, Itália (em 20.º) e Israel (em 30.º) foram os únicos países que viram subir os seus resultados (Portugal, neste domínio, encontra-se na 24.ª posição).

Não me vou deter nas questões das políticas educativas, recursos sociais, contextos familiares, ensino público ou privado, até porque estes resultados vão para além destes fatores. E sobre estas questões, podemos encontrar muita reflexão e trabalho já feitos, nomeadamente no caderno P que espoletou este texto. Detenho-me antes na ideia mais abrangente de que algo está mal no reino — “da Dinamarca”, diria Shakespeare. Algo está mal nas nossas sociedades que buscam a rapidez e o imediatismo, desprezando valores como a paciência, o tempo, a dedicação e a virtude da espera.

A crise de valores do início do século XX faz parte dos manuais de História das nossas escolas. Infelizmente, parece que o mundo corre o risco de estar a escrever a História do início do século XXI de forma idêntica. Com guerras, infelizmente, e também uma nova crise de valores.

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